A prudência manda evitá-las, mas há palavras que aparecem sempre que se fala do mundo rural português desta década. São palavras à primeira vista exageradas, como tragédia, drama, trauma. José Eduardo Gonçalves não foge a nenhuma delas. “Os incêndios de 2017 foram o maior trauma do mundo rural. Aquilo marcou toda a gente, mas a nós, que amamos a terra, marcou-nos por dentro.” José não estava por perto, não perdeu ninguém. Mas voltou a lembrar-se de como a vida que leva é “imprevisível”. Produtor pecuário da região de Elvas, o seu trauma é o vazio. Num Alentejo seco, “a pecuária tem vivido um drama muito grande”, o maior dos quais é dar de comer e de beber aos animais. “Armazenar água está cada vez mais difícil: as nascentes, as barragens, está tudo em baixo. E às vezes há água, mas sem qualidade para dar ao gado. Temos de mandar vir tratores e reboques de muito longe.” José Eduardo Gonçalves faz parte da Associação dos Criadores de Bovinos de Raça Alentejana, é presidente da Assembleia Geral, e ouve essas histórias todos os dias. “Uma vaca bebe 100 litros de água por dia. Se eu tiver 200 vacas, são 20 mil litros todos os dias”, multiplica. No Alentejo das grandes propriedades, o número médio de animais por exploração não anda longe disso. “Se não chove, não há água, se não há água, não há verde, se não há verde, não há comida. Temos de comprar mais palha, mais feno, gastar mais dinheiro.” Parecem só queixas, mas não são, porque esta “é a melhor profissão do mundo”. “A nossa missão é alimentar as pessoas, não há nada mais bonito”, aponta o produtor. “Ainda há muita gente com fome e isso preocupa-nos.”
Ilka & Franz
São as histórias repetidas, sobretudo no Centro e no Sul do país, que tornaram já injusto, além de errado, falar das alterações climáticas como um distante porvir. José Gonçalves diz que “não há sequer um agricultor que não ache que elas existem”. Embora o mais inquietante não seja a sua chegada, se não o facto de todas as previsões estarem a pecar por defeito.
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