Nas últimas semanas, dividi a minha atenção entre os cuidados das vacas, a rega do milho e as notícias dos incêndios.
Com os fogos por longe, a rega foi o maior trabalho e não tenho memória de um ano intenso como 2025. A chuva de Março e Abril encharcou os campos e atrasou as sementeiras mas desde o início de maio praticamente não choveu mais. Por causa dessas chuvas de inverno e primavera os poços e rios ainda têm água para rega, mas foi também por causa dessa chuva que ervas e arbustos cresceram mais do que o costume por todo o lado e agora depois de três meses sem chuva e algumas semanas de tempo quente secaram como nunca. Por isso é que neste verão temos incêndios mais violentos. O ano passado tivemos chuva em maio e Junho, talvez alguma em julho e os maiores incêndios só aconteceram em Setembro.
Para agravar, como explicam cada vez mais especialistas na floresta, em Portugal, tal como Espanha, França e outros países que evoluíram como os nossos, estamos sentados em cima do “barril de pólvora” que é uma floresta com cada vez mais “combustíveis finos” para arder.
Antigamente (nos últimos 3000 anos) havia mais gente nas aldeias, na agricultura e na pastorícia. Os terrenos à volta das casas estavam todos cultivados e os rebanhos iam mais longe pastar e limpar a floresta, onde os agricultores iam cortar mato para as camas dos animais e o povo ia buscar lenha para cozinhar.
Tudo isso mudou nos últimos 60 anos, algumas vezes por decisões políticas a impor regras com boas intenções mas também com consequências negativas, outras vezes, a maior parte das vezes, porque as pessoas saíram da pobreza que tinham no campo à procura de uma vida melhor e agora eles e os filhos e netos só voltam durante alguns dias de férias e quem ficou no meio rural também trocou a lenha da bouça pelo fogão a gás ou elétrico e os poucos que ficaram na agricultura também trocaram o pastoreio por estábulos sem mato nas camas dos animais, que é a forma possível de trabalhar com máquinas e a pouca mão de obra disponível.
Depois dos terríveis incêndios de 2017, aumentou a “limpeza” da floresta, sobretudo junto a estradas e habitações, mas é tempo de avaliar se essa limpeza à base de roçadoras e capinadeiras não estará apenas a deixar cada vez mais palha e lenha (o combustível) cortados no chão à espera dos incêndios. Parece-me que têm razão aqueles que dizem que é preciso trocar a capinadeira pela grade de discos, onde for possível, para que a erva se misture com a terra e a matéria orgânica comece a decompor-se. E fazer muito mais fogo controlado no inverno e primavera, quando houver menor risco.
Talvez seja possível colocar mais ovelhas, cabras e vacas nos montes. Não será fácil. Já é difícil encontrar gente para trabalhar abrigado num estábulo, numa estufa ou dentro de um trator com ar condicionado, quanto mais para ser pastor. É verdade que esses ruminantes vão arrotar algum carbono sob a forma de metano, mas esse carbono foi captado pelas plantas e é menos mau ser arrotado pelos ruminantes do que ser libertado violentamente pelos incêndios.
Sobre agricultura e acesso à água para regadio, é preciso descomplicar para deixar os agricultores trabalhar.
O mais importante é não esquecer o assunto com as primeiras chuvas e só voltar às discussões quando voltarem os próximos incêndios.
E por agora, é preciso ajudar quem foi afetado, nomeadamente quem ficou sem comida para os animais até que as pastagens voltem a crescer. Não tenho muito feno disponível, mas ainda tenho livros de crónicas agrícolas para vender por 13€ e o resultado, descontando o custo de envio, será para comprar feno e rações para a campanha que está a ser promovida pela Ordem dos Médicos Veterinários, agora para Meda e Trancoso. Quem tiver interessado em ajudar envie mensagem para carlosneves74@sapo.pt.
O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.