Como era a floresta portuguesa original?
Antes da última glaciação (glaciação de Würm, de 35 mil a 20 mil anos a.C.), a península ibérica tinha um clima subtropical e húmido e estava coberta por uma floresta de espécies lenhosas de folhas persistente, de composição semelhante à que hoje podemos encontrar em algumas zonas dos Açores, Madeira e Canárias: a floresta laurisilva. Este ecossistema da floresta portuguesa original, com espécies da família das Lauráceas como o loureiro (Laurus nobilis e Laurus azorica), o til (Ocotea foetens), o vinhático (Persea indica) e o barbuzano (Apollonias basrbujana), desapareceu de Portugal continental quando o clima ficou mais frio, dando lugar a uma floresta fagosilva, uma denominação que provém das espécies da família das fagáceas, como os carvalhos e o castanheiro, que passaram a predominar.
Depois das glaciações, as florestas tornaram-se mais densas e menos ricas em espécies, com os carvalhos em claro domínio. De acordo com a caracterização feita em “Arborização e desarborização em Portugal” (Vieira, 1991), a norte do Tejo dominavam espécies de folha perene (perenifólias), como o carvalho alvarinho (Quercus robur), o negral (Q. pyrenaica) e o cerquinho (Q. faginea), enquanto a sul do Tejo, o predomínio era das espécies de folha caduca (caducifólias) e xerófitas adaptadas à secura, como o sobreiro (Q. suber), a azinheira (Q. rotundifolia), a carvalhiça (Q. lusitanica) e o carrasco (Q. coccifera). Além de carvalhos, havia ainda vidoeiros (Betula celtiberica) e teixos (Taxus baccata L.) nas montanhas, e freixos (Fraxinus angustifolia), amieiros (Alnus glutinosa), ulmeiros (Ulmus minor Miller.) e salgueiros (Salix spp.) nas linhas de água.
No final do período glacial, quando a temperatura ainda era fria, existiam formações de pinheiros: pinheiro-silvestre (Pinus sylvestris) e pinheiro-bravo (P. pinaster) nas zonas litorais. Quando a temperatura se tornou mais seca, os pinhais entraram em declínio e os carvalhos de folha perene expandiram-se.
Os vestígios de intervenção humana na vegetação tornaram-se mais evidentes há cerca de 5 mil anos atrás e incidiram sobretudo nos carvalhos cerquinho (Q. faginea) e de monchique (Q. canariensis) e nos pinhais do litoral. A influência humana levou também ao declínio dos pinhais nas zonas montanhosas e ao aparecimento de espécies cultivadas, como o castanheiro, a oliveira, o sobreiro, a azinheira e a alfarroba.
Estima-se que a floresta natural intocada em Portugal represente hoje em dia menos de 1% da área florestal total do país, segundo o relatório State of Europe’s Forest 2015, o mais recente com informação desta natureza. A floresta portuguesa original é, por isso, muito diferente da que vemos atualmente.
Ainda existe floresta natural na Europa?
A diversidade e composição das florestas europeias foram tão influenciadas pelas atividades humanas, durante tantos séculos – essencialmente desde o Neolítico, há cinco milénios –, que a floresta natural na Europa se tornou raríssima (e mais ainda na União Europeia). Não se sabe, por isso, com um grau de certeza razoável qual seria a extensão e composição da florestal natural, já que a intervenção humana se tornou parte integrante e essencial da composição e conservação da floresta e dos seus diversos habitats.
As florestas do sul da Europa serão as mais antigas do continente, com formações menos influenciadas pelas glaciações. Por exemplo, em França, estima-se que cobrissem cerca de 80% do território no início da conquista romana, tendo diminuído para 15% em 1800, para voltar depois a aumentar acima dos 30%, segundo revela o trabalho de Falinski e Mortier.
Atualmente, estima-se que apenas cerca de 3% da floresta na europa (7,3 milhões de hectares) seja natural, sendo que a maioria destas florestas não tocadas pela intervenção humana se situa na Europa do norte e central, de acordo com dados do relatório State of Europe’s Forest 2015. De facto, a maioria da floresta portuguesa e europeia resulta de regimes seminaturais, onde se misturam diferentes espécies, algumas nativas e outras plantadas. Em Portugal, os regimes seminaturais representam cerca de 70% do total da floresta.
Segundo a mesma fonte, em Portugal, a floresta intocada deve representar menos de 1% da área total de floresta, enquanto em Espanha e na Alemanha se considera que não existe floresta natural e em Itália ela representará 1% do total. Na Europa e segundo o referido relatório, só a Geórgia considera a sua floresta como maioritariamente natural: 97,45%. Do lado inverso está a Islândia, com mais de 90% da floresta plantada, ou Malta, onde toda a floresta resulta de plantações.
Distribuição da floresta europeia por classes de naturalidade
Floresta Natural / Não alterada pelo ser humano | Floresta Seminatural | Floresta Plantada | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Região da Europa | Milhões de hectares | % da área florestal | Milhões de hectares | % da área florestal | Milhões de hectares | % da área florestal |
Norte | 2,9 | 4% | 66,5 | 94% | 1,3 | 2% |
Centro oeste | 0,1 | 0% | 32,3 | 84% | 6,1 | 16% |
Centro leste | 3 | 8% | 30,4 | 83% | 3,5 | 9% |
Sudoeste | 0,1 | 0% | 26,3 | 85% | 4,4 | 14% |
Sudeste | 1,2 | 5% | 18,4 | 79% | 4 | 16% |
EUROPA | 7,3 | 3% | 174 | 87% | 19,3 | 9% |
EU 28 | 3,1 | 4% | 134 | 89% | 12,9 | 9% |
Fonte: Relatório State of Europe’s Forest 2015 (quadro 44)
País | Área de floresta (1000 hectares) | Floresta natural /não alterada pelo ser humano | % de plantações | |
---|---|---|---|---|
Geórgia | 2822,40 | 2750,40 | 97,4% | 2,6% |
Federação Russa (2011) | 809090 | 256481,50 | 31,7% | 2,1% |
Liechtenstein | 7 | 1,70 | 24,3% | 4,3% |
Montenegro | 826,79 | 109 | 13,2% | 1,0% |
Suécia | 28073 | 2417 | 8,6% | 2,5% |
Albânia | 785 | 62 | 7,9% | 12,1% |
Chipre | 172,70 | 13,24 | 7,7% | 17,8% |
Turquia | 11942,96 | 913 | 7,6% | 28,4% |
Dinamarca | 612,26 | 34,11 | 5,6% | 75,8% |
Roménia | 852 | 283 | 4,1% | 66,8% |
Eslovénia | 1248 | 49 | 3,9% | 2,7% |
EUROPA | 230662,30 | 7624 | 3,3% | 10,8% |
Suíça | 1254 | 40 | 3,2% | 0,1% |
Estónia | 2231,95 | 58,48 | 2,6% | 0,2% |
Bielorrússia | 8633,50 | 134,80 | 1,6% | 25,0% |
Noruega | 160 | 160 | 1,3% | 0,0% |
Áustria | 3869 | 49 | 1,3% | 7,2% |
Eslováquia | 1940 | 24 | 1,2% | 1,0% |
Lituânia | 2180 | 26 | 1,2% | 0,0% |
Finlândia | 22217,50 | 230,20 | 1,0% | 30,5% |
Itália | 9297 | 93 | 1,0% | 6,9% |
Portugal | 3182,10 | 24,10 | 0,8% | 28,0% |
Polónia | 9435 | 59 | 0,6% | 0,6% |
Ucrânia | 9657 | 59 | 0,6% | 3,8% |
Letónia | 3356 | 15,81 | 0,5% | 0,3% |
República Checa | 2667,41 | 10,07 | 0,4% | 0,0% |
Croácia | 1922 | 7 | 0,4% | 5,3% |
Sérvia | 2720 | 1 | 0,0% | 7,9% |
Hungria | 1947,20 | 0,1 | 0,0% | 42,9% |
Bélgica | 683,40 | 0 | 0,0% | 60,6% |
Alemanha | 11419 | 0 | 0,0% | 0,0% |
Grécia | 3903 | 0 | 0,0% | 3,6% |
Islândia | 49,10 | 0 | 0,0% | 97,6% |
Luxemburgo | 86,80 | 0 | 0,0% | 32,6% |
Malta | 0,35 | 0 | 0,0% | 100,0% |
República da Moldávia | 40900 | 0 | 0,0% | 0,5% |
Holanda | 376 | 0 | 0,0% | 0,8% |
Espanha | 18417,87 | 0 | 0,0% | 15,8% |
Reino Unido | 3144 | 0 | 0,0% | 0,0% |
Quando começaram a plantar-se árvores?
As árvores têm sido plantadas desde há milhares de anos como fonte de madeira, alimento, combustível, abrigo ou por questões religiosas. A primeira espécie a ser selecionada e plantada terá sido a oliveira (Olea europaea), um arbusto espinhoso que crescia perto das costas da Síria e da Anatólia por volta de 4000 a.C. Variedades selecionadas desta espécies foram transportadas e cultivadas ao longo do Mediterrâneo, sendo a sua utilização como fonte de alimento e de óleo para as lâmpadas de barro conhecida na Grécia desde a civilização Minóica, por volta de 3 000 a.C. A figueira (Ficus carica) começou também a ser cultivada na região mediterrânica por volta de 4 000 a.C.
A mirra (Commiphora myrrha) foi introduzida no Egipto, vinda da Somália, em 1500 a.C. como fonte de perfume. Por volta de 400 a.C. Teofrasto refere plantações de incenso (Boswellia spp.) e mirra no sul da Arábia.
No sudoeste de França existem registos de plantações florestais por volta de 1500 e de plantações de pinheiros e outra vegetação para controlar o avanço das dunas antes de 1600.
A plantação de árvores é uma tradição ancestral na Ásia. Os chineses cultivam árvores de frutos e pinheiros por razões ornamentais, religiosas e cerimoniais desde 2000 a.C. Na Europa, a plantação de árvores foi desenvolvida para aumentar a regeneração e alterar a composição das áreas florestais. O primeiro registo de reflorestação artificial em larga escala na Europa data de 1368, quando a cidade de Nuremberga, na Alemanha, semeou várias centenas de hectares de terras queimadas com pinheiros, piceas e abetos.
Portugal foi pioneiro nas plantações florestais e remonta ao século XIII o início da plantação do pinhal de Leiria, por ordem do rei D. Afonso III. A plantação tinha como objetivo travar o avanço e a degradação das dunas, proteger a cidade de Leiria, o Castelo e os terrenos agrícolas. Mais tarde, entre 1279 e 1325, a área do pinhal foi aumentada substancialmente por ordem do rei D. Dinis I, com sementeiras de pinheiro-bravo ao longo da costa.
Alguns especialistas afirmam, mesmo, que a Europa Ocidental não tem atualmente floresta natural em resultado do seu desbaste intensivo até ao século XVIII. Por exemplo, os primeiros inventários florestais em Inglaterra registaram uma superfície florestal de 3%, um valor idêntico ao que teria Portugal na mesma época.
Já no século XVI, em Portugal, para fazer face às florestas delapidadas, a Lei das Árvores (1562) obrigava os municípios a mandar plantar árvores para madeira, indicando o pinheiro-bravo como uma das espécies a utilizar. Só no final do século XIX é que o saldo entre florestação e desarborização se tornou favorável à florestação.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.
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