- Introdução
No actual contexto de emergência climática e de crescente insegurança alimentar à escala mundial, Portugal vai ter que ser capaz de fazer crescer de forma significativa a produção de bens alimentares nutritivos e saudáveis acessíveis a todos que, contribuindo para o crescimento do valor acrescentado nacional e para o aumento da sua autossuficiência alimentar, sejam baseados em sistemas de produção agrícolas que, sendo ambientalmente sustentáveis e viáveis economicamente, estejam orientados prioritariamente para a redução das emissões de GEE e para o aumento da produtividade da terra e dos factores intermédios de produção utilizados.
A concretização destes objectivos só será possível se as explorações agrícolas portuguesas forem capazes de reforçar a sua posição nas respectivas cadeias de valor e vierem a optar por soluções produtivas e tecnológicas que, contribuindo para o combate às alterações climáticas, para uma gestão mais sustentável dos recursos naturais e para o restauro da biodiversidade, sejam capazes de produzir mais com recurso a menos factores de produção.
É neste contexto que, em minha opinião, se deverá avaliar o grau de prioridade a atribuir aos diferentes tipos de intervenções propostas no âmbito do PEPAC, com especial relevo para aquelas que integram a chamada Arquitectura Verde e, em particular, para os apoios ao Modo de Produção Biológico (MPB), avaliação esta que irá constituir o tema deste artigo.
- Agricultura biológica: alguns equívocos que importa desfazer
Em minha opinião, são quatro os principais equívocos associados com a produção e o consumo de produtos biológicos.
Um primeiro equívoco a desfazer é o de que o MPB, contrariamente àquilo que muitos nos pretendem fazer crer, não é o único tipo de sistema de produção agrícola sustentável. Esta constatação é hoje em dia reconhecida pela própria CE que justifica o facto de se ter estabelecido uma meta quantificada no contexto do Pacto Ecológico Europeu, apenas, para a agricultura biológica, por este modo de produção ser o mais conhecido e regulado. Trata-se, em meu entender, de uma decisão com consequências muito negativas para a expansão de outros modos de produção agrícolas que são capazes de melhor conciliar os objectivos segurança alimentar e sustentabilidade ambiental, conciliação esta de importância decisiva para o futuro da agricultura portuguesa.
Um segundo equívoco está relacionado com a ideia de que a expansão do MPB na última década correspondeu, necessariamente, a alterações nos sistemas de ocupação e uso dos solos agrícolas, quando o que sucedeu foi que as culturas e práticas agrícolas se mantiveram quase sempre (ou mesmo totalmente) idênticas ao que eram anteriormente. A melhor prova disso é o facto de quase 90% da superfície ocupada pela agricultura biológica em Portugal dizer respeito a culturas permanentes de sequeiro e a prados e pastagens permanentes, cujo modo de produção pouco ou nada se alterou em relação à situação de partida.
Um terceiro equívoco prende-se com a suposição de que a conversão de áreas ocupadas com agricultura convencional pelo MPB constitui uma contribuição relevante para a descarbonização da agricultura portuguesa, suposição esta que é falsa por duas razões diferentes. Por um lado, porque, pelas razões anteriormente referidas, a maioria da área ocupada pelo MPB em Portugal assenta em práticas agrícolas praticamente idênticas às utilizadas pela agricultura convencional. Por outro lado, porque a redução das emissões de GEE resultantes da menor utilização de adubos azotados sintéticos é, na maioria dos restantes casos, anulada por via das emissões decorrentes da utilização de adubos orgânicos e do aumento das áreas utilizadas resultante das perdas de produção que a expansão do MPB provoca. Por sua vez, a proibição da utilização de herbicidas, ao condicionar as práticas de não mobilização do solo, contribui negativamente para o seu teor de matéria orgânica e, consequentemente, para o respectivo processo de sequestro de CO2., para além de, em muitos casos, exigir um recurso adicional a máquinas e alfaias para combate a infestantes com o correspondente aumento de emissões de GEE.
Um quarto equívoco, largamente divulgado, é o de que uma dieta nutritiva e saudável terá que, necessariamente, basear-se em bens alimentares obtidos com base, apenas, em substâncias e processos biológicos. É, hoje em dia, cada vez mais consensual entre os especialistas em nutrição humana que se não pode afirmar que os alimentos biológicos são mais nutritivos ou mais saudáveis que os outros e que comprar ou não alimentos orgânicos é uma decisão pessoal e não uma recomendação do âmbito da saúde. Uma vez que, para além disso, os preços dos produtos biológicos são mais elevados, poder-se-á mesmo dizer que o seu consumo pode ser considerado como um “capricho” de alguns grupos sociais de países ricos, que tendo todo o direito em fazê-lo não devem, no entanto, os utilizar como justificação para uma quase “diabolização” dos restantes produtos alimentares.
- Os apoios ao MPB no contexto do PEPAC
Em meu entender, são três os aspectos mais relevantes dos apoios ao MPB aprovados pelo PEPAC 2023-2027.
Em primeiro lugar, o facto de tais apoios terem ficado incluídos no âmbito dos Pagamentos Eco-regime, o que representa uma sua “promoção” em relação ao período passado onde os apoios à agricultura biológica estavam integrados nas medidas agroambientais.
Em segundo lugar, o aumento muito significativo das verbas atribuídas aos apoios MPB no âmbito do PEPAC em relação ao período 2013-2020, do qual resultou um seu muito maior peso orçamental, quer em relação aos restantes Eco-regime, quer em relação ao conjunto dos apoios integrado na chamada Arquitectura Verde.
De facto, o valor médio anual das verbas atribuídas aos apoios ao MPB nos próximos cinco anos irá aumentar 223% em relação ao período 2013-2020, acréscimo este que contrasta com as reduções previstas para o PRODI (-19%) e para o conjunto das medidas de âmbito ambiental (-2%).
Neste contexto, o peso orçamental dos apoios ao MPB atingirá, no período 2023-2027, uma média anual cerca de 45% do conjunto do orçamento anual atribuído aos ER e 24% do conjunto das medidas da Arquitectura Verde.
Em terceiro lugar, as muito elevadas taxas de apoio unitário de que os produtores das diferentes culturas em MPB poderão vir a beneficiar nos próximos anos, que ultrapassam em muito as correspondentes taxas de apoio de que poderão vir a beneficiar os produtores PRODI, que são responsáveis por sistemas de produção agrícola também sustentáveis.
A justificação que é habitualmente dada a este diferencial muito significativo entre as taxas de apoio unitárias em causa está relacionada com as diferenças entre os respectivos custos de produção, os quais só são parcialmente compensados pelas diferenças nos preços no consumidor mais favoráveis para os produtos biológicos.
Se, como vimos anteriormente, aceitarmos que a Agricultura Biológica não corresponde aos únicos sistemas de produção sustentáveis e que os respectivos produtos biológicos não são nem mais nutritivos nem mais saudáveis do que muitos outros, não me parece justificarem-se as diferenças existentes entre as taxas de apoio unitário referidas, que deste modo representam, apenas, o facto de todos os contribuintes estarem a pagar decisões pessoais de um relativamente pequeno grupo de indivíduos.
Do ponto de vista económico o mais racional seria atribuir taxas de apoio idênticas aos diferentes sistemas de produção agrícolas sustentáveis (MPB, PRODI, Agricultura de conservação, PPP melhoradores, etc.) deixando para o mercado a formação dos respectivos preços de acordo com as preferências dos consumidores, em vez de, como actualmente no caso da Agricultura Biológica, pôr todos os contribuintes a pagar as preferências de um reduzido número de consumidores.
- Será que se justifica o elevado grau de prioridade atribuído à agricultura Biológica no contexto do PEPAC em Portugal?
No actual contexto de emergência climática e de crescente insegurança alimentar e dadas as características edafo-climáticas, sócio-estruturais e técnico-económicas da agricultura portuguesa, é muito discutível que se justifique atribuir um tão elevado grau de prioridade aos sistemas de produção agrícola em MPB, que:
- são menos produtivos;
- pouco ou nada contribuem para a neutralidade carbónica;
- têm custos unitários de produção mais elevados e, consequentemente, só serão viáveis se os preços no consumidor forem mais elevados;
- produzem bens alimentares que não são nem mais nutritivos nem mais saudáveis que os obtidos a partir de outros sistemas de produção agrícola sustentáveis.
Assim sendo, sou bastante crítico em relação, quer à meta dos 25% de SAU em MPB em 2030, quer ao sistema de apoios aos diferentes tipos de sistemas de produção ou práticas agrícolas proposto pelo PEPAC, por este discriminar favoravelmente o MPB em relação a outros modos de produção, quando do ponto de vista económico e ambiental nada o justifica.
Tudo o que acabo de afirmar, não põe em causa o papel positivo que sempre caberá à agricultura biológica e que, espero, possa vir a ser reforçado no futuro, num contexto de políticas públicas mais coerente e mais justo.
Professor Catedrático Emérito do ISA, UL e Coordenador Científico da AGRO.GES