A ZERO assinala hoje, quando se assinala o primeiro aniversário, a assinatura do acordo climático entre Portugal e Cabo Verde, que resultou na criação do Fundo Climático e Ambiental por via da conversão de 12 milhões de euros da dívida contraída por aquele país da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) junto do Estado Português. A associação lembra também que existe uma outra dívida histórica que resulta da emissão de gases com efeito de estufa ao longo dos últimos 150 anos, altura em que começaram a ganhar expressão as emissões poluentes para a atmosfera resultantes da revolução industrial.
As mais dramáticas consequências do aumento da temperatura média da atmosfera e do oceano são aquelas que são permanentes e de elevada magnitude. A aceleração de processos de desertificação nas regiões subtropicais ou a salinização dos solos e de aquíferos conduzem a perdas mais acentuadas de terra arável, à redução do potencial de produção alimentar, ao agravamento de crises económicas que, em alguns casos, degeneram em conflitos políticos e armados, gerando vagas migratórias de cada vez maiores dimensões. De acordo com a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), em 2023, 1 em cada 10 refugiados e solicitantes de asilo, e 1 em cada 4 deslocados internos viviam em zonas expostas a riscos climáticos extremos; em 2050, os eventos climáticos poderão provocar 200 milhões de deslocados. Estes números, além de tornarem mais urgente a ação dos Estados com vista à redução rápida do consumo de combustíveis fósseis, devem obrigá-los a incorporar nas estratégias de adaptação às alterações climáticas a criação de mecanismos para acolher pessoas que se veem forçadas a abandonar as suas terras por causa da crise climática que vivemos e pela qual não são responsáveis.
Os países industrializados que, embora representem menos de 20% da população mundial, emitiram desde a revolução industrial quase 60% do total de dióxido de carbono antropogénico, devem assumir maiores responsabilidades pelas consequências globais das alterações climáticas; não só porque, em grande medida, estiveram na origem do problema, mas também porque são aqueles que, por habitante, possuem maior capacidade técnica e económica para lhe fazer face.
Na declaração de Copenhaga sobre Desenvolvimento Social (1995), que reuniu 187 países membros das Nações Unidas, consta o compromisso por parte dos países mais industrializados de investirem 0,7% do PIB em ajuda ao desenvolvimento. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), em 2022, apenas cinco países cumpriam este critério e Portugal apenas destinava à assistência oficial ao desenvolvimento 0,21% do Produto Interno Bruto (PIB). Para a ZERO, as políticas de assistência ao desenvolvimento devem adequar-se ao contexto de crise climática em que vivemos, mas o financiamento da ação climática não deve servir para reduzir o esforço que o país deve fazer para cumprir os compromissos internacionais de assistência ao desenvolvimento.
Embora o acordo de financiamento de Portugal ao Fundo Ambiental de Cabo Verde através da redução da dívida seja um passo na direção certa, é necessário assegurar seu financiamento futuro dado que a processa feita atinge pelo menos 140 milhões de euros. É necessário também eficácia e a transparência na aplicação das verbas, o envolvimento da sociedade civil cabo verdiana e a sua capacitação, a promoção da participação das instituições cabo verdianas na produção e aplicação dos instrumentos de ação climática e o reforço dos montantes envolvidos.
O alargamento deste tipo de acordos a outros países em desenvolvimento que tenham contraído dívida junto do Estado Português deve ser fortemente equacionado sempre que possa ser assegurada a aplicação no terreno de medidas de redução de emissões e de adaptação aos efeitos das alterações climáticas em curso.
ZERO promove debate hoje, às 18h30, em Lisboa
A ZERO abordará estes temas no evento “Cachupa pelo Clima”, hoje, às 18h30 no Largo do Intendente, em Lisboa. O evento irá começar com um debate público sobre o acordo climático entre Cabo Verde e Portugal e a crise dos refugiados climáticos, e conta com a presença de representantes de várias organizações não governamentais nacionais, a Embaixada de Cabo Verde, o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o historiador e investigador José Pereira, entre outros. A Cachupa pelo Clima é uma iniciativa do âmbito do Pacto Climático Europeu, com o apoio da Afrolink.
A ZERO continuará a acompanhar com expectativa a aplicação deste acordo e procurará envolver as organizações da sociedade civil dos dois países no seu acompanhamento.
Fonte: ZERO