“A minha questão é prática: como é se que faz para assegurar que quem recebe o dinheiro mantém o seu terreno florestal com menos de 50 cm de altura. Quando é que se paga? Como é que se fiscaliza? Como é que se evita que o dinheiro vá para bagaço e raspadinhas, sem que se consiga recuperá-lo. É como a descida do IRC, medida que, em tese, apoio totalmente, mas, que, na prática, dado que os únicos que declaram lucros tributáveis relevantes são a grande distribuição, as empresas de telecomunicações, as instituições financeiras e os “monopólios naturais”, acabará por redundar num bodo a quem menos precisa (a não ser que se acredite na “trickle down economics”)”.
Primeiro um comentário ideológico geral, depois as questões práticas.
Quem comenta parte do princípio de que ganhar dinheiro com o seu esforço não é um direito fundamental e que os impostos não são uma expropriação de parte dos resultados desse esforço que o Estado deve justificar, pelo contrário, considera a riqueza criada no país como sendo do Estado que, com mais ou menos generosidade, permite aos privados que fiquem com a parte que o Estado entende que é adequada.
É essa concepção que permite a ideia, partilhada entre o Bloco de Esquerda e o Chega, de que baixar impostos é “um bodo a quem menos precisa”, e não uma decisão do Estado de baixar o nível de expropriação que pratica sobre a riqueza legitimamente criada por terceiros.
Eu não estou de acordo.
Vamos então às questões práticas.
Eu percebo as dúvidas sobre a capacidade do Estado português em executar uma operação simples de pagamento de um serviço verificável, mantendo um nível de fraude razoável.
O que acho verdadeiramente notável é que haja tanta gente que, partilhando estas dúvidas ao ponto de rejeitar a proposta simples que faço, e reconhecendo, simultaneamente, o interesse geral em ganhar controlo sobre o fogo, conclui que o ideal é o Estado adoptar políticas imensamente mais sofisticadas e complexas que incluem definir o que é o bem comum, espacializá-lo, identificar constrangimentos administrativos e de propriedade para a materialização desse bem comum, afastar esses constrangimentos através de políticas públicas sensatas, desenhar programas à prova de fraude, definir apoios para quem alinhe em fazer o que convém ao bem comum, mesmo que não lhe convenha a si, pagar previamente para que as pessoas façam o que o Estado acha que corresponde ao bem comum e, no fim, obter um resultado perfeito.
Eu, a quem falta grandeza para ver um futuro radioso nas intervenções tuteladas pelo Estado, acho que mais vale uma solução simples e parcialmente eficaz, a uma solução perfeita orientada para amanhãs que cantam.
Entre outras razões porque a minha insistência em ideias simples já influenciaram (parcialmente, não me vou pôr aqui em bicos de pés a dizer que inventei a roda, mas como alguns responsáveis pelo desenho da aplicação dessas ideias tiveram a amabilidade de falar comigo sobre elas, sei bem que influenciaram de facto essas experiências) dois programas estatais, o das cabras sapadoras e os dos vales floresta, que foram péssimas aplicações de boas ideias, exactamente porque o foco foi mudado do interesse individual de cada um dos gestores de paisagem para uma ideia abstracta de interesse colectivo, como condição prévia de aplicação das ideias.
Resumindo, a proposta que tenho vindo a defender deve partir dos seguintes princípios:
1) É só um contributo para se ganhar controlo sobre o fogo, não é uma solução mágica (por exemplo, grande parte do interesse da gestão de biomassa fina desaparece pelo facto da doutrina de combate estar centrada na defesa de pessoas e bens, sendo muito frágil a parte do dispositivo de combate que se centra na identificação e utilização das oportunidades criadas pela gestão durante o combate);
2) A proposta deve centrar-se no interesse individual dos gestores de paisagem e não na definição estratégica da optimização de custo/ benefício, opção cuja aplicação tem tido resultados desastrosos nos últimos anos, com gastos brutais de recursos em acções que o Estado considera estratégicas e cuja avaliação demonstra terem um efeito marginal;
3) A base de aplicação não é a criação de uma situação nova de gestão onde ela não existe por manifesta irracionalidade económica, mas sim a expansão das actividades que já hoje existem e fazem gestão de combustíveis (sim, eu conheço a objecção mesquinha que quer imediatamente afastar de qualquer pagamento de gestão as actividades que já hoje são competitivas, mas sugiro que se dediquem a essas actividades, se acham que são muito rentáveis, para perceber melhor as razões pelas quais o pagamento do serviço de gestão de combustíveis pelos contribuintes, a que Pedro Braz Teixeira chama aqui de subsídio à gestão, é uma questão chave para a expansão dessas actividades e alargamento da área de espaço florestal gerida);
4) O modelo de aplicação tem de ser simples e não implicar acções prévias da administração que demoram eternidades.
É por isso que a proposta que defendo é simples, aceitando-se um nível de fraude que é preciso gerir, para a manter simples.
Alguém tem o seu terreno com menos de 50 cm altura de biomassa fina, sejam quais forem as razões que levaram esse gestor a obter esse resultado.
Identifica a parcela, identifica-se a si, fotografa, entrega os elementos no balcão de atendimento (pode ser um Estado, mas também pode ser qualquer associação florestal ou de outro tipo que tenha contratado com o Estado a sua participação no sistema) e recebe imediatamente 100 euros por hectare, ficando ciente de que, para a mesma parcela, não pode voltar a receber esse dinheiro nos três anos seguintes (ou no período que se entender adequado).
Passado o período definido, pode voltar ao mesmo sítio e repetir o pedido de pagamento, recebendo de imediato.
Este modelo é permeável à fraude?
Sim, com certeza, como qualquer modelo, por mais complexo que seja (se alguém tiver dúvidas, estudar o caso BES).
O Estado, directamente ou por acordo com terceiros, verifica por amostragem a realidade, escolhendo x% de pagamentos para verificação (nada do outro mundo, é assim que são verificados os pagamentos da Política Agrícola Comum).
As regras de aplicação devem implicar a irradiação do sistema, por um período alargado, de quaisquer intervenientes que façam falsas declarações, sejam os gestores de paisagens, sejam os níveis intermédios de pagamento e verificação (provavelmente incluindo a proibição de acesso a outros fundos públicos).
É completamente irrelevante se o gestor de paisagem sai do balcão de atendimento e vai gastar o dinheiro em bagaço e raspadinhas, desde que tenha menos de 50 cm no seu terreno, recebe dinheiro para fazer o que quiser.
Irradiar alguém do sistema impedindo o seu acesso não permite recuperar o dinheiro que tenha sido devidamente pago através de práticas fraudulentas?
Não, não permite, mas isso decorre da lei geral e, nos casos em que se justifique, o Estado deve exercer o seu direito de recuperação desse dinheiro pela via judicial normal, a ideia central de redução da fraude para niveis suportáveis assenta no elevado risco de ser excluído do sistema (eventualmente do acesso a outros fundos públicos) para desincentivar as tentativas.
Simples e directamente orientada para pagar um serviço de interesse geral, alinhando o seu pagamento com o interesse individual de cada gestor da paisagem.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.