À semelhança de qualquer outro ser vivo, as plantas da família Orchidaceae estão sujeites a uma série de maleitas e pragas, potenciadas, ou não, pelas condições climatéricas, método de cultivo e acompanhamento por parte do entusiasta.
Cada vez mais despertos para a importância do património botânico que a Região possui, urge, em cada cultivador, a necessidade de perceber os preâmbulos e condições que levam aos problemas, divergindo de uma abordagem descuidada e potencialmente perigosa na aplicação de produtos fitofarmacêuticos desadequados, intervenções desnecessárias e possível perda total da planta.
De forma quase invariável, no contacto com a população, o problema que mais tem dizimado o género Paphiopedilum e Cymbidium na Região e, consequentemente, desanimado os seus cultivadores, prende-se com o que localmente se apelida de “doença castanha”, uma espécie de podridão, de início basal, que rapidamente se espalha para todas as partes da planta, apodrecendo raízes, pseudobolbos, quando existentes, e folhas. Na Ilha das Flores, relatos de entusiastas que perderam centenas de vasos de sapatinhos é, sem dúvida, uma inestimável perda para a própria Região e cujo assunto merece ser amplamente discutido.
No que à sintomatologia diz respeito, é difícil escolher um culpado. Uma possível conclusão de infeção por Erwinia sp. ou Pseudomonas sp. é possível, nefastas e comuns bactérias no setor da floricultura, mas para as quais, no que às orquídeas diz respeito, o tratamento é praticamente inexistente, pelo menos na forma de aplicação de um produto. É certo que a calda bordalesa oferece proteção anti-bacteriana, mas, além de ser essencialmente no espetro preventivo, várias orquídeas são altamente sensíveis ao cobre, podendo incorrer em riscos desmedidos.
Por outro lado, Colletotrichum, Phytium, Phytophtora, etc., são fungos que provocam danos semelhantes, mas que para os quais já existe tratamento, quando intervencionados a tempo.
Neste artigo, focar-nos-emos na sanidade do substrato e nos erros do replantio que potenciam estes problemas.
Enquanto ocidentais que vivem numa região abençoada para plantas e flores, a nossa sensibilidade jardinística advém, essencialmente, da transmissão de ideias e conhecimentos de família e amigos, por gerações, onde a ideia de uma planta poderá se resumir a: vaso, terra, regar, podar, adubar, etc., resultando numa pobre particularização com resultados nefastos para os nossos jardins e património. Resultado disso poderá ser medido, por exemplo, no infeliz rácio de clones antigos de Cymbidium infetados com o vírus do mosaico do Cymbidium (CyMV), para o qual também não existe tratamento.
A fim de entendermos a dinâmica que poderá aqui ocorrer, é importante seguir a seguinte narrativa.
É normal, por uma questão de hábito e tempo, que todas as nossas plantas sejam intervencionadas no mesmo dia, mesmo fim-de-semana, etc., sem nunca esterilizar o equipamento de corte entre plantas e, pior, com a ideia de que se pode reutilizar substrato de uma planta para outra, mesmo que a planta esteja doente, alegando que “a terra ainda está boa”.
As bactérias e fungos fazem parte natural da flora de um substrato e é essencialmente aí que residem. As boas e as más. Logo, e acrescendo ao facto de tendencialmente utilizarmos vasos desproporcionais, o volume de “terra que ainda está boa” faz com que a tentação para a sua reutilização seja maior, literalmente distribuindo o “mal pelas aldeias” em todas as outras plantas que tiverem uma porção dessa terra “infetada” no seu vaso. A isto juntamos o facto de, novamente, a nossa ideia de que temos de dividir todos os anos e fazer mais plantas, pezinhos, etc., leva, consequentemente, a uma série de divisões replantadas com cortes abertos no rizoma e raízes, entradas diretas para o agente patogénico que nós próprios distribuímos pelos novos vasos.
Sempre que nos depararmos com uma planta infetada com este tipo de “doença castanha”, devemos sempre analisar a proporção da planta afetada. Se a maior parte da orquídea estiver condicionada, com podridão dispersa por toda a planta, lamentavelmente, a atitude a tomar será a de eliminar toda a planta e substrato para um saco, fechá-lo e colocá-lo no lixo geral, nunca compostando, nunca deitando a terra na horta ou utilizá-la em outro tipo de plantas. Os vasos, lavados com lixívia ou outro desinfetante, podem ser reutilizados.
Se, por outro lado, a infeção for inicial e estiver focada num dos lados do vaso, o entusiasta deverá limpar e plastificar uma área aberta e arejada, longe de outras plantas. Com as mãos, sem utilizar facas ou outros instrumentos, gentilmente separar a parte boa da parte infetada que, individualizada, deverá prontamente ser descartada como descrito acima. Retirando todo o substrato preso e raízes podres, com leves puxões, o cultivador deverá ter, nesta fase, uma porção com raízes viáveis e aparência maioritariamente saudável. Aqui, o mais importante é que rebento mais novo esteja totalmente são. Recuando até ao rebento ou pseudobolbo mais antigo, traseiro ou mais perto da parte que descartámos, passamos a verificar se está mole, aguado ou castanho. Se tudo estiver firme, com cor e cheiro saudável, colocamos de lado. Logo voltaremos a essa fase.
Na ocorrência de nos depararmos com podridão, aqui sim recorremos a uma tesoura de poda. Esterilizando imperiosamente entre cada corte feito, vamos eliminando, da parte traseira para a frente, um a um, todo e qualquer rebento ou pseudobolbo doente até que encontremos tecido saudável. É indispensável que se faça a sanitização entre cortes, ocorrendo no risco de infetar, com a seiva doente do corte anterior, tecido que estaria já saudável.
Finalmente, com uma porção limpa e sem podridão, os cortes feitos poderão ser selados a canela em pó ou deixados a secar, num sítio arejado e à sombra, de um dia para o outro.
Nesta fase, é importante que o entusiasta adquira substrato adequado, de boa qualidade e vasos adequados ao tamanho, no diâmetro e profundidade, para as plantas que arranjou. Isto é verdade não só pelas necessidades específicas de algumas plantas, mas também para que, caso o tratamento se mostre infrutífero, a quantidade de substrato, mais caro e melhor, a eliminar, seja menor.
Replantada, garantindo que pouco mais do que as raízes estão debaixo do substrato e que a planta está imóvel e segura, a rega deverá ser feita apenas no dia seguinte, ajudando na certeza de que todo e qualquer corte estará devidamente cicatrizado. A aplicação de aminoácidos nesta fase poderá ser benéfica, numa aplicação única, optando por não adubar, para já, estes espécimes intervencionados.
Como dica, resta acrescentar que não devemos misturar plantas cuja saúde é clara e sem dúvidas com plantas que não temos a certeza, diminuindo o risco de contágio. Além disso, plantas que têm “só raíz” são plantas saudáveis. As plantas precisam de nutrientes e água, elementos que podem ser oferecidos sem ter que partir o vaso, incorrendo em riscos. O replantio direto para uma floreira ligeiramente maior poderá ser mais do que suficiente, oferecendo, sempre, substrato de excelente qualidade. Naturalmente, qualquer raíz podre ou erva daninha poderá ser retirada cuidadosamente.
As orquídeas, no geral, têm desenvolvimento lento e a paciência é a maior virtude que um orquidófilo pode possuir. Pouco a pouco, é possível recuperar plantas afetadas e restituir o seu esplendor. Os nossos jardins e quintais são fontes inenarráveis de inspiração e beleza e, mais interessados do que nunca, madeirenses e portossantenses têm conhecimento, instrumentos e vontade para preservar e potenciar a inestimável riqueza botânica e cultural que nos distingue
Artigo publicado originalmente em DICAs.