As últimas semanas têm sido marcadas por protestos e manifestações de agricultores em diversos Estados-membros da União Europeia, a que não escapou Portugal. Há muito que não víamos tantos tratores na rua, bloqueando artérias, fronteiras, inclusive às portas do Parlamento Europeu, em Bruxelas.
E desta vez, a sensação com que ficamos é que não se trataram de manifestações promovidas por organizações do setor ou movimentos políticos, mas sim de agricultores mobilizados no âmbito de movimentos inorgânicos, convocados através de meios “tipo whatsapp”.
É certo que a origem principal dos protestos pode não ter sido exatamente a mesma nos diversos Estados-membros. Na Polónia e na Hungria, por exemplo, inicialmente os agricultores começaram por contestar as importações descontroladas de produtos agroalimentares ucranianos, que estavam a provocar a queda dos preços para os produtores locais. Na Alemanha, as primeiras manifestações ocorreram em reação à decisão do Governo de cortar nos subsídios ao gasóleo agrícola. E em Portugal, os primeiros protestos aconteceram com o anúncio de cortes de 35% e 25% nos montantes a pagar aos agricultores, ao abrigo dos regimes ecológicos de agricultura biológica e de proteção integrada.
Mas a verdade é que as manifestações dos agricultores rapidamente evoluíram para um caderno de encargos de matriz comum, em que a “valorização do setor” e o “rendimento justo” assumiram-se claramente como ideias- chave: defesa de uma Política Agrícola Comum mais justa, mais flexibilização para os planos estratégicos de cada Estado-membro, políticas públicas claras e justas, mais apoio para o setor, isenções fiscais, redução dos custos de produção, diminuição da burocracia administrativa, flexibilização do Pacto Ecológico Europeu e proteção perante os concorrentes estrangeiros que não estão submetidos às mesmas regras e imposições dos agricultores europeus, contam-se entre as reivindicações mais ouvidas.
Ora, a Política Agrícola Comum, que representa cerca de um terço do Orçamento da União Europeia, tem por missão, em síntese, apoiar os agricultores e melhorar a produtividade agrícola, em respeito pelas boas regras do meio ambiente e garantindo um abastecimento estável de alimentos de qualidade a preços acessíveis, ou seja, que os cidadãos europeus possam pagar. Mas também tem por missão garantir um rendimento justo aos agricultores. É bom que não se esqueça.
E os tempos de hoje mostram-nos, precisamente, que o setor agrícola europeu, em virtude da crise inflacionista dos fatores de produção, dos combustíveis e da energia, designadamente provocados por questões da geopolítica internacional, com a guerra na Ucrânia à cabeça, a que acrescem os fenómenos das alterações climáticas, tem vindo a sofrer de forma particular, com quebras muito significativas no seu rendimento.
Por outro lado, os agricultores europeus estão naturalmente mobilizados para a necessidade de contribuírem para as metas da descarbonização, e querem ser parte ativa desse caminho, mas o que não podem é deixar de alertar para os impactos que a implementação das regras do Pacto Ecológico Europeu provocarão nos custos e na capacidade de produção da agricultura europeia, e designadamente na sua competitividade perante concorrentes de outras geografias, completamente desobrigados e alheios a estas regras.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyan, no último discurso do estado da União, alertou bem para estas questões, tendo reclamado a necessidade de “mais diálogo” com os agricultores. Aliás, prometeu mesmo iniciar “um diálogo estratégico sobre o futuro da agricultura na União Europeia”.
Mas a verdade é que, apesar do setor agrário ser absolutamente essencial para a soberania e segurança alimentar da União Europeia, e os agricultores serem cuidadores ativos da paisagem rural e da biodiversidade, estes são cada vez mais ignorados, e até hostilizados, por movimentos radicais verdes que vão crescendo um pouco por toda a Europa.
O diálogo é importante, a procura de consensos é fundamental, mas a União Europeia tem de ser consequente. São necessárias soluções.
A Comissão Europeia adotou há dias um regulamento que concede uma isenção parcial dos agricultores europeus da regra da condicionalidade aplicável às terras em pousio. Anuncia-se que no próximo dia 26 os Ministros da Agricultura da União Europeia vão debater uma proposta para a redução de encargos administrativos dos agricultores….
É preciso mais.
Em Portugal, o Governo respondeu aos protestos dos agricultores com a reversão do corte nos apoios aos ecorregimes de agricultura biológica e proteção integrada e com um anúncio de um pacote de mais de 400 milhões de euros de dotação destinado a mitigar o impacto provocado pela seca e a reforçar o Plano Estratégico da PAC.
Como foi sendo habitual com este Governo, agora em final de funções, aquilo que não era de todo possível, passou de um momento para o outro, a ser possível!
Sempre sem uma visão estratégica para o setor, este Governo nunca considerou a agricultura uma verdadeira prioridade. Não foi por acaso que o setor agrícola foi completamente esquecido pelo PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) e os agricultores continuam a ser em Portugal o elo mais fraco da cadeia de valor.
Por outro lado, hoje já ninguém duvida que o PEPAC, construído de forma quase unilateral pelo Ministério da Agricultura, não responde às verdadeiras necessidades e especificidades da nossa agricultura, carecendo urgentemente de uma reprogramação.
O Ministério da Agricultura liderado por Maria do Céu Antunes nunca foi o aliado que os agricultores portugueses precisavam e mereciam. Os apoios, frequentemente “curtos”, nunca lhes chegaram a tempo e horas. Para não falar das trapalhadas que envolveram os pagamentos das ajudas relativas ao Pedido Único.
Daí que não surpreenda que os protestos e manifestações dos agricultores, apesar dos ditos anúncios e promessas do Governo, continuem um pouco por todo o território nacional…
Paulo Ramalho
Deputado do PSD à Assembleia da República
Artigo publicado com autorização do autor e da Vida Económica.