Em Miranda do Douro, há crias em cativeiro prontas a serem libertadas e outras selvagens cujos ninhos são protegidos, para evitar predadores.
Ainda não são 8h30, mas sobre o capot da carrinha do biólogo Carlos Pacheco já se vão alinhando os cinco pequenos transmissores de GPS que ele está a acabar de preparar com Sara Palumbo. Dali a pouco, cada um deles vai ser instalado no dorso de cinco espécimes juvenis de águia-caçadeira, ou tartaranhão-caçador (Circus pygargus), uma das espécies de aves estepárias mais ameaçadas no país. Não vai ser preciso ir à procura das aves juvenis, porque, embora ainda não as tenhamos visto, elas estão a poucos metros dali, numa enorme “jaula” de estacas e rede metálica, parcialmente coberta por uma tela verde-escura que, mais do que impedir que nós vejamos as aves, as impedem de nos verem. Porque ninguém quer causar perturbação aos animais, para lá daquele que é obrigatório, quando os investigadores têm mesmo de se aproximar deles.
As cinco aves juvenis (três fêmeas e dois machos) estão integradas no projecto Searas com Biodiversidade: Salvemos a Águia-caçadeira, que está a ser desenvolvido por vários parceiros, incluindo o Biopolis/Cibio — o Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto e a Palombar — Conservação da Natureza e do Património Rural. Carlos Pacheco pertence ao primeiro, Luís Ribeiro, que dali a pouco vai entrar na jaula para recolher a primeira ave juvenil, à segunda.
Estamos em terrenos da Quinta do Cordeiro, em Miranda do Douro, e para chegar ao local onde está a desenvolver-se este processo de hacking (o termo inglês usado universalmente para este método em que animais selvagens são preparadas para o regresso à vida ao ar livre num espaço controlado como a jaula onde estão as aves) é preciso vencer um pequeno declive de terra que um carro normal não consegue subir.
O terreno pertence a um proprietário que há muito colabora com a Palombar e que permitiu que ali fosse instalada a jaula, numa área que está em pousio. A menos de um quilómetro em linha recta, diz Luís Ribeiro, fica a maior colónia de águia-caçadeira que já foi identificada por aquelas bandas, com 11 casais, o que teve uma grande influência na definição do local para construir a estrutura.
Censo de uma espécie em crise
O projecto Searas com Biodiversidade, que está no terreno desde o ano passado e termina este ano, tem várias componentes, entre as quais a realização do 1.º censo nacional da espécie. Os últimos dados conhecidos são do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e são uma estimativa que aponta para que, em dez anos, a população de águia-caçadeira no país tenha tido um declínio de 76%, um valor que sobe para 85% se olharmos apenas para o Alentejo, onde, por causa das searas que costumavam cobrir a paisagem, a ave era mais comum.
A águia-caçadeira é uma estepária, como o sisão (Tetrax tetrax) ou a abetarda (Otis tarda), também em declínio gravíssimo, e, como elas, faz os seus ninhos maioritariamente nas searas. Por isso, tal como elas, está a ser afectada pelas mudanças profundas que a paisagem agrícola do país sofreu nos últimos anos, sobretudo no Sul, com a troca dos vastos campos de trigo ou centeio, pela produção intensiva de culturas como o olival, a produção de gado (sobretudo vacas) e de feno para o alimentar.
Carlos Pacheco diz que estas aves são apanhadas numa “dupla armadilha ecológica”. “Elas fazem os ninhos nos campos de feno, que é cortado em verde, em Abril e até início de Maio. As aves chegam no início de Abril, começam a instalar-se, fazem o ninho e é tudo ceifado. Como perdem esta primeira postura, vão procurar um local alternativo, nas searas que ainda houver, mas entram ali tarde e acabam por ter o mesmo problema”, diz. Para os cientistas, não há dúvidas de que esta é uma das principais razões para o declínio destas espécies […]