A Ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho salienta em entrevista à revista ‘Jovens Agricultores’, da AJAP‘, “o papel fundamental que o setor agrícola desempenha na mitigação dos efeitos das alterações climáticas e da proteção da natureza e biodiversidade”. Sobre a Água, refere que “não podemos nunca esquecer-nos” que este recurso, utilizado na Agricultura, “também serve as pessoas. É essencial para a produção de bens que irão garantir a segurança alimentar”. Sobre as renováveis, Graça Carvalho anuncia ainda um projeto específico para o agrofotovoltaico, que será público em breve.
O clima é um problema global. As alterações climáticas trazem desafios, não só ao setor energético como também à Agricultura, sendo que os recursos são limitados. Qual o papel que o setor agrícola tem em termos de adaptação e como analisa a forma como isso está a acontecer?
A Agricultura tem um papel fundamental a desempenhar na luta contra as alterações climáticas. Há um esforço de adaptação, que é exigido de forma transversal a todos os setores de atividade, e ao qual o setor agrícola também não pode ser alheio. Um esforço que passa, desde logo, pela gestão das disponibilidades hídricas. E que consiste essencialmente num uso racional deste recurso.
Como olha para a forma como a Agricultura tem conseguido mitigar os efeitos das alterações climáticas algo que, para os agricultores, tem sido igualmente desafiante?
Ao mesmo tempo, é essencial reconhecer o papel fundamental que o setor agrícola desempenha ao nível da mitigação dos efeitos das alterações climáticas e até da proteção da natureza e biodiversidade. Em Portugal temos ecossistemas agroflorestais de grande valor, e setores que dão um importante contributo para o combate às alterações climáticas, porque as suas culturas funcionam como sumidouros de carbono. E esses contributos devem ser reconhecidos e valorizados.
Falando da Água. O Governo anterior, do qual fez parte, lançou a Estratégia ‘Água que Une’, com vista à resiliência hídrica do País e que agrega múltiplos setores, com foco na segurança do abastecimento, na eficiência e gestão. Uma medida muito aplaudida pelos agricultores. De que forma vai esta Estratégia ser útil ao setor?
Em Portugal existia uma tendência, no debate público sobre a água, para olhar para esta questão por setores (o Urbano, o Agrícola e o Turístico), quase fomentando um confronto entre estes. Quem gasta mais, quem paga mais e menos, a quem se deve tirar e dar mais. Nós não olhamos para o tema da água desta forma. É evidente que, em cenários de escassez, a prioridade deve ser sempre o setor urbano, a água que chega às pessoas e aos serviços. Mas não podemos nunca esquecer-nos de que a água que é utilizada na agricultura também serve as pessoas. É um recurso essencial para a produção de bens que irão garantir a segurança alimentar das pessoas. O que importa é fazer uma gestão equilibrada deste recurso, de forma que não falte a nenhum setor. No caso concreto do setor agrícola, julgo que são claros os benefícios das medidas contempladas na Estratégia Nacional ‘Água que Une’.
Há novas fontes de recursos financeiros para fazer face aos investimentos previstos na ‘Água que Une’? Quais?
A Estratégia Nacional ‘Água que Une’ contempla investimentos de cerca de cinco mil milhões de euros até 2030. Destes, cerca de dois mil milhões estão disponíveis através de programas tais como o Sustentável 2030, o PRR, o Fundo Ambiental e verbas da PAC. E o restante será obtido através de vias de financiamento como o Banco Europeu de Investimento.
No caso da eficiência dos empreendimentos hidroagrícolas, em que medida podem ser mais bem aproveitados e de que forma as novas barragens previstas podem também ajudar, tendo em conta que alguns projetos vão demorar muitos anos a serem construídos?
Temos um calendário exigente para a conclusão dos projetos, e é nossa intenção cumpri-lo na íntegra. É verdade que alguns projetos levarão mais tempo do que outros a executar, em função da sua dimensão e complexidade. Mas parece-me mais importante sublinhar o facto de estarmos a avançar, em muitos casos, com projetos que estavam há décadas na gaveta. A Barragem de Alportel, muito desejada pelos regantes do Sotavento Algarvio, está prevista há cem anos, desde a Primeira República. Agora vai finalmente avançar.
“As ‘autoestradas da Água’ não são um tema na agenda do Governo”
A eventual construção das ‘autoestradas da água’, de que tanto se fala, serão no futuro uma realidade ou correm o risco de não sair do papel, tendo em conta que a sua instalação implica custos elevados e podem colocar o preço da água em valores proibitivos?
As chamadas ‘autoestradas da água’ não são um tema na agenda do Governo, nem constam da lista de prioridades da Estratégia ‘Água que Une’. O que estamos a fazer, nos casos em que tal se justifica, é promover algumas ligações para dar maior resiliência ao sistema, por exemplo entre o Sotavento e o Barlavento algarvios.
A Estratégia ‘Água que Une’ pode aportar mais-valias em que medida nos vários setores (incluindo a Agricultura), sustentabilidade e coesão territorial?
Seguramente. É essa a intenção: fazer uma gestão deste recurso que sirva os melhores interesses de todos os setores e de todas as regiões do País, de uma forma coesa e solidária.
Disse, em abril de 2024, num debate com alunos da Universidade Europeia, que “a Agricultura pode ter um menor impacto no ambiente se utilizar todo o conhecimento científico disponível”. Já passou mais de um ano. Considera que o setor tem aproveitado esse conhecimento (académico e técnico) para transformar energeticamente a realidade agrícola do País? Além disso, o que falta?
Em Portugal, existe ainda margem para melhorar a transferência de conhecimento para o setor agrícola. Dito isto, é também graças a uma nova geração de Jovens Agricultores, altamente qualificados, que registamos uma tendência para fazer uso do melhor conhecimento e das tecnologias mais inovadoras. Por
exemplo, na região do Baixo Alentejo, que conheço melhor, existem alguns projetos verdadeiramente inovadores. A esse nível, a AJAP tem feito um trabalho muito importante, e estou certa de que o continuará a fazer.
Concorda com a opinião do Ministro da Agricultura e Mar, José Manuel Fernandes, quando há uns meses falava numa espécie de ‘radicalismo ambiental’ de que os agricultores foram e continuam a ser vítimas?
Compreendo a afirmação do meu colega, o senhor Ministro da Agricultura e Mar. Creio que se referia a uma certa corrente de opinião, mais urbana, que não compreende muito bem o meio rural e as suas dinâmicas. Mas não vejo que, de forma generalizada, tanto na população portuguesa como no conjunto das organizações de defesa do ambiente, exista uma hostilidade de princípio para com os agricultores. Todos compreendem a importância do setor agrícola para o País.
De que forma é possível combinar Agricultura e Ambiente, cumprindo as regras de Bruxelas para alcançar o caminho tão desejado da descarbonização que temos pela frente?
Eu vejo Portugal comparativamente em vantagem face a outros países europeus no que respeita ao cumprimento destas regras porque a nossa Agricultura continua, na maior parte dos casos, a assentar em métodos tradicionais, ancestrais, que obviamente têm vindo a ser melhorados recorrendo ao conhecimento e à tecnologia. Portanto, respondendo diretamente à sua pergunta, a aposta na valorização do produto local, da qualidade sobre a quantidade, é a meu ver a chave para conciliar sustentabilidade e rentabilidade no setor agrícola nacional.
Agricultura de mãos dadas com as renováveis
No que respeita às renováveis na Agricultura, como olha para a transição energética no setor em Portugal e como antevê a integração das energias limpas pelos agricultores no futuro? Que políticas defende o Governo nesta matéria no que concerne também aos apoios?
Creio que a Agricultura tem muito a ganhar com a integração cada vez maior das energias renováveis nas suas atividades. E existem condições para o fazer, nomeadamente através de pequenos projetos de autoconsumo e comunidades de energias renováveis, nos quais apostamos muito. Ser um pequeno produtor de energia permite não apenas fazer uma poupança importante, mas também desenvolver uma solução mais bem adaptada às próprias necessidades. Atualmente, temos em desenvolvimento, em articulação com o Ministério da Agricultura e do Mar, um projeto específico para o agrofotovoltaico, que será em breve tornado público. É importante referir também os gases renováveis, nomeadamente o biometano, cuja produção pode resultar em ganhos adicionais para as atividades pecuárias.
O licenciamento ambiental e os processos de agilização neste segmento são hoje mais céleres ou a burocracia ainda é um ‘Calcanhar de Aquiles’?
Temos uma nova entidade, a Estrutura de Missão para as Energias Renováveis (EMER), que surgiu precisamente com o objetivo de simplificar, agilizar e tornar mais transparentes os processos de licenciamento. É um facto que, em Portugal, apesar da evolução muito positiva que tivemos nas energias renováveis, a burocracia tem sido um obstáculo. Não tanto pelo aspeto regulamentar, mas sobretudo pela dispersão de entidades e de etapas envolvidas nos processos de licenciamento. Com a EMER, queremos que as pessoas tenham um único interlocutor, que irá centralizar todo o processo, lidando diretamente com as entidades que têm de ser envolvidas no mesmo.
O setor primário, agrícola e pecuário, está no centro de um dos mais importantes temas da transição energética, até pela maturidade tecnológica da produção de biometano. No Plano de Ação para o Biometano 2024-2040 quais são as expectativas para a Agricultura, em termos de incentivos e de coesão da fileira?
Como sabe, o Plano de Ação para o Biometano 2024-40 foi aprovado em março de 2024, sensivelmente dois meses antes da tomada de posse do anterior Governo da Aliança Democrática. E um dos eixos deste Plano é a promoção da economia circular através da valorização de resíduos agrícolas e agroalimentares para a produção de biometano. Em maio do ano passado, lançámos um leilão de 140 milhões de euros para incentivar a produção de gases renováveis, designadamente o hidrogénio e o biometano. Essencialmente, comprometemo-nos com a compra centralizada destes gases renováveis, num limite de 14 milhões de euros anuais, ao longo de uma década. Este é um incentivo importante, que atesta a elevada expetativa que temos. Por outro lado, como refere, trata-se aqui de implementar uma nova fileira, de elevado potencial, mas que essencialmente tem de ser construída de raiz. Continuaremos atentos à resposta e às preocupações dos produtores, tendo em vista o desenvolvimento das melhores soluções. Em fevereiro deste ano, implementámos, através de despacho aprovado em Conselho de Ministros, o Grupo de Acompanhamento e Coordenação do Plano de Ação para o Biometano 2024-2040 e estamos atentos ao trabalho que este
está a desenvolver.
Nesta edição temos como tema central a ‘Agricultura Biológica’. É um modelo de agricultura que, permite produzir com mais qualidade, e com menor impacto ambiental. Como avalia a oportunidade deste modo de produção agrícola que está também de mãos dadas com o Ambiente?
Como referi, o setor agrícola nacional está bem posicionado, por comparação com outros países europeus, para se destacar pelo recurso a métodos de produção mais saudáveis e mais sustentáveis. A procura de produtos de agricultura biológica tem crescido exponencialmente. Cada vez mais as pessoas estão preocupadas com a origem dos produtos e a forma como estes foram produzidos. Não apenas devido a preocupações ambientais, mas também porque reconhecem a melhor qualidade desses produtos, que aliás se nota quando chegam ao nosso prato. E os incentivos que existem, nomeadamente a nível europeu, permitem que estes produtos sejam cada vez mais competitivos também na questão do preço.
“Os nossos Jovens Agricultores são mais qualificados e especializados”
Como olha para o papel que os Jovens Agricultores podem ter no desempenho sustentável do setor e, em maior escala, do País? E sobre a AJAP, que há 42 anos trabalha em prol destes profissionais em Portugal, que importância considera que tem a Associação no panorama agrícola nacional?
Os nossos Jovens Agricultores são mais qualificados e especializados, e têm também um melhor conhecimento do mundo, das oportunidades e desafios que se colocam no presente e que surgirão no futuro. Estas caraterísticas, somadas com a experiência acumulada daqueles que se dedicam há muitas décadas a esta atividade e que, como se costuma dizer, já viram passar muitas estações, representam um importantíssimo ativo para este setor em Portugal. A AJAP tem vindo a desempenhar um papel de extraordinária importância, não apenas no sentido de melhor integrar estes jovens profissionais, ajudando a combater o fenómeno do envelhecimento deste setor, que é um problema sério, mas também incentivando a adoção de novas práticas assentes nos princípios da inovação e da sustentabilidade ambiental.
Por fim, que balanço faz do seu último mandato e que expectativas tem para este novo que iniciou resultante das eleições de 18 de maio? Quais vão ser as suas principais bandeiras políticas e setoriais?
O meu último mandato durou um ano. Não é muito tempo, mas estou satisfeita com o que foi possível fazer, em circunstâncias difíceis. Resolvemos muitos problemas urgentes. Criámos a Agência para o Clima. E aprovámos também um conjunto de documentos orientadores, entre os quais, a Estratégia Nacional ‘Água que Une’, mas também o Plano Nacional de Energia e Clima 2030 e o Plano de Ação TERRA, para os resíduos, que nos deram as condições para passarmos à prática a nossa visão. E esta é conhecida: queremos fazer dos desafios da sustentabilidade, do combate às alterações climáticas, uma oportunidade para produzir melhorias reais na vida das pessoas, para dar mais oportunidades às nossas empresas, nomeadamente no setor agrícola, e para fazer o País crescer. Se tivesse de resumir os meus objetivos em três palavras, estas seriam: “executar”, “executar” e “executar”.
Nota: entrevista publicada na edição n.º 143 da Revista Jovens Agricultores, da AJAP. A sua reprodução, na íntegra ou parcial, requer a autorização prévia da AJAP.
Fonte: AJAP