“Os clusters tradicionais beneficiaram dos ensinamentos do projeto Porter e estão melhores. Mas avançámos timidamente nos clusters tecnológicos”, diz Mira Amaral.
Foi há 25 anos que o ministro da Indústria de Cavaco Silva encomendou a Michael Porter um estudo sobre a competitividade da economia portuguesa. As conclusões surpreenderam muitos já que a resposta foi uma aposta clara nos setores tradicionais que muitos vaticinavam como condenados. O ECO falou com Mira Amaral para perceber o balanço que faz da aplicação do projeto e o que ainda falta fazer.
“A aplicação do projeto Porter permitiu melhorias evidentes nos setores tradicionais como o calçado, têxtil, vestuário e confeções, nos vinhos e no mobiliário. Teve um impacto médio nas condições de procura, ou seja, a sofisticação da procura doméstica não aumentou muito. E teve um efeito baixo em todos os elementos de cooperação entre as empresas”, defende Mira Amaral. O responsável lamenta a falta de aposta em verdadeiros clusters tecnológicos, critica a excessiva atomização do tecido empresarial português, defende que é necessário ganhar escala e que os incentivos públicos devem servir para isso mesmo.
Para Mira Amaral é tempo de inverter prioridades: devem ser “as empresas a receber os apoios para a ciência e tecnologia e depois as empresas contratavam as universidades e os politécnicos”. E se as exportações têm hoje um maior peso no PIB, o mérito, defende, é do programa de austeridade e do Governo de Pedro Passos Coelho. Mas ainda há um longo caminho a percorrer, alerta.
Ao fim de 25 anos, a estratégia que Michael Porter definiu para Portugal ainda faz sentido?
O problema é que aquela estratégia era para ser aplicada naquela altura. A estratégia era fazer o relatório e constituíam-se os grupos de trabalho, as chamadas task force, que iam implementar o relatório. Esses grupos de trabalho eram formados por empresas, associações empresariais, centros tecnológicos, universidades, politécnicos e organismo públicos. Todos em colaboração. E, por isso, até se constituiu o Fórum para a Competitividade para implementar o projeto Porter. O que aconteceu é que depois veio o Governo PS, não ligou nenhuma àquilo e perdeu-se bastante tempo. Obviamente a estratégia era para ter sido implementada naquela altura, não 25 anos depois.
Mas que balanço faz, 25 anos depois?
Na minha perspetiva, a aplicação do projeto Porter permitiu melhorias evidentes nos setores tradicionais como o calçado, têxtil, vestuário e confeções, nos vinhos e no mobiliário. Teve um impacto médio nas condições de procura, ou seja, a sofisticação da procura doméstica não aumentou muito. E teve um efeito baixo nas rivalidades, nas estratégias das empresa e em todos os elementos de cooperação entre as empresas. Não houve praticamente medidas de políticas públicas de apoio às variáveis horizontais. É preciso não esquecer que o projeto Porter também apontava uma série de políticas públicas que praticamente não tiveram grandes melhorias. Continuamos a falar dos mesmos temas: da educação, da gestão da floresta.
Uma das ideias que terá ficado foi a dos clusters e da necessidade de associativismo entre as empresas.
Isso ficou, mas o facto de o Governo PS que sucedeu não ter ligado nenhuma ao relatório fez com que se tenha perdido muito tempo. Curiosamente foi uma ministra do PS, Maria João Rodrigues que voltou a reativar a ideia dos clusters, mas chamando-lhes pólos de competitividade. Temos clusters de pequena dimensão, na sua maior parte, e não chegámos a ter clusters verdadeiramente tecnológicos. Temos clusters excelentes ligados ao calçado e ao vinho, que muito melhoraram as coisas, mas ainda nos faltam alguns clusters tecnológicos.
E como os podemos conseguir?
Temos de fazer uma grande aposta na ciência e tecnologia ligada às empresas e também com a ajuda de investimento estrangeiro.
A aplicação dos fundos comunitários de forma a colocar licenciados e investigadores nas empresas ou limitar a utilização dos apoios pelas grandes empresas à inovação é uma forma de lá chegar?
Essa estratégia tem sido muito tímida. A meu ver o Governo tem posto mais o ênfase nas universidades, quando o devia colocar nas empresas e depois seriam as empresas a contratar as universidades para fazer os projetos de investigação de aumento tecnológico. Uma coisa é investigar, é o que as universidades fazem, produzem conhecimento. Mas se esse conhecimento não for aplicado nas empresas não produz efeitos na economia. O que é preciso é pôr as empresas no circuito. O que deveria acontecer a partir de agora era inverter as prioridades: seriam as empresas a receber os apoios para a ciência e tecnologia e depois as empresas contratavam as universidades e os politécnicos. O Governo tem sido muito tímido nessa matéria.
Para além dos clusters tecnológicos, em que outra área vale a pena apostar?
Os clusters tradicionais beneficiaram dos ensinamentos do projeto Porter e estão melhores. Mas avançámos timidamente nos clusters tecnológicos e temos ainda outra coisa dramática: clusters de pequena dimensão porque há uma grande dificuldades na associação das empresas. Temos uma estrutura empresarial excessivamente atomizada e pulverizada com empresas de pequena dimensão. Assim não têm dimensão nem massa crítica para aumentarem a produtividade nem para fazerem projetos de inovação.
Temos uma estrutura empresarial excessivamente atomizada e pulverizada com empresas de pequena dimensão. Assim não têm dimensão nem massa crítica para aumentarem a produtividade nem para fazerem projetos de inovação.
Mas as exportações têm vindo a ganhar peso no PIB. É uma tendência sustentada?
Estou muito preocupado porque Portugal continua a ter uma dívida pública muito eleva e a despesa pública está lá toda, foi apenas cativada ou reprimida. Não foi cortada. E, portanto, se não houver juízo — acho que o Governo está agora finalmente a tentar ter juízo, porque com a história de que tinha de acabar a austeridade que não podia acabar, parece que todas as corporações do Estado querem tudo e mais alguma coisa — se se satisfizerem todas essas corporações com a dívida pública muito elevada que temos, podemos voltar a ter problemas no futuro. Porque a despesa pública não foi cortada estruturalmente, foi apenas reprimida ou cativada. Está lá toda
Mas as empresas empresas estão muito mais voltadas para os mercados externos. Foi uma tendência que veio para ficar?
Isso mudou. Nesse aspeto estamos hoje melhores do que em 2011. Foi o mérito do programa de austeridade e do Governo de Passos Coelho, porque ao cortar o mercado doméstico as empresas tiveram de se virar para o exterior. Isso gerou um movimento que continua e não voltou para trás. Felizmente é uma coisa boa. Mas ainda estamos em 43 ou 44% de peso das exportações no PIB. Uma economia da nossa dimensão devia ter 70 ou 80% de peso das exportações no PIB. E deveríamos aumentar o valor acrescentado nacional das nossas exportações. É uma batalha. Estamos muito melhor do que em 2011, mas é preciso continuar a forçar.
Já o problema de falta de produtividade sublinhado por Porter mantém-se.
Sim continuamos a ter esse problema porque, como disse, temos uma estrutura empresarial excessivamente atomizada e pulverizada. E quando temos empresas de pequena dimensão, não têm escala para aumentar a produtividade. O discurso piegas das PME não leva a nada. Uma pequena empresa merece apoios públicos para crescer, não é para ficar pequena.
O discurso piegas das PME não leva a nada. Uma pequena empresa merece apoios públicos para crescer, não é para ficar pequena.
O que se deveria fazer para ajudar as empresas a ganharem escala?
Têm de se associar e ganhar escala. Mais vale ter 20% de uma coisa que vale 100 do que ter 100% de uma coisa que vale zero.
Isso poderá ser conseguido através de incentivos ou de investimento estrangeiro?
Tem de haver incentivos. O investimento estrangeiro também pode ajudar, mas a primeira questão é a mentalidade das pessoas que têm de perceber que têm de se associar para ganhar escala.
Neste ponto há também um problema de financiamento e da banca?
Não sei se o problema é de financiamento da banca ou se o problema é de endividamento das empresas e do excessivo individualismo das pessoas. Não acho que o problema seja só da banca.
Michael Porter dizia que em Portugal havia um excesso de subsídios, mas que os subsídios existentes não eram suficientes para resolver a falta de produtividade do país. Essa constatação ainda é atual?
Quando dá subsídios a todos muito pequenos está a servir muitos. E a pequena dimensão, infelizmente, não consegue ter escala para aumentar a competitividade e a produtividade. Portanto esses subsídios têm de ser atribuídos numa ótica de forçar a aumentar a escala e a cooperação entre as empresas. Aí Porter tinha razão. É mais uma peça que ainda não foi resolvida.