Teresinha Oliveira e o marido, Sérgio Oliveira, que trabalham numa herdade junto ao Brejão, e Adriana Novo, com um restaurante em São Teotónio, concelho de Odemira, têm um problema em comum: moscas da fruta.
“Há muitos insetos, mosquitos e principalmente moscas, entram pelas redes de proteção e há mais especialmente ao fim do dia, já não podemos estar na rua, não podemos jantar no alpendre”. É Teresinha quem conta o pesadelo que a zona se tornou, que começou no ano passado e que este ano piorou e ainda nem chegou o Verão. E a causa, aponta, as estufas. “Aqui é um deserto de estufas”.
Teresinha e Sérgio Oliveira são caseiros na herdade Monte de Cima, em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV), mas em pleno também Perímetro de Rega do Mira. O Parque vai de Sines a Vila do Bispo e a área de rega de Vila Nova de Milfontes a Rogil, freguesia do concelho de Aljezur, a sul.
No local, onde nos anos 80 e 90 do século passado o empresário francês Thierry Russel iniciou, e abandonou depois, um megaprojeto de agricultura intensiva em estufas, há hoje precisamente, como diz Teresinha, “um deserto de estufas” de outras empresas que entretanto se estabeleceram. E outras estão a ser construídas, como constatou a Lusa.
“Essa que estão a construir é de espanhóis”, diz Sérgio, acrescentando que as estufas que os rodeiam são de árvores de fruta e que são elas que estão a provocar um “distúrbio ambiental”.
Lígia Raquel, uma das moradoras da zona, diz à Lusa que se queixou à autarquia, que disse que as moscas “era normal”. Teresinha também se queixou, mas teve uma resposta diferente, segundo conta: “Estamos a contactar o ICNF” (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas).
Além das pequenas moscas da fruta, Sérgio Oliveira queixa-se também do “cheiro horrível a químicos”, que por vezes se sente, e remata: “Penso que o Verão vai ser complicado”.
Para já, dizem, vão lutando contra as moscas como podem, plantando citronela, queimando incenso, usando velas. Mas nada está a resultar.
Como nada está a resultar para Adriana Pais, dona do restaurante O Barco, em São Teotónio. “Quando aquece não damos à conta, caem por todo o lado. Já gastei frascos e frascos de vinagre, já usei um pó, mas nada resulta”.
Adriana Pais teme pelo negócio por causa das moscas da fruta. “O teto da cozinha fica negro, na sala de jantar basta uma porta aberta e os clientes estão a comer e as moscas à volta. O cliente mais exigente já não vem”, diz à Lusa, acrescentando que já falou com os serviços de desinfeção, mas que eles também não conseguem resolver o problema. “Não é falta de limpeza”, diz, apontando também o dedo às estufas.
Adriana Pais queixa-se também, como Sérgio Oliveira, dos cheiros. “Não sei o que põem nas estufas, mas aqui ao cair da noite é um cheiro a podre, a fruta fermentada”, diz.
Não longe da casa de Teresinha e Sérgio há uma vala com um líquido castanho, que segundo Sérgio Oliveira desagua na ribeira de Odeceixe e cheira a fruta podre, como constatou a Lusa. E as estufas, diz o casal, também estão a contaminar a praia da Amália, assim chamada porque a fadista Amália Rodrigues (1920-1999) tinha uma casa muito perto.
A estrada para a casa que a fadista construiu em frente da praia está toda rodeada de estufas. A partir da casa há um caminho até à praia, rodeado de plantas e flores lilases e cor de laranja, que faz parte do “trilho dos pescadores” da Rota Vicentina (uma iniciativa que contempla percursos pedestres no PNSARV). E lá estão as marcas verdes e azul a provarem-no.
Sérgio e Teresinha apontam o ribeiro que corre junto ao caminho, metade água metade espuma branca, que desagua na praia. Sérgio não pode provar mas diz que antes das estufas a água não era assim. E acrescenta que se não fossem as estufas que a rodeiam a ribeira já nem corria água no final de Inverno.
“Penso que deviam proibir os banhos na praia da Amália. Esta terra está debaixo de químicos, hoje já não há coelhos nem lebres aqui, mas antes havia sempre, e peixe também já não se apanha” diz à Lusa.
Preocupados com as moscas, com a poluição, com a praia, Sérgio e Teresinha estranham a agora preocupação com a situação social dos imigrantes que trabalham nas estufas, muito falada na sequência de um surto de covid-19 que levou à imposição de uma cerca sanitária na região.
“Eles vivem assim há uns 10 anos, não há casas e as empresas deixam que eles se entulhem”, diz Sérgio.
E depois, olhando as estufas a perder de vista, sem explicar se só a elas se refere, acrescenta “Está aí uma coisa assustadora”.
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