Após o fecho das comportas da barragem de Alqueva em 2001, e o lançamento das obras para os primeiros blocos de rega do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA), algumas preocupações começaram a ser sentidas pelos agricultores da região, nomeadamente de como é que se iria obter financiamento necessário para transformar as propriedades de sequeiro em regadio?, quais seriam as culturas mais rentáveis para pagar os investimentos?. Ao mesmo tempo que os agricultores se debatiam com estas dúvidas e com uma constante descida da rentabilidade da agricultura de sequeiro, começou a procura por parte de estrangeiros, nomeadamente Espanhóis, por propriedades na área do EFMA. Rapidamente muitas propriedades começaram a ser vendidas não só pelas razões que referi atrás, mas também porque a agricultura estava descapitalizada e endividada depois das ocupações da reforma agrária, a integração na comunidade europeia as reformas da PAC, e uma sucessão de maus anos agrícolas na década de 90 do século passado.
A percepção pelo sector financeiro de que a terra é a base de toda a cadeia alimentar- “ sem terra não há alimentos” e se à terra juntarmos o recurso natural água, temos o binómio que já é e será cada vez mais importante para o desenvolvimento sustentável da nossa civilização.
Quando falamos em especulação financeira na agricultura pensamos no que aconteceu em 2008 e 2009 com a bolha especulativa sobre os preços das matérias primas agrícolas (nomeadamente os cereais) que derivou numa crise alimentar global com maiores repercussões nos países pobres, mas que aumentou os rendimentos das explorações agrícolas de cereais pois estes tiveram valorizações de mais de 80 por cento.
Pode dizer-se hoje que a ligação do sector financeiro à agricultura é mais profundo e chega às raízes da cadeia alimentar.
A financeirização pode revestir-se de várias formas, tal como sejam os private equity, os hedje funds, fundos de pensões, fundos soberanos, a banca comercial, os fundos privados. Todas estas formas de capital há muito que escolheram o capital terra como um porto seguro para os seus investimentos e remunerar o capital dos seus acionistas. A intervenção destas formas de capital em Alqueva está a levar a uma concentração de grandes áreas de terra , dominadas por empresas que estão a verticalizar todo o processo produtivo. Esta tendência em Alqueva tem levado a uma onda especulativa dos preços da terra quer para venda, quer para arrendamento. Não existindo dados oficiais posso dizer, pelo meu conhecimento da região, que mais de 60% das terras dentro do EFMA mudou de mãos desde 2001.
As culturas permanentes foram determinantes e muito importantes para ocupação de grandes áreas agrícolas infraestruturadas com a água de Alqueva, que devido à sua orografia, configuração geométrica e qualidade dos solos, não teria sido possível ocupar com culturas anuais regadas. O risco associado às culturas permanentes é, em primeiro lugar, o facto de permanecerem durante muitos anos (20 a 25 anos na terra), o que numa análise de risco faz com que tenhamos que considerar os riscos de mercado, os riscos fitossanitários, os riscos climáticos, os riscos tecnológicos e laborais. Qualquer região agrícola torna-se mais vulnerável quanto menor a diversificação e complementaridade das suas culturas. Alqueva é uma enorme região de regadio à escala de um país pequeno como Portugal, e uma pequena região regada à escala global. Por isso o EFMA deveria ter tido um plano estratégico de desenvolvimento e de ordenamento do regadio com uma visão global, mas um enquadramento nacional.
Alqueva parece que foi mais uma exigência das empresas de obras públicas para se fazer mais uma obra com um custo de 2,5 mil milhões de euros, e um aproveitamento dos fundos europeus, do que uma exigência dos alentejanos na mudança e no acreditar que o desenvolvimento que o recurso natural água iria trazer ao Alentejo.
Hoje mesmo, aqueles que sempre acreditaram que o desenvolvimento do regadio deveria ser feito através da diversidade de culturas com cereais, vinha , olival, pecuária , horto-industriais, ou fruticultura, estão a ser completamente ultrapassados pelos grandes investidores financiados por um fenómeno de excesso de capital existente no mercado com taxa de juros de referencia do Banco Central Europeu próxima dos zero por cento. Isto faz com que o domínio no EFMA das culturas permanentes, com o olival em destaque com mais de 60 mil hectares, e o amendoal com mais de 10 mil hectares, vivam uma conjuntura de mercado, de produção, e de avanço tecnológico nunca antes registado. Esta tendência tem conduzindo a um aumento das áreas exploradas por grandes grupos agroindustriais, financiados por capitais da indústria financeira e que deixam pouco espaço para que as explorações agrícolas de raiz familiar, possam fazer a reconversão do sequeiro para o regadio, seja por problemas de sucessão, por falta de uma estratégia empresarial, pela descapitalização da lavoura… Todos estes factos fazem com que a industria financeira a apoiar os novos investidores agrícolas suplante a capacidade de financiamento dos agricultores da região, que aliada à lentidão dos processos e constante alteração das regras para aceder aos fundos do PDR 2020, com cada vez mais entraves burocráticos e com exigência de mais pareceres arqueológicos, pareceres camarários, pareceres da CCDR, etc, determina um cenário em que os poucos agricultores sobreviventes rapidamente decidam vender ou arrendar as sua terras a estes novos empreendedores agroindustriais. O caricato é que tudo isto é exigido depois das áreas infraestruturadas para regar tenham sido sujeitas a rigorosos estudos ambientais, geológicos, arqueológicos que custaram milhões de euros.
A verdade é que esta dinâmica do capital na agricultura em Portugal tem vindo a deixar, desde há muito e sempre com o apoio dos nossos governantes visionários e da banca, um rasto de falências e de crédito malparado que assume em alguns casos valores estratosféricos para aquilo que é a rentabilidade e a realidade da nossa agricultura.
Parece que existe um equivoco para os investidores sobre o valor do capital terra, e o rendimento do capital terra, não existe uma correlação directa entre o valor da terra e o rendimento da terra.
Hoje a volatilidade que existe nos mercados financeiros, nas commodities, ou no risco e falta de remuneração que representa ter liquidez na banca comercial faz com que a procura pela compra de propriedades agrícolas tenha vindo a registar uma cada vez maior procura e valorização. Isto é o que acontece no funcionamento normal de uma economia liberal. O problema acontece quando o capital que está a ser utilizado é obtido através de financiamento, em que a taxa juro de referencia é a do BCE, e que pelo o facto de estar tão baixa faz com que os investimentos sejam viáveis.Isto se as taxas de juro e a rentabilidade das produções não sofram grandes variações até a maturidade dos empréstimos.
A agricultura tal como qualquer outro negócio pode e deve fazer o seu plano de negócio, mas a agricultura lida mal com as tabelas de excel pois o facto de que toda a produção é feita a céu aberto ela está sujeita a todo o tipo de fenómenos meteorológicos os quais são cada vez mais frequentes e de maior intensidade. Para baralhar ainda mais as contas dos excels ainda existem outras variáveis que dificilmente algum algoritmo consegue quantificar tal como seja o comportamento dos mercados, o aparecimento de pragas e doenças, a PAC, os acordos de comércio internacionais, as politicas nacionais, a evolução tecnológica e cientifica. O negócio agrícola não é fácil nem comparável com outro qualquer, ainda bem que hoje a banca reconhece a agricultura como um negócio, que existem meios financeiros para o desenvolvimento do negócio, mas em agricultura os investimentos só podem ter sucesso no longo prazo seguindo uma estratégia de melhoria da eficiência do processo produtivo e o aperfeiçoamento técnico, com um compromisso e uma paixão pela agricultura.
Francisco Palma
Presidente da Associação de Agricultores do Baixo Alentejo