[Fonte: CNA]
Há 21 anos, a 17 de Abril, em El Dorado dos Carajás, Brasil, o latifúndio e o agronegócio assassinaram 19 camponeses. Desde então, a Via Campesina Internacional, que a CNA integra, declarou este dia como o Dia Internacional da Luta Camponesa.
Não só a violência física e o assassinato, mas também a expropriação forçada, a asfixia económica continuam a abater-se sobre a Agricultura Familiar de todo o mundo, Europa incluída, como também o planeta se confronta com o esgotamento dos recursos naturais e da biodiversidade, assim como o clima sofre profundas alterações, todos imolados no altar do lucro do grande capital.
Com a concentração acelerada das multinacionais da indústria a montante da produção (agro químicos e sementes), da indústria de transformação da produção agrícola, pecuária e florestal, de gigantescas empresas que em muitos países se apropriam da terra camponesa e produzem o que lhes dá mais lucro, com as transnacionais da distribuição que invadem os mercados com produtos que atravessam o mundo, um pequeno punhado destes conglomerados têm hoje o poder de determinar o que se produz, como se produz e o que as populações podem comer. Em suma, apropriam-se da biodiversidade e dos recursos naturais, dominam a vida de milhões e milhões de seres humanos.
A Agricultura Familiar é explorada pelo grande agronegócio e os consumidores, as populações, também são explorados quando são obrigados a comprar na grande distribuição: por cada 100€ que se pagam de alimentos na grande superfície, o produtor apenas tem 5 € para viver com a sua família.
Com o crescente poder das multinacionais do agronegócio, a Agricultura Familiar que alimenta 70% da população mundial, só já detém 30% das terras aráveis e vive à beira da miséria. A fome afecta em primeiro lugar os camponeses.
A terra e a agricultura deixam de ter a sua função social, que é alimentar os povos.
Por tudo isto, a Via Campesina lançou uma Campanha pela Declaração dos Direitos das Camponesas e dos Camponeses. Com um número cada vez maior de pessoas e instituições a reconhecerem o papel predador da agricultura capitalista, industrializada, extensiva e mono cultural, seja para a alimentação, seja para a sustentabilidade do planeta, o Conselho dos Direitos Humanos da ONU, de que Portugal faz parte, tem vindo a trabalhar um projecto de Declaração dos Direitos dos Camponeses e outras Pessoas que Trabalham nas Zonas Rurais.
Ao assinalar o 17 de Abril de 2017, a Via Campesina lançou um apelo geral para a sensibilização das populações e das instituições para unirem forças para que esta Declaração venha a ser rapidamente aprovada pela ONU, lançando para o efeito uma Petição Mundial, que pode ser assinada em https://peasantsrights.eu/pt_index.html.
Em Portugal, a CNA, ao associar-se a esta iniciativa, apela à subscrição da Petição e apela à população e a todas as entidades conscientes desta dramática situação para que reclamem junto das instituições e do Governo para que seja uma voz activa e que contribua decisivamente para a aprovação desta Declaração pela ONU e, na especificidade do nosso país, reclama a consagração jurídica do Estatuto da Agricultura Familiar Portuguesa.
A CNA, atendendo à progressiva discriminação e asfixia da Agricultura Familiar pela PAC e por muitas das políticas nacionais e à degradação e empobrecimento de muitas regiões do nosso país, aprovou no seu último Congresso a Proposta de Estatuto da Agricultura Familiar Portuguesa.
De facto, o resultado de trinta anos de sujeição às imposições e opções da PAC em privilegiar o grande agronegócio multinacional, a postura submissa de sucessivos governos e as políticas nacionais que desenvolveram de apoio aos grandes proprietários, mesmo sem produzirem, e a opção da exportação, em prejuízo do consumo interno, levaram à extinção de mais de metade das explorações agrícolas, no essencial as pequenas e médias e à manutenção do deficit alimentar em níveis que atentam contra a nossa soberania alimentar. Urge rasgar com as políticas seguidas nas últimas décadas e encetar políticas nacionais – agrícolas, pecuárias e florestais – assentes no nosso valioso património e na grande massa que é a Agricultura Familiar, reconhecendo e valorizando a sua importância e necessidade para o desenvolvimento do país.
Queremos que à Agricultura Familiar seja reconhecido o seu papel insubstituível numa alimentação de proximidade e de qualidade para a população e o seu indispensável papel na sustentabilidade dos territórios, no combate à desertificação, na defesa da biodiversidade e dos recursos naturais, das tradições e cultura popular, na dinamização duma economia social centrada no bem-estar das populações.
Queremos que à Agricultura Familiar sejam criadas condições para ter uma vida digna, pela justa remuneração do seu trabalho produtivo.
Queremos que seja criada uma Lei que, ao caracterizar a Agricultura Familiar, reconheça o seu papel económico, social e ambiental, lhe assegure os meios e os mecanismos necessários à sua sustentabilidade, para bem das regiões e da soberania alimentar de Portugal.
Com esta finalidade, a CNA promove em 23 e 24 de Junho próximo, a Conferência Nacional: Estatuto da Agricultura Familiar Portuguesa, que ocorrerá em Coimbra, nos Auditórios da Escola Superior Agrária de Coimbra.
Esta Conferência, para a qual estão convidados o senhor Primeiro Ministro e o senhor Ministro da Agricultura, das Florestas e do Desenvolvimento Rural e os Grupos Parlamentares, contará a participação de representantes da Agricultura Familiar, dirigentes do Associativismo Agrícola, convidados de entidades amigas da CNA. Com estes e com a participação de académicos e especialistas das diversas áreas relacionadas com a Agricultura Familiar, designadamente na área da fiscalidade, da economia, da saúde pública, da segurança social, da cultura, da biologia, na climatologia, na sustentabilidade dos territórios, do abastecimento público.
Com esta Conferência, a CNA pretende enriquecer a Proposta do Estatuto da Agricultura Familiar Portuguesa aprovada no seu 7º Congresso (estatuto agricultura familiar), a maior iniciativa realizada em Portugal, no âmbito do Ano Internacional da Agricultura Familiar, declarado pela ONU.
Com esta Conferência queremos unir forças e sensibilidades que levem à consagração legislativa do reconhecimento da importância e da necessidade de defender e de promover uma Agricultura Familiar dinâmica, que reconheça o direito à terra que trabalha, o direito a produzir e a contribuir para uma alimentação de qualidade e para alcançarmos a nossa soberania alimentar.
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