Numa altura em que o país se aproxima do final de um Verão que trouxe uma sequência inusitada e alarmante de ondas de calor e de incêndios, que levou a 267 mortos em excesso, a ZERO relembra que cada região e município deve assumir um papel central na definição e execução de estratégias regionais e locais de combate às alterações climáticas, nomeadamente através da elaboração dos chamados Planos Municipais de Ação Climática (PMAC) e dos Planos Regionais de Ação Climática (PRAC), respetivamente. No entendimento da ZERO, estes planos podem desempenhar um papel fundamental na prevenção e redução das consequências dos incêndios rurais e na mitigação dos efeitos das ondas de calor nas comunidades. Contudo, a realidade em Portugal revela um panorama preocupante de incumprimento e falta de rigor na elaboração e divulgação destes planos – os quais, segundo o artigo 14.º da Lei de Bases do Clima (Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro), já deviam ter sido todos apresentados até 1 de fevereiro de 2024, sendo que, até à data, menos de metade o foi.
O papel relevante dos Planos de Ação Climática na prevenção dos incêndios rurais e mitigação das suas consequências
A ausência de medidas regionais e locais concretas de mitigação e adaptação ao aquecimento do clima agrava a vulnerabilidade dos territórios e das populações face às cada vez mais frequentes ondas de incêndios e de calor. Apesar de os planos regionais e municipais de ação climática serem instrumentos de planeamento orientados para a redução das emissões e para a adaptação às alterações climáticas , e não serem planos setoriais de proteção civil, a ZERO entende que podem desempenhar um papel relevante na prevenção dos incêndios rurais e dos efeitos das ondas de calor ao alinharem-se com políticas de ordenamento do território, de uso do solo, da promoção da biodiversidade e de restauro da natureza.
Ao nível da prevenção estrutural, estes planos podem, por exemplo, orientar a ocupação do território de modo a evitar a expansão urbana em áreas mais vulneráveis ao fogo, promover a construção e reabilitação de edifícios adaptados a extremos climáticos mais violentos, promover uma gestão sustentável da floresta e do uso do solo e incentivar a criação de mosaicos agrícolas e florestais que funcionem como descontinuidades de combustível, promover planos de arborização, com espécies adaptadas às novas condições climáticas das nossas cidades, vilas e aldeias e que protegem pessoas e bens do calor intenso. Podem ainda apoiar a escolha de espécies florestais mais resistentes ao fogo e à seca, contribuindo para paisagens mais resilientes a longo prazo, bem como mapear os edifícios que abrigam populações em risco e que necessitam de intervenção urgente de adaptação ao calor extremo.
Na vertente da adaptação, os PRAC e os PMAC podem recorrer a mapas de risco climático local e regional, socorrendo-se de informação em muitos casos disponível e dispersa em múltiplos planos setoriais para identificar zonas críticas e antecipar medidas preventivas específicas. Esta informação é essencial para proteger populações e infraestruturas, prevendo zonas tampão, corredores de segurança ou mesmo planos de evacuação ajustados a cenários climáticos cada vez mais extremos. Também a gestão eficiente da água, quer para consumo humano quer para o combate a incêndios, pode ser promovida através destes instrumentos, reforçando a resiliência dos ecossistemas em períodos de seca.
Quanto à mitigação das consequências dos fogos e das ondas de calor, os planos podem reforçar a coordenação entre a proteção civil e os planos municipais de emergência, assegurando que as medidas de adaptação climática estão articuladas com a resposta operacional. A aposta em soluções baseadas na natureza, como a recuperação de linhas de água, as matas periurbanas de certo tipo de vegetação ou a criação de corredores ecológicos, oferece barreiras naturais ao fogo e benefícios adicionais para o ambiente. A monitorização e a utilização de sistemas de alerta precoce, suportados em dados climáticos regionais, são igualmente ferramentas fundamentais que estes planos podem valorizar.
Tanto os PRAC como os PMAC devem ter um papel de proximidade com as populações, promovendo campanhas de sensibilização sobre gestão de combustíveis, boas práticas agrícolas e uso responsável do fogo, envolvendo em primeira mão os cidadãos na ação climática local. No entender da ZERO, as Comissões de Coordenação Regional (CCDR) têm aqui uma responsabilidade acrescida, dado que dispõem de meios técnicos para a elaboração destes instrumentos, devendo além disso enquadrar e apoiar tecnicamente as autarquias e instituições locais na implementação de medidas de adaptação climática que reforcem a resiliência perante o fogo e as ondas de calor.
Por fim, o Estado central tem de assumir, com muito maior determinação, a responsabilidade de garantir às autarquias e serviços regionais os meios financeiros e o apoio técnico indispensáveis para que o planeamento climático saia do papel e se traduza em ação concreta. A ZERO entende que o Governo deve também responder afirmativamente ao apelo dos congéneres espanhóis para uma ação conjunta face à emergência climática que vivemos, exigindo que a União Europeia volte a colocar a ação climática no topo das suas prioridades.
A ação climática não pode esperar mais
A este propósito, a ZERO felicita a decisão histórica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ao dar, recentemente, provimento a uma ação interposta por um cidadão de Valença, condenando a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-Norte) pela omissão na elaboração do seu Plano Regional de Ação Climática (PRAC), em violação do prazo legal previsto na Lei de Bases do Clima.
Este precedente mostra que a justiça está atenta e recusa a inação, estando os tribunais disponíveis para atuar em defesa do clima. Mostra também o poder e importância da ação da sociedade civil, que ganhou novo protagonismo face à recente decisão do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), que decidiu reforçar significativamente o poder dos cidadãos ao estabelecer obrigações jurídicas mais claras para os Estados no âmbito da ação climática. Esta evolução legitima a ação cívica, consolida padrões legais e mecanismos de responsabilização, e dá às organizações cívicas e aos cidadãos em nome individual ferramentas mais robustas para exigir respostas eficazes por parte dos Estados
Neste novo contexto jurídico nacional e internacional, e com o aproximar das eleições autárquicas, a ZERO apela às CCDR e aos Municípios, para que cumpram com o estipulado na lei, assumindo o combate às alterações climáticas como uma prioridade transversal. A justiça já percebeu que a ausência de um planeamento eficaz da crise climática ao nível local compromete gravemente a segurança e a resiliência das comunidades locais, e coloca em risco não apenas o presente, como também o futuro das próximas gerações. A mudança de postura por parte dos tribunais coloca uma pressão acrescida sobre o governo, central e local, para que acelere de forma decisiva as suas ações e compromissos climáticos. A justiça está a cerrar fileiras, e a resposta política tem de estar à altura da gravidade do momento e acelerar o passo.
Fonte: ZERO