O tribunal de Nacala-Porto decidiu “não acompanhar” a Procuradoria-Geral da República (PGR) moçambicana, que tinha ordenado o arquivamento do processo sobre o diferendo sobre exportação de feijão bóer para a Índia opondo a RGL ao conglomerado ETG.
Num despacho com data de 15 de janeiro, assinado pela procuradora-geral adjunta Amabelia Chuquela, do Departamento Especializado para a Área Criminal, aquele órgão tinha decidido “anular as decisões do Ministério Público” de Nacala-Porto nos autos de instrução preparatório deste processo.
O diferendo – em que a PGR considerou “absurdo e astronómico” o valor da caução fixada pelo Ministério Público local – opõe há vários meses os dois grupos e que condiciona a exportação de feijão bóer e outros produtos agrícolas a partir daquela localidade portuária do norte para a Índia.
Na tentativa de aplicar a decisão de arquivamento, a ETG voltou esta semana ao Tribunal Judicial do Distrito de Nacala-Porto para libertar o produto apreendido, conforme decisão da PGR, mas em despacho com data de 31 de janeiro, a que a Lusa teve hoje acesso, aquele decidiu “não acompanhar a promoção do MP e consequentemente indeferir o requerimento” do grupo, com sede nas Maurícias.
Entre outros argumentos, o tribunal recorda que ainda corre o prazo para eventual impugnação judicial da decisão de arquivamento e que neste caso só após decisão da procuradora-geral da República é que “se poderá falar em despacho de arquivamento como posição processual definitiva” do MP.
Descreve igualmente que o MP “não pode dar quaisquer ordens ou instruções aos tribunais” e vive-versa: “Ninguém pode, simultaneamente, atuar como MP e como juíz no mesmo Processo Penal”.
“Não obstante, correm nos presentes autos embargos de terceiros sobre os bens arrestados e o tribunal proferiu o devido despacho”, aponta.
A PGR decidiu “ordenar que o MP da jurisdição competente promova a revogação da medida de coação dos arguidos” conforme despacho que a Lusa noticiou em 26 de janeiro, e o “arquivamento da instrução” por “inexistência de crime”, num processo fortemente mediatizado internacionalmente nos últimos meses.
A Lusa noticiou anteriormente que o líder da ETG, Maheshkumar Raojibhai Patel, chegou a apelar ao Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, em carta com data de 26 de dezembro, para intervir na “saga do feijão bóer”, em que alegava estar a ser vítima de “expropriação” de carga e bens pela empresa concorrente Royal Group Limitada (RGL).
Em resposta à Lusa, fonte oficial da ETG afirmou antes que a RGL “foi apanhada a enviar produtos OGM para a Índia pelas autoridades indianas há mais de um ano” – em novembro de 2022 – e que “decidiu recuperar as perdas desse incidente iniciando uma disputa infundada” contra aquele conglomerado, que foi “criminalizado com a cooperação de entidades públicas” moçambicanas.
Em outubro de 2022, o Tribunal Provincial de Nampula ordenou a suspensão de todas as exportações da ETG e de outros grupos também acusados pela RGL neste processo de serem os denunciantes às autoridades indianas. No dia seguinte, o Tribunal Judicial da Província de Nampula concedeu à RGL ordem de penhora de bens da ETG, incluindo imóveis e navios, e congelou as suas contas bancárias, aplicando uma fiança de mais de 3.871 milhões de meticais (55,8 milhões de euros).
Esse valor foi garantido com a apreensão de carga, nomeadamente feijão bóer produzido em Moçambique e que a ETG pretendia exportar – tal como a RGL o faz -, com aquele conglomerado a acusar a RGL de se apropriar da carga e pretender enviá-la precisamente para a Índia.
“Era exigível que os magistrados tivessem fundamentado as decisões de facto quanto no que diz respeito à argumentação jurídica, e por que consideraram inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas de coação menos gravosas”, critica o despacho do Departamento Especializado para a Área Criminal, já que a um representante da ETG chegou a ser aplicada pelo tribunal local a medida cautelar de prisão preventiva.
“Depreende-se dos autos que o MP e o juiz [locais] não consideraram inadequadas ou insuficientes, no caso, as outras medidas de coação, pois o primeiro promoveu e o segundo acolheu e decidiu a substituição por caução no valor absurdo e astronómico de 3.871.850.000 meticais”, lê-se ainda.
O despacho da PGR concluiu igualmente pela falta de fundamento da denúncia da RGL sobre crimes de denúncia caluniosa e uso de documento falso, imputados à ETG sobre a alegada exportação de produtos geneticamente modificados para a Índia: “Podemos afirmar que não se reuniram os indícios suficientes com a potencialidade de, deduzida uma acusação, com razoabilidade muito provável, ela culmine com uma condenação”.