Nunca ansiámos tanto por uma passagem de ano. Não há hora de vermos 2020 pelas costas. No meio de tantas más notícias, o vinho português fecha 2020, pelo menos, com duas boas notícias: a primeira é de que a vindima foi de excelente qualidade e de quantidade moderada.
Vamos para 2021 com excelentes vinhos e sem que haja um lago de vinho em stock. Também a exportação se comportou muito bem para o cenário esperado. Fecharemos o ano longe das expectativas (o setor do vinho acalenta o sonho de poder anunciar mil milhões de euros de exportações) mas com um aumento nas exportações de 2% ou 3%. Desnecessário é recordar o que foi o mercado nacional. O fecho da restauração e a proibição de venda de álcool após as 20 horas ditaram as regras: há uma perda significativa de vendas e uma baixa de preço médio. Cresceram os supermercados e cresceu o online, sim, mas sem compensar o que os restaurantes, o nosso braço armado de valorização, perdeu.
Em momento de preparar o ano novo deixo aqui alguns apontamentos:
• Vem a caminho um segundo pacote de medidas de apoio específicas para o vinho. Importa que estas se vocacionem mais para apoiar quem perdeu vendas. As empresas têm resultados muito díspares e as medidas de apoio têm de procurar identificar quem está a sofrer mais – tipicamente, pequenos produtores engarrafadores dependentes do mercado nacional;
• Chamar jovens para a agricultura depende sobretudo de esta ser rentável e menos dos apoios que o Estado dá aos jovens. Esta busca de rentabilidade significa, por exemplo, aumentar as áreas médias de vinha apoiadas no âmbito do programa Vitis que é, aliás, um programa de funcionamento exemplar; ainda na vinha, há que garantir que os direitos de plantação são efetivamente convertidos em novas vinhas;
• Temos de usar mais eficazmente os fundos comunitários. Não podemos ter linhas de engarrafamento subaproveitadas, às dezenas, ou rotas dos vinhos em cada concelho. A boa intenção das políticas públicas ao oferecer percentagens de financiamento a fundo perdido muito elevadas, não raro incentiva projetos que verdadeiramente não são sustentáveis no futuro;
• Temos de sair da crise e a comunicar e promover os nossos vinhos em todo o Mundo. As marcas, as Regiões Demarcadas e a Viniportugal têm de ter acesso aos fundos do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) e do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), totalmente financiados pelos produtores e aos quais os sucessivos ministros das Finanças vão ilegitimamente cativar verbas;
• Num clima económico mundial difícil, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Comissão Europeia têm de estar atentos às tentativas de protecionismo comercial que surgirão, sem dúvida alguma. Portugal é um país pequeno e a abertura dos mercados é estratégica para a nossa economia;
• A sustentabilidade ambiental é uma preocupação crescente dos clientes e um eixo estratégico da política agrícola comum. Portugal tem de construir e afirmar mundialmente a sustentabilidade ambiental dos nossos vinhos, inteligentemente articulada com a sustentabilidade social e económica. No Vinho Verde vamos lançar dentro de dias um plano de sustentabilidade ambicioso. O setor tem de se unir e encontrar uma resposta simples e credível para esta necessidade.
Dito isto, uma palavra de ânimo. Vamos para o ano novo com uma colheita fabulosa em casa. As universidades nunca formaram profissionais tão bons. O vinho português é unanimemente considerado como um setor com uma organização ímpar. Saibamos trabalhar em equipa e com garra e os mercados farão justiça aos vinhos portugueses.
*Presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes
O artigo foi publicado originalmente em JN.
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