O solo constitui um reservatório de carbono essencial para diversas funções do solo, como a produtividade agrícola e a regulação do clima. No entanto, a atividade humana tem diminuído as reservas de carbono orgânico no solo. Adotar práticas de gestão que revertam essa perda de carbono contribui simultaneamente para a adaptação dos sistemas agrícolas e para a mitigação das alterações climáticas.
Como o solo intervém na regulação do clima
O solo armazena cerca de três vezes mais carbono do que a vegetação terrestre e cerca de 1.8 vezes mais do que a atmosfera, no primeiro metro de profundidade (FAO, 2017; Olssen, 2019; Lal, 2018). Considerando a totalidade do solo, e incluindo o permafrost (solo permanentemente congelado), a quantidade de carbono armazenada é o dobro do valor presente na camada mais superficial (Figura 1). Atualmente, conhecemos a importância vital do carbono orgânico do solo na regulação do ciclo de carbono na Terra e consequentemente no clima.
O carbono orgânico do solo constitui o núcleo da matéria orgânica, formada por resíduos de plantas e organismos em várias fases de decomposição, microrganismos vivos e produtos do seu metabolismo (Lal, 2018). Este carbono tem a sua origem na atmosfera: são as plantas que, através da fotossíntese, captam o CO2 (dióxido de carbono) atmosférico para construir os seus tecidos. Posteriormente, matéria orgânica é degradada por microrganismos como bactérias e fungos, devolvendo o carbono à atmosfera, sob a forma de CO2 ou CH4 (metano), resultantes do metabolismo de microrganismos aeróbios ou anaeróbios.
Mas nem todo o carbono orgânico do solo é devolvido à atmosfera. Algumas formas ficam retidas no solo, seja adsorvidas quimicamente à superfície das argilas, retidas nos agregados formados pelas partículas minerais, ou integrando compostos de difícil degradação (Lal 2018). Desta forma parte do carbono capturado pelas plantas pode permanecer no solo durante décadas, séculos ou mesmo milénios, resultando na formação do grande reservatório de carbono orgânico do solo (Soong, 2022).
Quando os ecossistemas naturais são cultivados, há uma perda significativa de parte do carbono acumulado durante longos períodos. As estimativas indicam que essa perda pode variar entre 20% a 59%, dependendo da vegetação natural e das práticas de manejo do solo (Olsen et al., 2019). O aumento da área de solo cultivado corresponde a um decréscimo da área de ecossistemas naturais como florestas, pradarias, charnecas ou turfeiras. Estima-se que o cultivo dos solos seja responsável por 13% das emissões antropogénicas de CO2 (IPCC, 2019).
Para além de CO2 e CH4, o solo também pode emitir N2O (óxido nitroso), um gás com potencial de aquecimento global cerca de trezentas vezes superior ao CO2. As emissões de N2O do solo são resultam principalmente do uso de fertilizantes com nitrogénio (denominação oficial atual em português do elemento anteriormente conhecido como azoto). O nitrogénio é um elemento essencial para o crescimento das culturas, mas a aplicação de fertilizantes pode diminuir a eficiência da sua absorção pelas plantas. Como resultado, aumentam os processos de nitrificação e desnitrificação, levados a cabo por diferentes géneros de bactérias no solo, e que têm como produto a emissão de N2O. Contabilizando o CO2, CH4 e o N2O (óxido nitroso), estima-se que as alterações de uso do solo, tenham resultado em cerca de 23% das emissões de gases com efeito de estufa (IPCC, 2019).
Impactos das alterações climáticas no solo
O aumento da temperatura média tem um efeito crescente na atividade dos microrganismos do solo, resultando numa maior taxa de decomposição da matéria orgânica e na libertação de CO2 para atmosfera. As regiões de permafrost, onde as baixas temperaturas do solo impedem a decomposição da matéria orgânica, estão a aquecer mais rápido, tornando estes solos especialmente vulneráveis à perda de carbono orgânico, com impactos drásticos nas emissões de CO2.
Por outro lado, o aumento de eventos de precipitação extrema contribui para um crescente risco de erosão hídrica, um fator de degradação do solo muito relevante em Portugal e globalmente. A perda de solo por erosão hídrica em Portugal é de 2.3 t/ha anualmente, superior à média da União Europeia, sendo ambas acima da taxa de formação de solo de cerca de 1.4 t/ha anualmente (Panagos, 2015).
A combinação do aumento da temperatura e da diminuição da precipitação em algumas regiões do globo, como a região mediterrânica, aumenta o índice de aridez. As condições de aridez reduzem a capacidade do solo sustentar ecossistemas e, consequentemente de armazenar carbono. Em última instância, pode levar à desertificação, em que há uma perda total de fertilidade do solo (e do seu carbono orgânico).
Conservar e aumentar o carbono orgânico do solo
O carbono orgânico do solo está intrinsecamente ligado ao seu coberto vegetal, que representa outro reservatório de carbono. Os primeiros acordos globais sobre alterações climáticas destacaram a importância da vegetação como um reservatório de carbono, aumentando o interesse na plantação de espécies florestais de crescimento rápido para armazenar carbono ou para substituir combustíveis fósseis. No entanto, muito de tem descoberto sobre o carbono armazenado no solo. Hoje compreende-se melhor a dimensão das emissões decorrentes das alterações de uso do solo, que podem ter consequências de difícil reversão.
Estudos realizado em povoamentos na Serra da Nogueira, no distrito de Bragança, que alberga a maior área de carvalho negral da Europa (Quercus pyrenaica L.), demonstrou que a substituição das áreas de floresta autóctone por espécies de maior produtividade, como a o pinheiro-do- Oregon (Pseudotsuga menziesii (Mirb.) Franco) (Figura 2), resultou num aumento do carbono armazenado na vegetação. No entanto, após 30 anos, ainda não tinha recuperado a quantidade de carbono armazenado no solo com a vegetação autóctone e perdida no processo de reflorestação (Fonseca, 2019). Este exemplo mostra a importância da preservação dos ecossistemas naturais como uma das estratégias mais eficazes e eficientes no combate às alterações climáticas (Olssen et al., 2019).
Os agricultores conhecem desde há muito a importância da matéria orgânica na fertilidade do solo e produção de alimentos: melhora a estrutura do solo, aumenta a capacidade de retenção de água e nutrientes, promove a infiltração de água e diminui a erosão. Os gestores agrícolas vêm desde há muito a experimentar e implementar diferentes práticas com o objetivo de manter e aumentar o carbono orgânico no solo (Figura 3 e 4). Exemplos destas práticas são a minimização das mobilizações do solo, o uso de culturas de cobertura, a aplicação de resíduos das culturas e outros resíduos orgânicos ou o pastoreio extensivo. Casos de estudo no sul de Portugal mostram que a combinação da sementeira direta com a manutenção dos restolhos de cereais à superfície do solo numa rotação de tremoço–trigo–aveia–cevada, resultaram num aumento significativo do carbono orgânico do solo ao longo de um período de 11 anos (Carvalho e Lourenço, 2014). Uma investigação realizada em soutos no nordeste de Portugal, ao longo de 17 anos, mostrou um aumento significativo do carbono orgânico à superfície do solo não mobilizado, face ao mesmo solo mobilizado (Borges et al., 2018). Estudos com sementeiras de pastagens permanentes com elevada diversidade de espécies e ricas em leguminosas têm evidenciado um aumento de matéria orgânica do solo superior ao registado nas pastagens naturais (Teixeira et al., 2011). Estes são alguns casos de estudo em que foi contabilizado o aumento de carbono orgânico do solo por diferentes práticas de gestão em Portugal, no entanto, a capacidade de aumento de carbono é muito dependente das condições específicas de cada sistema agrícola.
Sendo o carbono fundamental para a saúde do solo, a adoção de práticas de gestão para a sua conservação e aumento contribui para a adaptação dos sistemas agrícolas ao clima em mudança, tornando os solos e a vegetação menos vulneráveis a desafios como a diminuição da precipitação, ao aumento de eventos de chuva extremos e o aumento da temperatura média. Essas práticas contribuem para mitigar as mudanças climáticas, revertendo o processo de emissão de carbono orgânico do solo para a atmosfera, mas também promovem a saúde e a sustentabilidade dos ecossistemas agrícolas.
Referências:
Borges, O.; Raimundo, F.; Coutinho, J.et al.(2018). Carbon fractions as indicators of organic matter dynamicsin chestnut orchards under different soil managementpractices. Agroforestry Systems, 92.
Canadell, J. et al., 2021. Global Carbon and other Biogeochemical Cycles and Feedbacks. In Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the IPCC AR6. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA.
Carvalho, M. e Lourenço, E., 2014. Conservation Agriculture – A Portuguese Case Study.
Journal of Agronomy and Crop Sci., 200.
FAO, 2017. Soil Organic Carbon: the hidden potential. Food and Agriculture Organization of the United Nations, Rome, Italy.
Fonseca, F. et al. 2019. Impact of tree species replacement on carbon stocks in a Mediterranean mountain area, NE Portugal. Forest Ecology and Management, 439.
IPCC, 2019. Summary for Policymakers. In: Climate Change and Land: an IPCC special report on climate change, desertification, land degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems.
Olsson, L. et al., 2019. Land Degradation. In: Climate Change and Land: an IPCC special report on climate change, desertification, land degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems.
Panagos, P., et al., 2015. The new assessment of soil loss by water erosion in Europe.
Environmental Science & Policy 54.
Soong, J., 2022. Soil. In: The Climate Book (pp. 116-117). Penguin Books.
Teixeira, R. et al., 2011. Soil organic matter dynamics in Portuguese natural and sownrainfed grasslands. Ecological Modelling, 222.
Figuras
Figura 1. Dimensão relativas dos reservatórios de carbono – o solo constitui o maior reservatório de carbono na Terra, excluindo o oceano. Fonte: Canadell et al.(2021).
Figura 2. Povoamento de pinheiro-do-Oregon no distrito de Bragança: a substituição da floresta autóctone levou a uma perda do carbono do solo ainda não recuperada 20 anos depois. (Foto do autor).
Figura 3. Prados no norte de Portugal: a presença de vegetação permanente na delimitação das parcelas agrícolas contribui para um aumento de carbono armazenado no solo e vegetação. (Foto do autor).
Figura 4. Vinha no vale do Douro: a não mobilização do solo e manutenção da vegetação espontânea contribui para um aumento de carbono armazenado no solo e vegetação. (Foto do autor).
Fonte: