O crítico de vinhos João Paulo Martins revela os grandes segredos do mundo da vitivinicultura
Nestes dias de março em que escrevo estas linhas podemos descobrir duas situações muito distintas nas vinhas que encontramos à beira da estrada: umas já estão podadas e prontas para o novo ciclo, mas outras ainda nem podadas estão. Daqui não se deve concluir que há uns produtores ajuizados e outros mandriões. O momento exato da poda não tem dia nem semana e depende muito do clima. Repare-se: em zonas que sejam mais atreitas a geadas de primavera, a poda tardia pode ser aconselhável porque uma geada forte queima a vinha e, se ela já tiver rebentos e folhas, é provável que a produção do ano fique irremediavelmente comprometida.
Sabe-se que há zonas mais propícias a geadas do que outras e é maleita muito difícil de combater. O clássico exemplo que ilustra os males que a geada provoca vem da zona de Chablis, ao norte da Borgonha. Ali, de tal forma é acidente climático recorrente que os produtores tentam combatê-la ateando fogueiras ao longo das vinhas para fazer subir a temperatura e assim evitar o desastre. Normalmente resulta mas, se for violenta, a geada — da noite para o dia — transforma uma vinha numa verdadeira ‘terra queimada’. E não há regiões imunes, que bem me recordo de ver fotos de vinhas no Alentejo que mais pareciam ter sido arrasadas pelo fogo. Assim sendo, uma poda tardia pode ajudar a salvar a colheita. O que se corta e o que se deixa nas varas da videira depende do que se pretende e do perfil do vinho que queremos obter dali. Há técnicas diferentes e se para um leigo o que se deve cortar é óbvio, para um técnico é tudo diferente. Ensinar bem os podadores é assim fundamental para que o trabalho seja bem feito.
Mas infelizmente não chega. Uma das maiores dores de cabeça de quem tem vinhas é pensar que uma tesoura de poda possa ser um transmissor de doenças (fungos) de uma cepa para outra. O pânico tem nome — esca — e é uma doença do lenho, ou seja, da parte lenhosa da planta, e é aconselhável que quando se deteta uma planta atacada durante o ciclo vegetativo ela deve ser marcada para ser arrancada na altura da poda e queimada. Como se trata de uma doença ‘peça a peça’, numa mesma vinha pode haver plantas doentes e outras sãs. O ideal seria que após o corte em cada cepa a tesoura fosse desinfetada para não levar a desgraça para a planta seguinte. O problema é gravíssimo porque não se vislumbra solução técnica conclusiva e sente-se por toda a Europa. É mais um, tal como há uns anos tocaram os sinos por causa de outra praga — flavescência dourada — que, essa sim, obriga ao arranque de toda a parcela. Hoje há tratamentos para este mal, obrigatórios para todos, mesmo para os produtores que defendem a pouca intervenção na vinha.
Sem querer ser pessimista, a verdade é que a vinha é um campo fértil para tudo quanto é bicharada e produzir uvas sãs é muito mais difícil do que se imagina. Se se quer ter bom vinho todos os anos, não há grande volta a dar, é preciso intervir, proteger, analisar e tratar a tempo e horas. Por essas e por outras é que há vignerons que passam religiosamente todo o dia na vinha, com toda a atenção, para que corra bem o que tem quase tudo para correr mal.
E em cada ano renasce a esperança, sob o lema: este ano é que vai ser! É a vida do agricultor. […]
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