Décima segunda reunião do Comité Director Internacional (CDI)
da Década das Nações Unidas para a Agricultura Familiar 2019-2028 (UNDFF)
21 de maio de 2025, das 14:00 às 16:30, hora de Roma
Intervenção em nome da ECVC (Coordenação Europeia Via Campesina) – Alfredo Campos
Estimada Presidente, Embaixadora Ada Rivera, estimados membros do CDI e Secretariado conjunto da Década da Agricultura Familiar:
Em boa hora a Assembleia Geral da ONU decidiu promover a Década 2019 – 28 porque, ao reconhecer a importância da Agricultura Familiar, que produz mais de 80% dos alimentos, pelo seu carácter multidimensional, o seu contributo para o desenvolvimento das zonas rurais, a protecção da natureza e dos recursos, pela sua ligação à terra e o trabalho da família na exploração com o conhecimento tradicional e as soluções inovadoras, onde o passado e o futuro estão intimamente entrelaçados, a Década da Agricultura Familiar seria um importante contributo para o cumprimento dos ODS da Agenda 2030.
Mas, para perspectivar o futuro da Década, temos de analisar o passado e ter consciência das circunstâncias actuais.
Completamos em breve o sexto ano da Década e, apesar de todo o empenho que em conjunto temos tido, apesar de experiências positivas nalguns países e regiões, estamos perante a prática impossibilidade de, globalmente, cumprir os objectivos da Década e da Agenda 2030, em particular o ODS 2, “Fome Zero”.
O Relatório SOFI (O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo) de Julho de 2024, assim o revela, ao referir que 733 milhões de pessoas passaram fome em 2023 (mais 152 milhões que em 2019) podendo, nas actuais circunstâncias, cerca de 582 milhões pessoas poderão estar em subnutrição crónica em 2030.
No início da Década, a Agricultura Familiar foi massacrada pela Pandemia do COVID e, com excepção de alguns países, os governos não implementaram medidas adequadas à situação.
Os agricultores e os povos sofrem com guerras em diversas geografias, genocídios na Palestina ou no Sudão, os novos avanços no Acordo UE-MERCOSUL (livre para o grande agronegócio, mas de exploração da Agricultura Familiar e das populações consumidoras), guerra das tarifas alfandegárias, regresso de ideologias que pensávamos banidas, limitação da actividade, repressão e mesmo assassinato de camponeses e criminalização das suas organizações, como aconteceu há poucos dias com a CONTAG do Brasil, crescente captura dos sistemas agrícolas e alimentares pelas corporações do agronegócio mundial, açambarcamento de terras camponesas por grandes empresas agro-industriais, mas também para instalação de parques eólicos e voltaicos, para a mineração.
Na minha região, a União Europeia que financia projecto ditos de desenvolvimento noutros continentes, mas marginaliza a sua própria Agricultura Familiar, eliminou 5,3 milhões de explorações, na maioria as mais pequenas, entre 2005 e 2020. Dos 9 milhões restantes, 64% são da Agricultura Familiar, mas detêm apenas 6% da terra agrícola, enquanto, inversamente, os 4% de explorações acima de 100 ha detêm já 52% das terras. Dos mais de 13 milhões que trabalham no campo, 82% é trabalho familiar.
A PAC, as políticas da União Europeia e da generalidade dos Estados membro, cada vez mais numa escalada armamentista à custa de políticas sociais, não correspondem às nossas necessidades como produtores e como consumidores.
A Distribuição de Valor na Cadeia Alimentar na EU revela que, do valor final dos alimentos, cabem às explorações agrícolas apenas 22%, enquanto a indústria fica com 27% e a grande distribuição e serviços abocanha 51%. Por outras palavras, por cada 100 € que o consumidor paga, quem produz recebe apenas 22 €, dos quais cerca de 75% são custos de produção.
Assim, o agricultor tem para viver com a sua família somente 5,5 € dos 100 que o consumidor paga.
O rendimento do agricultor é cerca de metade de quem trabalha noutras actividades.
Entretanto, a FAO encerrou as suas Oficinas Nacionais nos países da União Europeia.
Se apesar deste quadro muitos dizem que os agricultores na União Europeia são privilegiados, qual será o grau de exploração da Agricultura Familiar noutros países?
Estamos condenados à degradação das condições de vida e do planeta?
Não!
Juntemos forças e mobilizemos vontades.
A FAO, com o CDI e o Secretariado Conjunto da Década, com a participação activa das Organizações Globais, necessitam de aprofundar a intervenção das Oficinas Regionais e Nacionais da FAO para, junto com as organizações camponesas, trabalhar com os Governos na efectiva implementação de políticas públicas e seu enquadramento financeiro, que correspondam às directivas do Plano de Acção Global e às reais e imediatas necessidades da Agricultura Familiar que, passando pelo cumprimento da UNDROP, se centram no direito à terra que trabalham, a preços socialmente justos e escoamento para a sua produção e à soberania alimentar dos povos.
Obrigado.
O artigo foi publicado originalmente em CNA.