Falar hoje de Qualidade deve ter por base uma abordagem holística e uma visão que vai muito mais para além da Indústria da alimentação animal, fixando-se igualmente nas explorações agrícolas, na pecuária (Boas Práticas) e na indústria agroalimentar.
Qualidade como conceito de segurança, de confiança, de afirmação num mercado que exige cada vez mais sustentabilidade e proteção dos consumidores. Tudo começa, de facto no produtor e na qualidade das matérias-primas que são fornecidas à Indústria, em particular o milho, já que a maior parte deste produto é canalizado para a alimentação animal. E o ano de 2013 foi um ano particularmente complicado devido a vários alertas no RASFF de contaminações de milho por aflatoxinas, aspeto que deve merecer da parte de todos os operadores uma atenção muito especial, pelo impacto negativo que daí decorre para toda a cadeia alimentar.
Olhando para o historial da IACA, nos Relatórios de finais da década de 70, as empresas interrogavam-se “como se poderia responsabilizar um setor pela qualidade dos produtos que fabrica, se não tem possibilidade de escolha das matérias-primas que utiliza, nem lhe tem sido permitido participar na aquisição das mesmas?” Perguntava-se ainda qual “tem sido a preocupação das entidades responsáveis sobre a qualidade das matérias-primas que são distribuídas à Indústria?”
É evidente que o contexto mudou de forma significativa desde então.
A integração na Comunidade alargou os mercados, reduziu a proteção nas fronteiras, expôs-nos à concorrência mas liberalizou e diversificou o aprovisionamento de matérias-primas para a alimentação animal. As crises alimentares, amplificadas pelos media e pelas ONG que foram surgindo, antiglobalização, “ a favor da ecologia e do ambiente”, da extensificação, a complexidade dos circuitos de produção e de distribuição, criaram uma imagem negativa das produções intensivas (ecologicamente eficientes como, felizmente, começam a ser hoje conhecidas) junto dos consumidores e da opinião pública. Por outro lado, surgiram maiores exigências por parte da Sociedade, legislação muito restritiva do ponto de vista da segurança alimentar a partir de Bruxelas e o nosso Setor passou da dependência da Agricultura (DG AGRI) para a Proteção e Saúde dos Consumidores (DG SANCO). Todos estes condicionantes significam maiores custos mas também mais responsabilidade.
No entanto, a nova visão da produção de alimentos na União Europeia trouxe alguns aspetos positivos: desde logo, a noção de que a alimentação animal é essencial para a saúde e bem-estar dos animais, bem como para a segurança dos produtos de origem animal, com consequências na saúde e na proteção dos consumidores; em segundo lugar e não menos importante, que existe uma cadeia alimentar, em que todos somos corresponsáveis, ou seja, exige-se uma responsabilidade e seriedade partilhadas, por todos os operadores, na Fileira da Alimentação Animal, o que inclui naturalmente os fornecedores de matérias-primas, sejam importadores ou produtores agrícolas.
Perante as crises que vão surgindo e cuja gestão, nem sempre eficaz e lúcida da parte das autoridades, não raras vezes confundindo os consumidores, sem quaisquer culpas que possam ser atribuídas à nossa Indústria e perante uma legislação que não é aplicável da mesma forma na União Europeia e nos principais países exportadores de matérias-primas, com uma cultura de Administração Pública mais liberal e que responsabiliza as empresas, as questões colocadas pela IACA em finais dos anos 70, ganham a mesma atualidade mas agora maior importância porque a Qualidade não tem, nestes tempos modernos, a mesma dimensão de então. Hoje, e nestes tempos de particular exigência, é o mínimo a que uma empresa pode aspirar se quiser estar no mercado e é mais do que essencial: é, simplesmente, um valor inegociável.
A Indústria tem de exigir padrões de qualidade das matérias-primas, que assegurem os objetivos das empresas, ao nível da segurança dos produtos que fabricam, potenciando a imagem e qualidade dos alimentos e a competitividade dos seus clientes.
Num mercado cada vez mais volátil e com um reduzido número de operadores na cadeia de fornecimento, a qualidade, parametrização das matérias-primas, Fichas Técnicas e a eventual revisão de contratos de aquisição, são determinantes para alterar eventuais comportamentos e práticas comerciais.
Nesta perspetiva, projetos como o QUALIACA, onde pretendemos avaliar e monitorizar a qualidade, e os Códigos de Boas Práticas, Manuais e Recomendações fazem todo o sentido, bem como uma maior cumplicidade com as Autoridades. É da forma como nos relacionarmos e das exigências que formos capazes de assumir para o futuro relativamente aos nossos fornecedores, que dependerá muito do nosso sucesso como Setor.
Daí que a qualidade e segurança da oferta de matérias-primas, sobretudo a produção nacional que devemos potenciar, para reduzir o nível de dependência e de exposição ao exterior, sejam essenciais para o futuro da Fileira Pecuária em Portugal, mas também para os próprios Agricultores. Até porque, sem uma Fileira forte e organizada, cumpridora mas exigente, nada disto vale a pena. Afinal de contas, muitos dos estrangulamentos dependem, em grande parte, de nós próprios e do que queremos ser no futuro.
Jaime Piçarra
(Engº Agrónomo)
Secretário-Geral da IACA – Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais
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