A Madeira está a desenvolver um sistema de detecção de incêndios florestais, pioneiro em Portugal, que assenta numa rede de robôs totalmente automatizados, que através de câmaras inteligentes localizam fogos através do calor e depois orientam os bombeiros no combate.
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O projecto-piloto, que começou a ser levado à prática há cerca de sete meses – e que tem cumprido todos os testes –, será constituído numa primeira fase por cinco robôs que vão cobrir perto de 50% da área florestal da ilha. A prioridade foi dada à costa sul da Madeira, a mais sensível a incêndios florestais.
“Os testes vão prolongar-se por um ou dois anos, no máximo, e até agora têm correspondido às expectativas”, diz ao PÚBLICO o director do Laboratório Regional de Engenharia Civil (LREC) da Madeira, José Pimenta de França, que está a liderar o projecto, explicando que este sistema diferencia-se do Ciclope, a rede de videovigilância que existe no continente, por ser completamente automatizada.
O Ciclope, compara Pimenta de França, é um sistema óptico. Consiste numa câmara que filma e depois essa imagem tem de ser analisada por uma pessoa, que interpreta o que está a ver. O sistema que está a ser desenvolvido na região autónoma é totalmente independente, e é composto por robôs com duas câmaras multiespectrais: uma óptica, com um alcance de 10 quilómetros, e outra termográfica (detecta calor) com um raio de acção de cinco quilómetros.
“Um único robô detecta e georreferencia automaticamente focos de incêndio com labaredas de dois metros quadrados a cinco quilómetros de distância”, adianta o director do LREC, acrescentando que a câmara óptica incorporada identifica plumas de fumo até dez quilómetros. “Com recurso a inteligência artificial, o algoritmo consegue distinguir o fumo de um incêndio de uma nuvem baixa ou mesmo de nevoeiro”, esclarece Pimenta de França, apontando também a vantagem do sistema projectar a evolução da frente de fogo, permitindo uma melhor resposta aos meios de combate no terreno. O sistema, explica, está ligado a 66 estações paramétricas que cruzam as condições atmosféricas locais com o histórico de intensidade e direcção de ventos de determinada zona.
Imaginemos o seguinte cenário. Num qualquer local remoto do maciço central da ilha da Madeira, um pequeno foco de incêndio, com pouco mais de dois metros quadrados (o tamanho da copa de uma árvore), desponta. A cinco quilómetros, uma câmara termográfica robótica, isolada na montanha, detecta o calor, identifica as coordenadas e envia um alerta para o quartel do Serviço Regional de Protecção Civil da Madeira (SRPCM), nos arredores do Funchal.
Ali, um técnico examina as imagens, analisa a informação disponibilizada e valida-a. Confirmado que o alerta recebido corresponde mesmo ao início de um incêndio florestal, são activados e enviados para o local os meios de combate, já georreferenciado pelo sistema.
A caminho, antes mesmo da colocação de meios no terreno, o sistema de detecção de incêndios florestais vai enviando para o SRPCM informações em tempo real sobre a dimensão e direcção das chamas. Vai fornecendo também previsões em timelapse sobre a evolução das frentes de fogo, considerando para esses cálculos as condições atmosféricas do momento, a geografia do local e o tipo de combustível. Depois, analisa a rede viária, e aponta os acessos mais directos para o combate.
Na Madeira, dada a geografia acidentada, a direcção e velocidade do vento mudam radicalmente de uma zona para outra, mesmo que próximas. Para quem está a no terreno, é por isso complicado antever a evolução do incêndio, daí a importância do algoritmo que está a ser desenvolvido pelo LREC.
O sistema, sublinha Pimenta de França, está de acordo com o despacho do 3070/2018 de 19 de Março do Ministério da Administração Interna, que veio determinar os requisitos a cumprir nos sistemas de videovigilância para a protecção florestal e detecção de incêndios.
Um investimento, contabilizou este mês o presidente do governo madeirense, Miguel Albuquerque, que ronda os 700 mil euros, co-financiados por Bruxelas através do POSEUR, e que pretende complementar o patrulhamento de vigilância que é feito nas serras da ilha, durante os períodos mais críticos.
Todos os equipamentos, explica Pimenta de França, foram adquiridos no mercado. O trabalho do LREC tem sido ao nível da programação e criação do software, tendo em conta as especificidades geográficas, climatéricas e florestais da ilha.
Até 2011, o trabalho do LREC esteve direccionado para o apoio às obras de construção que rasgaram estradas e abriram túneis na ilha. Depois dessa data, e com o arrefecimento das obras públicas, o laboratório passou a dedicar-se a projectos relacionados com a prevenção de catástrofes naturais. Primeiro debruçou-se sobre aluviões, agora sobre incêndios florestais.