Teste para usar rebanhos na controlo de vegetação, no âmbito do projeto Life Lungs, acabou esta semana. Depois das hortas urbanas, a capital vai aumentar as áreas de prados biodiversos para 10 hectares até ao fim do ano e a semente espalha-se. As cidades estão prontas para menos relva?
Para o rebanho da Quinta Pedagógica dos Olivais é mais uma manhã a pastar fora de casa mas não muito longe, no Parque da Bela Vista: começaram pelas 9h, já “limparam” uma boa área, há duas ovelhas deitadas debaixo de uma oliveira e as outras hão de acompanhá-las na “sesta”, até voltarem de novo ao serviço. Catarina e Mónica, as pastoras de serviço, engenheiras zootécnicas, descrevem os hábitos do grupo de animais de que cuidaram nos últimos meses: se for preciso, até ao final do dia comem tanto como de manhã, agora menos porque a vegetação está mais seca, fibrosa e dá mais trabalho a mastigar. Entre gramíneas altas, há flores lilases, chicória, e dessas não se aproximam tanto – têm alguma toxicidade e os animais, mesmo os da cidade, sabem que é assim. Se faz mais sol ficam mais paradas e juntam-se num círculo, outro instinto. “É engraçado porque às vezes as pessoas vinham perguntar-nos se as ovelhas estavam bem, é assim”, explicam.
Para o projeto Life Lungs, parte da estratégia municipal de adaptação de Lisboa às alterações climáticas, é o final de um teste-piloto para tentar perceber até que ponto poderá ser viável usar ovelhas na equação de adaptar uma cidade a um cenário de maior escassez de água e conseguir ecossistemas mais sustentáveis. “É um balanço positivo, mas agora temos de avaliar os resultados e perceber como é que pode ser sustentável para uma autarquia ter este tipo de intervenção”, explica Inês Freire, engenheira do ambiente e diretora do Life Lungs.
Na senda de adaptar as cidades às alterações climáticas, a ideia do projeto lançado em 2019 com um orçamento de 2,7 milhões de euros – financiado em 55% por fundos comunitários – passa por adaptar os espaços verdes da cidade e reforçar o combate às ilhas de calor, que fazem com que os centros urbanos mais densos sejam mais quentes que as periferias. Aqui, na zona de oriental de Lisboa, testa-se a substituição de relvados e baldios por prados de sequeiro, em que se respeita o ciclo natural das plantas, sem necessidade de rega. As ovelhas entram no controlo não mecânico da vegetação, com menor pegada ecológica do que o recurso a máquinas movidas a gasolina. Ao mesmo tempo, com o estrume, enriquecem o solo. Favorece-se a polinização: há mais insetos, que ajudam no combate de pragas urbanas. Há um revés, os prados não estão verdes todo o ano: as cidades e os munícipes aceitarão? Há o receio de insetos como carraças, o que exige controlo. E há uma mudança na paisagem a explicar a quem passa.
Para a última saída de campo, que aconteceu esta semana na segunda-feira, a autarquia convidou técnicos de outros municípios da grande Lisboa, alguns com experiências de prados “urbanos” há vários anos. Vieram do Seixal, Loures, Sesimbra, Cascais, da junta de Freguesia da Penha de França, de Palmela e Oeiras. No círculo de técnicos ambientais, esse choque com a mudança de paradigma é um dos desabafos: em termos ambientais faz sentido, mas é uma mudança nem sempre apoiada pela população, que gosta de relva (mesmo quando depois busca a natureza fora de portas), e pelos autarcas, que recebem as reclamações. A partir deste primeiro encontro, o Life Lungs quer criar um fórum de partilha de experiências, soluções e estratégias em que os resultados de Lisboa possam ser usados por outros municípios e pensar-se em conjunto soluções. Teriam as cidades bolsas de pastores? Como comunicar a mudança?
Para já, a autarquia aposta em publicações nas redes sociais e em sinalética que explica que um prado biodiverso é assim mesmo: amarelo no verão, verde no outono e inverno e de todas as cores na primavera. “É quando o prado está mais bonito”, resume Inês. A dificuldade é explicar que quando não está, não está abandonado e encontrar um equilíbrio na intervenção.
Na capital, é também o início, atrapalhado em 2020 pela pandemia. No final de 2019 foram convertidos os primeiros 2,6 hectares de prados biodiversos em áreas não relvadas que já existiam na Bela Vista. Além das gramíneas, mais abundantes, semearam-se seis espécies de trevo ou por exemplo sula, leguminosa que dá uma flor vermelha. Até ao final do ano será semeado o que falta para atingir a meta de 10 hectares estipulada no projeto Life Lungs, entre o parque da Bela Vista e o Alto da Ajuda, prevendo-se testar-se também a aplicação em áreas de alta pressão, nomeadamente na zona do parque onde decorre o Rock in Rio de