As políticas agrícolas em Portugal falham. E não por falta de dinheiro, de regulamentos ou de programas de apoio. Falham porque, em boa medida, não têm raízes no terreno que pretendem transformar. Falham porque, mais do que política, temos gestão de fundos; mais do que estratégia, temos medidas avulsas; mais do que visão, temos remendos. A agricultura portuguesa continua refém de uma estrutura de políticas públicas que a olha de cima para baixo, com uma distância perigosa entre o legislador e o agricultor, entre o gabinete e o campo.
Desde há décadas que a aplicação da Política Agrícola Comum (PAC) em Portugal segue uma lógica de transposição burocrática, pouco adaptada às especificidades do território. A agricultura no Alentejo não é a mesma do Minho, e a do interior desertificado não enfrenta os mesmos desafios do litoral intensivo. No entanto, os instrumentos são muitas vezes uniformes e cegos à diversidade.
A execução dos fundos comunitários é outro sintoma de uma política desconectada. A complexidade dos processos, a lentidão dos pagamentos e a incerteza na análise dos projetos desmotivam quem mais precisa de apoio. A burocracia transforma-se num obstáculo, e não num garante de rigor. Quem tem menos recursos e conhecimentos técnicos vê-se excluído de facto. Para muitos, a agricultura continua a ser mais feita por resiliência e paixão do que por incentivo e justiça.
Além disso, há uma ausência crónica de visão estratégica de longo prazo. A cada ciclo político, muda-se de plano, de prioridade ou de discurso, sem garantir continuidade, monitorização séria ou avaliação de impacto. Falta uma política de Estado para a agricultura, uma que transcenda os governos e que assuma a centralidade da produção alimentar, da gestão do território e da soberania alimentar.
Também o conhecimento técnico-científico continua subvalorizado. As escolas de ensino agrícola e os centros de investigação são frequentemente ignorados no desenho das políticas. A ligação entre conhecimento e prática está interrompida, o que dificulta a adoção de novas tecnologias, práticas mais sustentáveis ou decisões mais informadas.
Outro ponto crítico é a fragmentação do território e a ausência de políticas estruturais de acesso à terra. O minifúndio, o abandono e a dispersão de parcelas tornam difícil a modernização e a viabilidade económica de muitas explorações.
A fraca organização dos produtores, com cooperativas envelhecidas ou desacreditadas, enfraquece o poder negocial dos agricultores e impede uma presença mais forte nas cadeias de valor. A desarticulação entre produção, transformação e comercialização reduz a capacidade de escoar, certificar e valorizar os produtos locais. As fileiras não funcionam, os mercados são voláteis e os produtores continuam na base da pirâmide económica, sem margem de manobra.
Por fim, a agricultura continua invisível na política nacional. É rara a presença do tema nos grandes debates mediáticos ou nas agendas legislativas. E, no entanto, a agricultura está na base da alimentação, da paisagem, da economia circular e da coesão territorial. Sem ela, o interior morre, os solos degradam-se, e a dependência alimentar externa acentua-se.
A agricultura precisa de políticas que nasçam do território e que o respeitem. Precisa de uma abordagem integrada, justa e moderna, que articule ambiente, economia, conhecimento e comunidade. Chega de políticas feitas para cumprir metas de Bruxelas sem cumprir os sonhos dos agricultores. Portugal precisa de uma nova política agrícola.
Agricultor | Professor no IPVC