Valada do Ribatejo recebe, de 7 a 9 de Setembro, a Agroglobal, o maior certame profissional agrícola em Portugal, onde os operadores do setor voltam a reunir-se para apresentar tecnologias inovadoras, partilhar conhecimento, realizar negócios e debater o futuro da agricultura portuguesa.
Em entrevista à Gazeta Rural, Joaquim Pedro Torres, da Valinveste, entidade promotora da feira, diz que a Agroglobal “é uma feira diferente das outras em termos de organização”, pois “quem a faz são os expositores” e “onde há muita transferência de conhecimento”. O interesse no certame é tal, que o número de expositores subiu em relação à última edição presencial, em 2019.
Gazeta Rural (GR): Foi difícil organizar esta edição da Agroglobal?
Joaquim Pedro Torres (JPT): Claro que foi difícil, pois uma feira destas começa-se a preparar com bastante antecedência, porque há muita ligação que tem que se criar entre a organização e os expositores. É uma feira dinâmica, em que as várias ações têm que ser trabalhadas e preparadas, desde logo no campo, com culturas que são preparadas muito tempo antes, mas, como sabe, vivíamos tempos de grandes incertezas. Por isso, esta feira é diferente das outras em termos de organização.
No entanto, e esse aspeto é o mais relevante, mas também o mais motivador, – e estamos a situar-nos algures em Março de 2021, – foi ver que todas as empresas envolvidas nos ensaios de campo, e são muitas (sementes, agroquímicos, plantas, viveiros, etc.), disseram desde logo ‘presente’ e avançaram com os ensaios de campo.
A situação foi melhorando e algumas pessoas, que no início tinham mais dificuldade em acreditar que houvesse condições para a realização da feira, começaram a perceber que era possível e hoje, felizmente, temos uma Agroglobal com mais expositores que na última edição. Em 2019 tivemos cerca de 390 expositores e este ano temos 420 inscritos e há sempre aqueles que aparecem à última da hora, embora tenhamos a planta perfeitamente definida e os espaços praticamente fechados e marcados.
Portanto, foi diferente, difícil e motivador, porque todos avançámos numa situação que era menos simples de abordar e de antever o momento que vivemos hoje.
“Há muita transferência de conhecimento na Agroglobal”
GR: Esse aumento de expositores significa também o crescente interesse pelo setor primário?
JPT: Quem faz esta feira são os expositores. A organização funciona apenas como elemento agregador e organizador de espaços. As empresas é que apresentam as suas novidades, contactam umas com as outras, debatem temas de interesse comum e querem contactar com os agricultores. Essa situação nunca deixou de existir.
A agricultura é indispensável, mas a produção agrícola não são só os agricultores, mas sim um conjunto grande de empresas a montante e a jusante da produção agrícola, que trabalham para que os produtos alimentares e outros, produzidos pela agricultura, cheguem ao consumidor e essas empresas continuaram sempre a funcionar em Portugal e nos outros países.
Sou capaz de dizer que este crescendo de interesse é natural. A Agroglobal foi trilhando o seu caminho, foi ganhando o seu espaço, as empresas vão-se chegando e vão sentindo que há muita matéria para fazer negócio, no sentido de criar valor, porque há muitas empresas com necessidades, outras com capacidades e, por isso, há muita sinergia a potenciar.
Há muita transferência de conhecimento na Agroglobal, desde logo das empresas que estão presentes, que trabalham ano após ano para desenvolverem os seus produtos, para os tornarem mais modernos e eficientes, juntamente com os agricultores, que transportam para a feira os empresários agrícolas e o conhecimento de gerações. Este conjunto é um campo de cultura ideal para o nascimento de novas ideias. Cada ideia que nasce ramifica-se e dá origem a mais possibilidades, a mais pontos de contacto entre empresas, a novas ideias e novos negócios, numa espiral, num turbilhão, que ali, de forma presencial, se consegue e que no virtual (edição de 2020 da Agroglobal) não resulta. Portanto, as empresas, perante esta possibilidade de voltarem a reunir-se de forma presencial, responderam afirmativamente.
GR: Que perspetiva tem para esta edição?
JPT: São boas. Como já disse, quem faz esta feira são as empresas e essas marcam presença em grande número, além de que não se cobram bilhetes à entrada. Esta feira é exclusivamente feita e paga pelos expositores.
GR: Há uma grande afluência de decisores políticos, com responsabilidades no país e na Europa, à Agroglobal. É um sinal da relevância do certame?
JPT: Face a uma concentração tão grande da fileira, o poder político aproxima-se, e nós gostamos disso, pois têm aqui a possibilidade de sentir a situação atual e o pulso do país agrícola.
Temos sempre a presença de vários membros do Governo e já cá tivemos o ministro da Agricultura de Espanha, um Comissário Europeu da Agricultura, que não tendo podido viajar, interveio de forma virtual. Este ano vamos ter a presença dos Ministros da Agricultura, da Ciência e Tecnologia e do Planeamento, bem como de vários Secretários de Estado.
É muito importante para nós e para os agricultores que os decisores políticos sintam o que se passa no setor e o muito que ainda podemos fazer para o melhorar, se conseguirmos abordar de frente os factores que o estrangulam e impedem que continuemos a crescer a um ritmo mais rápido.
Pensamos que o setor pode dar muito a este país, pelo que este encontro e esta troca de conhecimento, entre quem atua na terra e toma as decisões políticas, é muito importante.
GR: Esta Agroglobal é como voltar à vida… normal?
JPT: É o regresso à vida real presencial, pois houve alguns setores que sentiram na pele estes tempos que vivemos, mas a agricultura, nesse aspeto, até se pode considerar um setor privilegiado, pois pôde sempre continuar a trabalhar. Agora é diferente. Depois deste período difícil, voltarmos a encontrar-nos e a trocar ideias.
A Agroglobal também tem uma linha editorial, que resulta de uma relação muito estreita e de construir essa linha com as ideias dos nossos expositores e fazê-las ver ao poder politico, trocarmos impressões, falar com ‘opinion makers’ que nos visitam, porque por um lado refrescam as nossas ideias, mas por outro, ficam a conhecer um pouco mais de um setor que hoje nem sempre é bem tratado na opinião publica. Sabe que há um escrutínio muito forte relativamente às questões ambientais e à agricultura, do meu ponto de vista, por vezes, com algum exagero, porque o setor agrícola há muito que dá provas que é ambientalmente muito consciente, mas que não pode abdicar do enorme desafio que tem pela frente, que é a necessidade de produzir mais alimentos, num planeta que cresce em população a um ritmo muito acelerado, onde ainda se morre à fome, e esse é um desafio a que os agricultores não se podem alhear. Isto tem que ser compaginado com as exigências ambientais a que hoje qualquer atividade está sujeita e obrigada a respeitar, mas isso para nós não é novidade, porque esse caminho tem vindo a ser feito desde há muito a esta parte, o desenvolvimento e melhoria da eficiência na agricultura é notório.
Devo dizer-lhe que ao nível da minha exploração agrícola, que é a que conheço melhor, essa avaliação está feita, e o mesmo se passa nas outras. Hoje somos duplamente eficientes, ou seja, produzimos o mesmo com metade do investimento energético anteriormente necessário. Esse caminho continua a ser trilhado, mas há muito para fazer no domínio de um país que não queremos que tenha uma assimetria tão grande entre o interior e o litoral.
Sabemos muito bem o papel que a agricultura pode desempenhar nesse desenho de um país que queremos novo e a importância da água para permitir esse desenvolvimento. Temos exemplos recentes que o provam, de regiões que caminhavam para uma situação de definhamento e menor desenvolvimento, e que hoje, com a água, se transformaram e têm uma agricultura eficiente que mobiliza muitos outros setores, como serviços, turismo, empresas de apoio à produção agrícola, etc.
O artigo foi publicado originalmente em Gazeta Rural.
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