Uma seca que já se prolonga por mais de três anos e temperaturas demasiado elevadas estão a asfixiar a Andaluzia, as suas culturas e produção de animais.
Os campos em Escacena del Campo, em Huelva, na região espanhola da Andaluzia, estão com um colorido a que é difícil resistir: há verde intenso, proveniente do grão-de-bico-branco, um ex libris da zona, e dos girassóis que constituem grande parte da produção local, mas há também enormes pedaços de terrenos de um dourado intenso, que salta dos campos de trigo-duro, que será usado para fazer sêmola.
É um contraste de cores quase idílico, até se falar com Antonio Tomás, da Cooperativa Campo de Tejadas, que, apontando os terrenos pintados de amarelo, diz: “Tudo isto deveria estar ainda verde.” A colheita do trigo, ali, está dada como praticamente perdida e o resto está dependente da chuva que possa surgir nas próximas semanas. A seca prolongada e as altas temperaturas estão a asfixiar a produção de gado e muitas culturas naquela região do Sul de Espanha.
Parece que não se pode falar com um agricultor andaluz sem que o termo “alterações climáticas” venha à baila. Se há quem tenha dúvidas sobre a sua veracidade, pode ouvir Antonio Tomás ou Gabriel Cabello, produtor de azeitona. Eles vão explicar-lhe como a Andaluzia está a assistir em directo a muitos dos efeitos que se têm dado como uma realidade para as próximas décadas, para a Península Ibérica: secas mais prolongadas, temperaturas mais elevadas, períodos de chuva mais curtos, mas de uma enorme intensidade. Os resultados, explicam, não são bonitos de se ver.
No caso do trigo dos campos de Escacena del Campo, o resultado é aquele que Antonio Tomás aperta entre os dedos, enquanto explica: “[A espiga] está seca, tem dois ou três grãos, quando devia ter 30 ou 40 e com o dobro ou o triplo do tamanho. Devemos ter 60% a 70% de perda na colheita”, conta. A razão é a mesma que no ano passado se ouvia aos agricultores da vinha no Douro: as elevadas temperaturas fizeram o fruto amadurecer demasiado rápido e este não teve tempo para se desenvolver como devia. Com três anos seguidos de perdas nas colheitas, por causa da falta de água — “mas não perdas tão elevadas como este ano”, refere o agricultor —, o calor excessivo que se tem vivido está a acrescentar o toque que faltava para o desastre.
Ali, a esperança dos agricultores reside nas outras culturas que partilham os terrenos de cada proprietário, e que ainda poderão ter resultados aceitáveis. Se chover. “Uma coisa é como estamos agora, outra é como estaremos daqui a dez dias. O trigo está perdido, mas ainda se poderia mudar algo na colheita do grão-de-bico e no girassol, se chovesse. Mas está mau, porque não há previsão de chuva a médio prazo”, conta Antonio Tomás. Com um sorriso, larga no chão a espiga dourada vazia de trigo e diz: “A agricultura é uma fábrica sem tecto, estamos sempre a olhar para o céu.”
Azeite com quebras, animais sem pasto
Em Herrera, na província de Sevilha, Gabriel Cabello, da cooperativa agro-pecuária local e produtor de azeitona e azeite, tem o olhar preso no mês de Maio. As oliveiras, cobertas de pequenas flores brancas, estão “espectaculares”, descreve. Embora haja alguns sinais preocupantes, que vai apontando enquanto segura delicadamente as minúsculas flores — há algumas já secas, outras vazias, sem sinal da azeitona que se há-de desenvolver nos próximos meses. Dessas flores já não sairá qualquer fruto. E entre as que têm já a despontar pequeníssimos frutos verdes, também não há garantias de que tudo corra bem.
“Levamos quatro anos de uma seca importante. O olival aguenta muito bem o calor, mas quando não tem hidratação, se não chove, sofre. Se não está hidratado, a produção do ano pode perder-se. A árvore não aguenta o peso das folhas e do fruto e, em Junho ou Julho, estes podem cair”, conta.
Ali, em 2022, as quebras já foram de 50%, e o preço da azeitona subiu muito, reflectindo-se no valor do azeite. Mas para este ano esperava-se uma boa colheita. Neste momento, perante mais um ano de seca e as ondas de calor que têm assolado a já normalmente quente Andaluzia (e toda a Espanha e também Portugal), ninguém aposta que tudo vá correr bem. “Se chover em Maio, podemos salvar […]