Portugal só tem a ganhar com uma fileira látea mais forte, resiliente. Vale a pena converter as dificuldades em oportunidades e encontrar um futuro fundamentalmente mais sustentável.
Na passada sexta-feira assistimos a mais uma manifestação dos produtores de leite, designada de “Por um futuro sustentável da produção”, que reivindica um maior apoio à produção de leite em Portugal, procurando assim garantir a subsistência das suas explorações.
Em causa, como habitual, está a falta de apoios ao rendimento e à produção, que de acordo com a reforma que está a ser desenhada na Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia, se perspetiva um corte muito considerável nos apoios, bem como sejam determinadas políticas do Governo que coloque o preço pago aos produtores, pela indústria e distribuição, num nível que assegure um rendimento sustentável.
Do leite derramado às galochas descalças, vistas esta última sexta-feira, muitos têm sido os apelos e manifestações promovidas pela fileira do leite, ao longo destes anos.
Pessoalmente, nada contra as manifestações, e muito menos quando em causa está gente de trabalho árduo como são os agricultores e produtores de leite. As adversidades e a dureza do trabalho são constantes na vida dos agricultores, pelo que merecem todo o respeito. Sobra-lhes o prazer da vida que só quem coabita com a natureza desfruta.
Mas o cerne e resolução deste problema — por um futuro sustentável do setor do leite em Portugal, carece de uma resposta mais estrutural. Penso que é aqui que as Federações, Cooperativas e outras Associações do setor podem e devem ter um papel ativo em ajudar e a contribuir com uma perspetiva de valorização do leite e dos seus produtores, como tão bem se fez noutras fileiras que viveram no passado problemas semelhantes, e alcançarem assim um modelo mais sustentável para o setor.
Há dados animadores e outros mais preocupantes:
1. Desde 2000 o efetivo bobino leiteiro em Portugal registou um decréscimo de 30% (i);
2. Ainda assim, no que diz respeito à produção de leite o setor conseguiu obter uma maior eficiência, tendo sido compensado com um aumento de 35% do rendimento por vaca leiteira, isto é, apesar de menos 35.000 cabeças que se perderam desde 2000, a produção média por cabeça passou dos 6.000 para mais de 8.000 litros (ii);
3. A União Europeia prevê que, na próxima década, os níveis de rendimento por vaca leiteira continuem a aumentar (iii) , podendo atingir os 9.000 litros. A concretizar-se traduzirá naturalmente maiores ganhos operacionais e de competitividade, tornando o setor mais competitivo e resiliente;
4. Se compararmos o impacte ambiental da produção de 1lt de Leite de Vaca com 1lt de Bebida Vegetal (considerando p.ex a Amêndoa, Arroz ou a Aveia), os dados são devastadores (iv);
a) Emite 3 a 4 vezes mais emissões de gases de efeito estufa;
b) Utiliza o dobro, no caso da aveia são 11 vezes mais, de água;
c) Requer 11 a 30 vezes mais área de terreno;
5. A Sustentabilidade não é mais um cliché ou chavão. Os consumidores, sobretudo os mais novos, estão cada vez mais conscientes e procuram produtos que para além de lhes fazer bem, também o façam ao planeta, exercendo o seu poder e voz junto do mercado através dos seus comportamentos e produtos que compram;
6. Não é de estranhar, por isso, que as bebidas vegetais tenham ganho preponderância na preferência dos consumidores. Não acredito, como já ouvi alguém dizer, que as Aveias são as novas Vacas. Mas que as alternativas vegetais vieram para ganhar um espaço preponderante na alimentação dos consumidores, ocupando uma fatia relevante do mercado dos laticínios, disso já ninguém deve ter dúvidas. Hoje, 20% do total de mercado de leite já é absorvido por estas bebidas e espera-se que no futuro ainda ganhem maior representatividade (v);
7. É seguramente possível, e desejável, que o setor do leite pratique uma produção mais respeitadora para com o ambiente e o bem-estar animal. A alteração de algumas práticas podem reduzir o gap do impacte ambiental para as alternativas, indo assim de encontro às preocupações dos consumidores;
8. É também importante que essas iniciativas sejam veiculadas junto dos consumidores e público em geral. Os consumidores procuram também saber a origem dos seus alimentos e em que condições são produzidos. A autenticidade de um agricultor tem um enorme potencial de comunicação a ser explorado;
9. Caso contrário a tendência pode continuar a ser dramática. O consumo humano de leite em Portugal registou uma quebra de 18% de 2000 para 2019 (vi);
É com base nos pontos aqui elencados, que penso se deverá incidir a luta por um futuro sustentável da produção de leite em Portugal.
Cabe aos produtores terem uma abordagem distinta, nomeadamente exigirem às estruturas cooperativistas, das quais são sócios/acionistas, que estas identifiquem e procurem novas soluções geradoras de criação de valor, em conjunto com todos os atores da cadeia de valor, por um modelo e futuro sustentável do setor de leite em Portugal.
Portugal só tem a ganhar com uma fileira látea mais forte, resiliente, pelo que mais do que chorar sobre o leite derramado, vale a pena converter as dificuldades em oportunidades e encontrar um futuro fundamentalmente mais sustentável.
(i) INE, Inquérito aos efetivos animais (2000-2019)
(ii) INE, Estatísticas da produção animal (2000-2019)
(iii) EU agricultural outlook for markets, income and environment, 2020-2030. European Commission, DG Agriculture and Rural Development, Brussels.
(iv) https://www.foodunfolded.com/article/plant-based-milk-alternatives-environmental-footprints
(v) Euromonitor, Passport Market Sizes 2020
(vi) INE, Consumo humano de leite (2000-2019)
Pedro Azevedo Henriques
Diretor de Sustentabilidade da Frulact