A Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável notou hoje que os regadios públicos, ao industrializarem o espaço rural, estão a permitir aos utilizadores precários fugir a uma avaliação de impacte ambiental.
“A Zero constatou que os regadios públicos estão a promover uma autêntica reforma agrária com o objetivo de industrializar o espaço rural, permitindo que os utilizadores precários – usufrutuários de água proveniente dos aproveitamentos hidroagrícolas (AH) que se situam fora da área beneficiada – possam fugir à avaliação de impacte ambiental”, sublinhou a associação ambientalista, tendo por base dados da Direção Geral da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (DGADR).
No documento, a associação alertou também para o facto de o novo empreendimento hidroagrícola do Crato, previsto no Plano de Recuperação e Resiliência com 170 milhões de euros de investimento público, poder seguir “o mau exemplo dos restantes regadios públicos”.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), citados pela Zero, reportados ao recenseamento agrícola de 2019, os regadios ocupam uma área de 626.000 hectares, ou seja, 16% da superfície agrícola utilizada, mais 14,5% do que a área irrigável em 2016.
Os dados da DGADR, por sua vez, revelaram que, em 2020, dentro da área beneficiada pelos grandes regadios de iniciativa estatal, estava disponíveis mais de 57.000 hectares para rega.
“O regime jurídico das obras dos aproveitamentos hidroagrícolas estabelece a figura do ‘precário’: um usufrutuário que está fora da área beneficiada, mas que usa a água do aproveitamento hidroagrícola, ou seja, fora dos blocos aprovados para a fase de exploração em regime de regadio”, explicou a Zero.
O utilizador precário recebe assim a água mediante uma contratualização anual, um regime de exceção que não se adequa a culturas permanentes.
No entanto, os ambientalistas vincaram que este regime está a ser usado “de forma abusiva”, tendo em conta, que, em 2019, perto de um terço de toda a área regada pelos grandes AH estava abrangida por este regime.
Para a Zero, o regime precário para as culturas permanentes é uma prática “questionável”, tendo em conta que o compromisso excede o permitido, “estando subjacente uma garantia de disponibilidade de água plurianual para períodos que poderão exceder os 10 ou 15 anos”.
Adicionalmente, muitas áreas em regime precário não têm sido sujeitas a avaliações de impacte ambiental (AIA), ao contrário do que a legislação obriga.
A Zero referiu ainda que o Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA) favorece a agricultura industrial e a “financeirização do setor, orientando-o para a exportação”.
Esta situação leva à simplificação dos sistemas agrícolas em “poucas monoculturas com grande expressividade”, à artificialização da rede hidrográfica, ao desaparecimento de faixas, corredores e bolsas ecológicas, bem como ao favorecimento de “poucos atores que controlam as cadeias produtivas”, apontam os ambientalistas.
No mesmo sentido, a proposta de construção da barragem do Pisão e a infraestrutura do perímetro de rega nos concelhos do Crato, Alter do Chão, Portalegre, Avis e Fronteira segue a mesma ideia de desenvolvimento “que deu origem aos desastrosos resultados ambientais e sociais do EFMA”.
Em causa, de acordo com a associação, está a inundação de sete quilómetros quadrados de zonas naturais, o que vai levar à relocalização da aldeia do Pisão, e a criação de um perímetro de rega que conduzirá à conversão total do uso e ocupação do solo em mais de 9.000 hectares.
“[…] Também a barragem do Pisão tem vindo a ser promovida como a grande solução para combater o despovoamento e revitalizar as economias rurais, sem que haja qualquer evidência que aponte para esses efeitos”, acrescentou.
A associação disse ainda que a discussão de alternativas a novas obras hidroagrícolas tem ficado de fora e que a estratégia para o regadio não foi alvo de uma avaliação de impacte ambiental.