Como era previsível, a recente publicação das propostas da Comissão Europeia para as negociações do alargamento comunitário relançou o debate sobre a amplitude da reforma intercalar da PAC, pese embora a Comissão continue a defender que os dossiers terão de ser analisados de forma separada e que o alargamento não deverá contribuir para uma reforma profunda da Política Agrícola Comum. Para além do alargamento é necessário termos em linha de conta os aspectos relativos às negociações da Organização Mundial do Comércio, pelo que o reforço da posição comunitária passará pelo reforço das alianças com outros países, à luz das negociações em 2003. Será que todos estes condicionalismos irão determinar uma reforma profunda da PAC ou apenas um processo de ajustamento e de reorientação, consolidando as reformas precedentes e preparando o caminho para uma reforma mais profunda no médio e longo-prazo?
EUROPA – Enlargement websitePara alguns Estados-membros, liderados pela Holanda, a eventual adesão de 10 países em 2004, implicará uma revisão drástica e urgente das actuais regras da política agrícola. Para além destas questões, o debate está a ser marcado pelos problemas orçamentais, não se podendo ignorar as eleições programadas este ano em Portugal, França, Irlanda, Holanda e Alemanha. Para a Holanda, a reforma deve estar centrada na supressão das ajudas directas ao rendimento, um ponto de vista que está a colher apoios no Reino Unido, Suécia e alguns ecos na Alemanha e na Dinamarca. A posição da Alemanha tem sido relativamente clara: o alargamento da União deve ser utilizado para introduzir algumas alterações urgentes, como a modulação das ajudas, cuja poupança deve ser utilizada no reforço dos apoios ao desenvolvimento rural, considerado como segundo pilar da PAC e que representa apenas 10% das ajudas. No médio prazo, a Alemanha defende a eliminação das intervenções e do set-aside obrigatório, sendo ainda favorável a uma restrição da intervenção no centeio, produção altamente excedentária e cujos stocks públicos são maioritariamente da responsabilidade deste país. Para a França, dentro de 10 anos, com a integração dos novos países na União Europeia, torna-se necessário uma verdadeira reforma da PAC, que permita gerir as ajudas de outra forma, privilegiando o desenvolvimento rural relativamente às quantidades produzidas.
Para a Itália, devem ser mantidos os mecanismos de sustentação dos mercados, manifestando reservas quanto à modulação obrigatória das ajudas directas em favor de mais ajudas ao desenvolvimento rural e opondo-se a quaisquer tentativas de renacionalização da PAC. A Itália defende claramente que ” a política de mercado deve continuar a assumir-se como um instrumento crucial da política agrícola e deve absorver a maior fatia do orçamento da PAC”. “As medidas tradicionais no âmbito do designado como primeiro pilar da PAC (Organizações Comuns de Mercado) devem ser completadas por novas formas de apoios, os quais devem permitir a cada Estado-membro, de acordo com a subsidariedade, de afectar recursos suplementares para as explorações que valorizem aspectos ligados à qualidade, emprego e ambiente”. Para este país, a revisão intercalar da PAC representa uma oportunidade para se corrigirem desequilíbrios na atribuição das ajudas entre sectores e entre os Estados-membros, eliminando as distorções actuais. O memorando italiano refere que a Itália tem sido fortemente penalizada pelos financiamentos da PAC, uma vez que a sua agricultura representa 16% da produção comunitária e que não recebe mais do que 11 a 12% das ajudas do FEOGA. É ainda referida a revisão da política seguida no domínio das proteínas vegetais, sugerindo-se uma diferenciação entre os apoios concedidos às oleoproteaginosas e os subsídios aos cereais. Para o sector da carne de bovino, é proposta a eliminação dos desequilíbrios actuais entre os Estados-membros, agravados pelos envelopes nacionais. No sector do leite, defendem o regime de quotas até 2007/2008 mas entendem que são necessários importantes ajustamentos nas regras actuais, a fim de preparar o abandono do sistema de quotas.
A Espanha, enquanto presidente em exercício da União Europeia, apresentou igualmente uma reflexão sobre a reforma, defendendo uma reorientação das ajudas concedidas aos produtores e insiste na necessidade de se aplicar, no domínio agrícola, o princípio da “coesão”, ou seja, maiores vantagens para as regiões e Estados-membros menos desenvolvidos no plano económico. É o caso das quotas e dos prémios aos bovinos, fixação dos rendimentos históricos ao sector das culturas arvenses, compromissos do GATT ou critérios ligados ao desenvolvimento rural (segundo pilar da PAC), sendo necessário reduzir as ajudas ligadas ao suporte dos mercados para compensar o desenvolvimento rural. Para a Espanha, é evidente que a redução das ajudas tenderá a favorecer as agriculturas mais desenvolvidas e competitivas, pelo que a coesão e modulação obrigatória das ajudas contribuirá para que a PAC seja mais homogénea e credível. No longo prazo, após 2006 e tendo em conta as implicações do alargamento e da OMC, a reorientação das ajudas determinará que a separação das ajudas do rendimento por hectare ou por cabeça constitui um elemento de coesão e será obrigatória em virtude dos compromissos da OMC. Esta evolução permitirá encarar “uma nova forma de ajudas consagradas como uma compensação global para as actividades agrícolas, num modelo agrícola europeu baseado na multifuncionalidade”. A Comissão Europeia não deixará de ter em linha de conta estes contributos e reflexões para a apresentação do seu próprio documento de reflexão, aguardado para o próximo mês de Junho.
A posição de Portugal é desde há muito conhecida e aposta numa reforma profunda mas tranquila, com um sistema de ajudas à exploração e baseada em 4 aspectos fundamentais: apoio ao rendimento discriminando factores pela positiva; premiar o contributo dos agricultores em termos de qualidade, ambiente e desenvolvimento rural; apoiar a especificidade da agricultura, tendo em conta o risco da actividade e assegurando a estabilização do rendimento dos agricultores (estabilização do rendimento e não de preços); manutenção do princípio da preferência comunitária. Numa altura em que irão decorrer eleições legislativas, desconhecemos se será este o caminho a seguir, tanto mais que a proposta portuguesa mereceu fortes críticas do principal partido da oposição e de algumas organizações agrícolas.
As organizações europeias vão elas próprias elaborando as suas reflexões, no sentido de influenciarem o processo de revisão da PAC. De um modo geral, tendo presentes as recentes polémicas relativas à segurança alimentar (BSE, dioxinas, febre aftosa) a prioridade aponta para as questões relativas à qualidade dos produtos, diferenciando-se a qualidade enquanto satisfação das necessidades do consumidor, da qualidade ligada ao processo de fabrico. Para a FEFAC, num documento subscrito e discutido pela IACA, a qualidade deve ser considerada como o terceiro pilar da PAC, defendendo-se ainda uma maior fluidez no mercado dos cereais (diminuição dos preços de intervenção, supressão das majorações mensais, restrições na intervenção), a criação de condições que permitam uma inversão do elevado déficit europeu (da ordem dos 75%) ao nível das oleoproteaginosas e a consolidação das reformas precedentes. O problema das importações de países terceiros é outra prioridade, considerando-se que as importações deverão ter as mesmas regras impostas aos produtos comunitários, de forma a evitar-se distorções de concorrência. Para a CIAA, Confederação das Indústrias Agro-Alimentares da União Europeia, a mensagem da reforma intercalar da PAC, deverá centrar-se em 5 grandes linhas: a política agrícola deve ser igualmente alimentar, deve ser coerente com as outras políticas, a agricultura durável não deve pôr em causa a competitividade da indústria, a segurança alimentar não deve ser negociável, tem de ser garantida a necessidade de aprovisionamento à indústria e deve ter-se em linha de conta o princípio da solidariedade financeira, evitando-se a renacionalização da PAC. A FIPA apresentou igualmente algumas alterações ao documento da CIAA, defendendo o reforço da sustentabilidade da agricultura e o desenvolvimento rural como segundo pilar da PAC, cuja revisão deve criar condições que assegurem a competitividade da indústria agro-alimentar. Deve ainda separar-se a noção da qualidade, enquanto preferência dos consumidores, da qualidade ligada ao processo de fabrico e à segurança alimentar (inocuidade) dos alimentos, pelo que a qualidade deve assumir-se como o terceiro pilar da PAC.
Enquanto a maior parte dos candidatos à Adesão já recusaram as propostas da Comissão sobre o alargamento, alegando insuficiência das ajudas, os Estados-membros considerados como contribuintes líquidos, recusam igualmente a proposta, considerando-a demasiado generosa e defendendo que as ajudas directas não devem ser atribuídas antes de 2007. Para a Comissão, negociar a adesão sem ajudas directas é políticamente impossível. Neste quadro, de fortes pressões e de grandes restrições orçamentais, parece claro que a reforma intercalar da PAC será isso mesmo, uma reforma a meio do percurso com ajustamentos ao nível dos cereais (centeio e eventuais reduções de preços) e no sector da carne de bovino, imposição da modulação, qualidade e reforço das ajudas ao desenvolvimento rural. Até porque convêm não esquecer que a política europeia sempre foi uma política de “pequenos passos”…
Jaime Piçarra
Engenheiro Agrónomo
Assessor da IACA – Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais