Esta foi uma semana repleta de acontecimentos, marcada, nomeadamente, pelo I Congresso do InsectERA, cuja temática – os insetos como ferramenta para a sustentabilidade – veio demonstrar que os insetos são muito mais do que proteína, um evento que colocou, igualmente, em evidência a relevância das Agendas Mobilizadoras. Foi ainda a semana da adoção em Bruxelas, no quadro do Parlamento Europeu, do procedimento de urgência para o adiamento da entrada em vigor do EUDR (falta apenas a ratificação em Plenário, nos próximos dias 13 e 14 de novembro). O nosso destaque vai, no entanto, para a 10ª reunião da Comissão de Acompanhamento do PDR 2020, a 22 de outubro, na qual representámos a FIPA.
Aplaudimos, desde logo, a escolha do local, o emblemático Mosteiro de Tibães, que simboliza o que é possível fazer pelo território, a biodiversidade, a paisagem, o património cultural, a memória – porque tudo isto é desenvolvimento rural. Saudamos, igualmente, a visita ao Banco de Germoplasma Vegetal, do INIAV, uma infraestrutura de excelência, ao serviço da conservação, da manutenção e da reprodução do material genético, da nossa herança e das nossas culturas. Um bom exemplo do que (ainda) é possível fazer ao nível da produção animal e das raças autóctones, que devem ser apoiadas pelo Plano Estratégico da PAC (PEPAC), como parte da história do nosso país e da sua especificidade.
Nascido em 2014, foram 10 anos de um Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) marcado por dois anos de pandemia e por uma guerra na Europa, tensões internacionais e uma geopolítica bastante complexa, alterações governativas, incerteza e instabilidade, desde logo de natureza política, e em que nem sempre a agricultura foi “a” prioridade.
Numa altura em que se encerra o PDR, temos de felicitar o notável trabalho desenvolvido pela Autoridade de Gestão (AG) liderada por Rogério Ferreira, e concretizado por toda a equipa, do qual se devem destacar as estruturas regionais, agora integradas nas CCDR, que fazem também para da AG, e as diferentes entidades e estruturas associativas que integram a Comissão. Foi o seu trabalho de interação e de articulação permanentes que permitiu que se feche este ciclo com uma taxa de execução na ordem dos 97%. E porque estes 10 anos também foram carregados de contradições, de avanços e recuos, é bom recordar 2022 e as decisões que se tomaram em 2023, com o reforço de verbas de 350 milhões de euros e o trabalho conjunto com as organizações, corrigindo estratégias e ouvindo os interessados, pese embora muito ainda tenha de ser feito para o futuro ciclo do PDR.
Para uma programação de 5,4 mil milhões de euros e compromissos de 6,1 mil milhões, tivemos ainda recursos adicionais de 312 milhões do Next Generation, estes utilizados essencialmente no apoio aos jovens agricultores, regiões vulneráveis e agricultura biológica. Cerca de 46% foram canalizados para medidas de investimento, sendo 54% destinados a medidas agroambientais e a seguros.
De todos os dados disponibilizados, merece a pena destacar, em nossa opinião, os relativos aos jovens agricultores, os projetos que “ficaram pelo caminho”, e os investimentos na agroindústria.
No caso dos jovens agricultores, temos 4.470 projetos para um investimento elegível de 928 milhões de euros, para uma área de mais de 116 mil hectares, com a pecuária e os cereais a representarem quase 70.000 hectares, mas parece existir uma maior apetência para os pequenos frutos, hortofrutícolas e olival. Estaremos a contribuir de facto para a tão desejada renovação geracional, um dos eixos absolutamente centrais da (futura) PAC e da modernização da agricultura portuguesa?
Também não deixa de ser preocupante – e esta é uma questão central – os projetos que ficam pelo caminho, 4.500, o que corresponde a 23%, dos quais 3.500 nas explorações agrícolas. Uma questão que deve ser profundamente repensada para o futuro, sobretudo quando todos os recursos têm de ser otimizados.
Por último, um tema que merece ser relevado e valorizado: o investimento no agroalimentar. Com 1.017 projetos aprovados, temos um investimento de 566 milhões de euros e um apoio de 183 milhões, gerando 2.590 empregos e um volume de negócios de 1.985 milhões de euros. Com uma injeção de 200 milhões de apoio público geramos 2.000 milhões, o que não deixa de ser notável. Vale a pena apostar no setor agroalimentar e essa é outra conclusão que deve ser retirada, porque vai ser um elemento crítico para a meta dos 10.000 milhões de euros nas exportações e, igualmente importante, na substituição das importações por mais produção nacional.
É, de facto, muito positivo constatar que nos encontramos acima da taxa média de execução europeia (91% contra 85%), mas importa ter em conta que temos ainda estrangulamentos de natureza estrutural (e a necessitar de reformas profundas), como a burocracia, a morosidade dos processos, a necessidade de maior simplificação, os licenciamentos, a articulação entre serviços da Administração Pública, a falta de harmonização de procedimentos, as tabelas de custos desatualizadas.
Se queremos ser mais ambiciosos – e temos de ter esse grau de exigência – , há que olhar para a simplificação, alterar mentalidades e dotar os serviços de mais recursos, humanos e tecnológicos.
Cada um de nós não deixará de ter “a sua leitura” perante os números e os elementos factuais do relatório, mas é importante fazermos, em conjunto, uma reflexão sobre as transformações e os fenómenos de mudança gerados por todo este investimento no mundo rural, no território, na paisagem, nos sistemas agrícolas e pecuários, na dimensão ambiental, económica e social. Estaremos, de facto, no rumo certo? Ou temos de alterar políticas, fazer outras (melhores?) escolhas em função das especificidades dos diferentes territórios?
Numa altura em que se acentuam as discussões em torno do Diálogo Estratégico sobre o futuro da Agricultura e da Alimentação, em que se desenham tendências de uma redução do orçamento para a futura PAC, as conclusões do último Conselho Agrícola sobre este tema foram aprovadas por 26 Estados-membros, entre os quais Portugal, que reclamam uma PAC forte, coesa, sem quaisquer cortes e mantendo os dois pilares.
Veremos se a futura DG AGRI (DG FOOD?) virá a canalizar algumas competências da atual DG SANTE na área da alimentação, o que poderá trazer maior peso e legitimidade política a essa ambição.
Além de tudo isto, interpretar os números do PDR 2020 é também refletir sobre a coerência da recente reprogramação do PEPAC, os desafios que temos pela frente, reforçar a agricultura e a alimentação e dar-lhes a devida (e merecida) dimensão estratégica.
Para já, a experiência de trabalho conjunto que nos trouxe até aqui, de cooperação ativa entre a Autoridade de Gestão, com relevo para as suas estruturas regionais, e as organizações da sociedade civil, representa um inestimável capital político que temos de saber potenciar.
Porque necessitamos de estabilidade e previsibilidade, há que ter a coragem de mudar, fazer escolhas, ser inclusivo, e não deixar ninguém para trás. Em nome da segurança alimentar e, sobretudo, da dignificação do mundo rural.
Não é, afinal, para isso, que construímos o PEPAC?
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA