Há várias décadas que se reconhecem oito Quercus nativos na flora portuguesa, mas uma nova lista botânica, publicada internacionalmente, eleva para 11 as espécies de carvalhos portugueses, após um longo e complexo trabalho de investigação e revisão taxonómica liderado por Carlos Vila-Viçosa.
Quercus orocantabrica, Quercus estremadurensis, Quercus pseudococcifera e Quercus airensis são quatro nomes a reter da “Nova lista anotada dos carvalhos portugueses”. Estes são os nomes das espécies de carvalhos que passam a constar entre os Quercus nativos e o seu reconhecimento já foi feito pela comunidade botânica internacional.
A revisão das espécies de carvalhos portugueses, divulgada num artigo científico publicado pela revista “Mediterranean Botany”, resulta de um trabalho desenvolvido por uma equipa de biólogos portugueses, liderada pelo investigador Carlos Vila-Viçosa, que desenvolve a sua atividade no CIBIO-InBio, no Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto e no Biopolis.
Após vários anos de investigação, envolvendo trabalho de campo, revisão da literatura científica, análise de coleções botânicas preservadas em vários herbários (em museus portugueses e internacionais) e, em casos particulares, estudos moleculares (ADN), foi possível identificar características únicas de várias espécies e até de híbridos entre as espécies de carvalhos já conhecidas em Portugal.
Esta descodificação permitiu clarificar incertezas relativas à taxonomia e nomenclatura que, em alguns casos, persistiam há mais de um século. Foi assim que se individualizaram as “novas” espécies de carvalhos portugueses:
– dois deles inserem-se no conceito geral de carvalhos pedunculados (em que as bolotas se sustêm em pedúnculos ou hastes bem visíveis) – Quercus orocantabrica e Quercus estremadurensis;
– os outros dois inserem-se no grupo dos carrascos – Quercus pseudococcifera e Quercus airensis.
As duas “novas” espécies de carvalhos pedunculados e o “adeus” ao alvarinho
Esta descodificação permitiu clarificar incertezas relativas à taxonomia e nomenclatura que, em alguns casos, persistiam há mais de um século. Foi assim que se individualizaram as “novas” espécies de carvalhos portugueses: – dois deles inserem-se no conceito geral de carvalhos pedunculados (em que as bolotas se sustêm em pedúnculos ou hastes bem visíveis) – Quercus orocantabrica, que vem substituir o Quercus robur, e Quercus estremadurensis; – os outros dois inserem-se no grupo dos carrascos – Quercus pseudococcifera e Quercus airensis.
O que era considerado como o nosso carvalho-alvarinho (Quercus robur) revelou-se uma das principais surpresas, conta Carlos Vila-Viçosa. “Vimos uma grande divergência genética dos carvalhos-alvarinhos face ao seu congénere europeu Quercus robur”. E as diferenças são tão notórias que dele se autonomizam duas espécies: Quercus orocantabrica, que substitui o Quercus robur, e Quercus estremadurensis, designados pelos nomes comuns carvalho-galego e carvalho-da-estremadura.
O carvalho-galego (Quercus orocantabrica) é uma árvore de folha caduca que pode elevar-se a mais de 30 metros. Diferencia-se face ao Quercus robur por ter, entre outras distinções, folhas mais largas e brilhantes, com maior número de lóbulos e um pecíolo (parte que liga a folha ao ramo) mais longo. A espécie está presente no Noroeste de Portugal e Espanha, sendo a sua zona privilegiada de distribuição a região da antiga Galécia, mas distribui-se também pelo norte peninsular, Serra de Sintra e São Mamede em Portugal.
Tinha sido descrita, em 1937, uma subespécie similar em Portugal, então nomeada de Quercus robur subsp. broteroana. Em 2002, foi também descrita uma espécie nativa em Espanha, a que chamaram Quercus orocantabrica. Concluiu-se que estas descrições correspondem a uma única espécie, pelo que a designação inicial de espécie (Quercus orocantabrica) torna-se prioritária na taxonomia relativamente à da subespécie, explica o investigador.
O carvalho-da-estremadura (Quercus estremadurensis) é uma árvore que pode elevar-se aos 30 metros, de folhas caducas a marcescentes (em que as novas folhas empurram as murchas). Também já tinha sido sugerido como uma nova espécie, na década de 30 do século XX, pelas diferenças então observadas. Nunca foi reconhecida, mas hoje, com dados moleculares, não restam dúvidas. A espécie está presente no ocidente ibérico, incluindo na nossa Estremadura, no sudoeste alentejano e algarvio, assim como na Extremadura espanhola.
Foram também descobertos, em herbário, exemplares provenientes do Norte de África, de Tânger (onde possivelmente se terá extinguido), o que coloca a hipótese de o sudoeste ibérico e o noroeste de África serem uma área importante para a presença de um potencial predecessor da linhagem evolutiva do Quercus robur europeu – constituindo uma espécie relíquia, que pode ter sobrevivido desde o final do Período Terciário, há mais de 2,5 milhões de anos. “Poderá ter sobrevivido juntamente com outras relíquias ainda hoje presentes no sudoeste alentejano e algarvio, como a adelfeira (Rhododendron ponticum) e o carvalho-de-Monchique (Quercus canariensis)”.
Os dois carrascos com características e porte de árvore
As outras duas espécies que se autonomizam trazem “nova luz” sobre os carrascos arbóreos mediterrânicos, que são há muito alvo de controvérsia em termos de taxonomia e nomenclatura, em parte pelas semelhanças entre vários carrascos observados no Oeste e no Este do Mediterrâneo, assim como pelas várias tentativas de os caracterizar, identificar e nomear.
O Quercus pseudococcifera, que recebe agora o nome comum de falso-carrasco (ou carrasco-arbóreo), era antes considerado uma variante do Quercus coccifera. É uma árvore de folha perene que pode elevar-se aos 18 metros. O seu tronco é liso e cinzento, podendo ganhar fissuras com a idade. A bolota, semioculta, é oval e estreita e a cúpula tem escamas mais compridas, quando comparado com o carrasco arbustivo (Quercus coccifera). Vive naturalmente próximo da costa atlântica portuguesa e no oeste da Andaluzia e Norte de África, associado às orlas dos carvalhais de carvalho-português e carvalho-de-Monchique.
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O Quercus airensis, batizado com o nome comum de carrasco-da-serra-de-Aire, tende a desenvolver-se como árvore. As suas folhas estão normalmente cobertas por uma camada de pelos, tanto na parte superior como inferior (chamadas folhas pubescentes a tomentosas), o que o ajuda a reduzir as perdas de água e pode justificar a sua adaptação aos solos derivados de calcários cársicos, como os que se encontram na Serra de Aire e Candeeiros e em Montejunto, e também em Tetuão, Marrocos, onde foi originalmente descrita.
“É provável que esta espécie se encontre também noutras áreas com as mesmas características de relevo e solo, como o Barrocal algarvio e outras no Sul da Península Ibérica”, adianta Carlos Vila-Viçosa, que crê já ter visto um exemplar na natureza, embora não tenha exemplares em herbário que permitam confirmá-lo.
Antes considerado como híbrido entre carrasco e azinheira (Quercus rotundifolia), já em 1838 se defendera que poderia ser uma espécie autónoma, denominada como Quercus calliprinos, nome que passou, desde então, a designar o carrasco-arbóreo do Líbano. “Estando esta designação já tomada, fomos buscar o nome “airensis”, que tinha sido avançado em 1954, pela área onde as árvores foram observadas – a Serra de Aire”.
O que muda então na nova lista de espécies de carvalhos portugueses?
“No género Quercus é muito difícil delimitar a fonteira entre espécies. Este trabalho é dificultado pela facilidade que estas árvores têm de hibridar entre elas e de trocar informação genética”, refere o investigador, explicando que o cruzamento entre espécies próximas, do qual resultam descendentes férteis que voltam a cruzar-se, torna particularmente complexa a tarefa de distinguir entre espécies e híbridos, assim como a de descrevê-los sob o ponto de vista ecológico e biogeográfico (zonas de distribuição natural, características destas áreas, desde o clima ao solo, por exemplo).
Parte da confusão que se foi instalando sobre as espécies de carvalhos portugueses deve-se a estas dificuldades, com diferentes botânicos a assumir como irrelevantes diferenças estruturais (ou o inverso) e com as autoridades botânicas a recusar novas propostas de espécies por não confiarem nos dados que as sustentavam, ou por questionarem a autoridade dos botânicos que as avançaram.
Graças à combinação de dados biogeográficos, históricos, bibliográficos, de campo e de herbários, a equipa de Carlos Vila-Viçosa chegou em 2022-23 a esta nova lista de espécies:
Espécies – antes da nova lista | Espécies – nova lista (alterações face à anterior) | Nomes comuns por que são conhecidas |
---|---|---|
Quercus pyrenaica | Sem alteração | Carvalho-negral |
Quercus faginea | Sem alteração | Carvalho-cerquinho ou português |
Quercus canariensis | Sem alteração | Carvalho-de-Monchique |
Quercus lusitanica | Sem alteração | Carvalhiça ou carvalho-anão |
Quercus robur | Deixa de constar | Carvalho-alvarinho ou roble |
Novo – Quercus orocantabrica | Carvalho-galego | |
Novo – Quercus estremadurensis | Carvalho-da-estremadura | |
Quercus suber | Sem alteração | Sobreiro |
Quercus rotundifolia | Sem alteração | Azinheira |
Quercus coccifera | Sem alteração | Carrasco |
Novo – Quercus pseudococcifera | Falso-carrasco | |
Novo – Quercus airensis | Carrasco-da-serra-de-Aire |
5 híbridos novos para a ciência
Além de ampliarem o número de espécies de carvalhos portugueses, de oito para onze, os investigadores enumeraram também na nova lista um total de 23 híbridos, cinco deles novos para a ciência:
- Quercus × almeidae (híbrido de Q. pseudococcifera com Q. rotundifolia), nomeado em homenagem ao botânico Rubim Almeida;
- Quercus × alvesii (Q. lusitanica com Q. rotundifólia), cujo nome é dedicado ao botânico Paulo Alves;
- Quercus × capeloana (Q. pseudococcifera com Q. suber), que homenageia o botânico Jorge Capelo, responsável pelos herbários de Oeiras do INIAV.
- Quercus × eborense (Q. coccifera com Q. rotundifolia), em nome da cidade de Évora, onde Carlos Vila-Viçosa começou a dedicar-se ao estudo dos carvalhos e onde este híbrido é frequente, encontrado facilmente em zonas áridas e áreas de Montado;
- Quercus × sampaioana (Q. estremadurensis com Q. lusitanica), em memória do botânico Gonçalo António da Silva Ferreira Sampaio (1865-1937).
Do mesmo trabalho, resultou adicionalmente a identificação dos 148 carvalhos cultivados em Portugal, que não são nativos. “São espécies exóticas, trazidas de outras regiões pelo seu valor ornamental e económico”, e foram descritas com o apoio de Paulo Alves, que tal como Jorge Capelo e Rubim Almeida, integram a equipa que assina a “nova lista anotada dos carvalhos portugueses”, um trabalho que tem ainda como autor Francisco Vázquez, especialista de referência neste género a nível ibérico e europeu.
Reordenar o passado das espécies de carvalhos
A nova lista altera as tipologias de nomes e espécies que estavam antes em vigor na taxonomia deste género em Portugal (e na Península Ibérica), mas há ainda muito por desvendar no passado destas e de outras espécies de carvalhos na Europa e Mediterrâneo. Esta é uma das vertentes que Carlos Vila-Viçosa ambiciona continuar a investigar, para descobrir as espécies que estão relacionadas com as portuguesas e que com elas podem partilhar um passado comum, dando a conhecer mais sobre a evolução do género na Eurásia.
Uma das interrogações a que o investigador gostaria de responder relaciona-se com a origem e percurso destas espécies: será que são originárias do continente americano e colonizaram a Europa Ocidental, estendendo-se depois às áreas a Oriente, ou que aconteceu o inverso e vieram do Oriente para o Ocidente?
“Sabemos que um ramo ancestral dos carvalhos portugueses de folha caduca ou marcescente é provavelmente americano, mas não sabemos exatamente como é que, depois da chegada à Europa Ocidental, as espécies evoluíram dentro deste grupo e como se relacionam entre si”, explica. Avançar nestas hipóteses implica identificar as espécies mais antigas e onde se encontram, compreender os seus graus de parentesco e como chegaram ao nosso território.
Este conhecimento pode decifrar também como conseguiram os carvalhos resistir ou adaptar-se a muitas das alterações ambientais, inclusive climáticas, que aconteceram ao longo de milénios, uma informação que pode revelar-se essencial na definição de melhores estratégias para a sua atual conservação.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.