Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), diz que o acesso à água em qualidade e em quantidade deve ser uma das prioridades para a agricultura da região.
E isso passa por um maior aproveitamento do Tejo. Vê com bons olhos a introdução de novas culturas, como a canábis, e diz que os casos de exploração de mão-de-obra imigrante na agricultura são pontuais e condenáveis. Segunda parte da entrevista dada a O MIRANTE.
Vem aí muito dinheiro da União Europeia para a agricultura. O que espera da sua aplicação?
O dinheiro que vem para a agricultura é da Política Agrícola Comum (PAC) e espero que o novo desenho da PAC seja vocacionado para aquilo que tem feito desde o início: fomentar e ajudar os agricultores a obter rendimento de uma actividade envolta em comércio mundial e onde nem sempre é fácil valer os preços dos produtos, para poder potenciar o rendimento sobre os agricultores.
Quais devem ser as prioridades nesse âmbito?
A grande novidade deste pacote que aí vem é uma preocupação ambiental diferente da situação anterior. O green deal, a protecção da diversidade são objectivos que ultrapassam a actividade agrícola e que a PAC vai contemplar.
A nossa agricultura está apta a responder a esses desafios?
Creio que sim mas precisa de ser adaptada à forma como os agricultores portugueses fazem agricultura. O nosso território é muito variado, há muitos modelos de agricultura e a PAC, desta vez, através dos planos estratégicos que a União Europeia permite, vai possibilitar aos países adaptarem as condições globais às condições específicas de cada território. Há um desafio muito grande às autoridades nacionais, que devem, em conjugação com os representantes dos agricultores, encontrar as medidas adequadas, para que haja equidade e objectividade para promover o rendimento dos agricultores e proteger o consumidor.
Casar a agricultura com o meio ambiente nem sempre é fácil. A cultura intensiva de algumas espécies, como o olival na zona de regadio do Alqueva, tem sido criticada, até pela modificação que causa na paisagem. O que pensa disso e da aposta em novas culturas no Ribatejo.
Há que ter noção que a paisagem natural não existe há muitas centenas de anos no nosso país, nem sequer na Europa. A presença do Homem modifica qualquer paisagem. A primeira grande modificação de paisagem que se verificou em Portugal, e que ninguém critica, e bem, foi no Douro. Quando se fala em monoculturas ou em culturas intensivas ou super intensivas, e se lhes atribui um carácter negativo, é bom não esquecer que a vinha foi uma delas. O impacto na paisagem foi brutal. Inclusivamente mudou-se a montanha, colocando-a em socalcos. Foi mau? Eu acho que não!
E em relação ao Alqueva, que tem suscitado muitas críticas?
Não era possível manter aquela paisagem havendo uma estrutura criada para modificar a forma de cultivar. Ser amendoal, ser olival – feito em sebe, como também já se vê no Ribatejo -, ser vinha ou outra cultura qualquer, desde que cumpra parâmetros de sustentabilidade e de salvaguarda dos recursos, não tem mal nenhum. O Alentejo é grande e a expressão das culturas praticadas na zona do Alqueva é muito pequena. Não chega a 10%.
Há alguma mistificação em torno dessa realidade?
Há um bocadinho a ideia de que aquele modelo de agricultura é mau. Não é, é diferente. As coisas aconteceram muito depressa, é verdade. Mas também é verdade que se cometeram alguns excessos.
No Ribatejo poderá acontecer o mesmo?
Sim, porque os agricultores procuram culturas que remunerem a aplicação do capital e o esforço do trabalho que lhe aplicam. E isso passa pelo regadio, sine qua non.
Ambientalistas sobrepõem a ideologia à objectividade
Por isso é que o Projecto Tejo, que defende a criação de uma vasta área de regadio no Ribatejo e Oeste, é fundamental para esta região?
Sim mas não só, porque o Ribatejo já é regado. O Projecto Tejo tem a dupla finalidade de assegurar a continuidade do que se faz hoje na agricultura e está em risco de não se continuar a fazer, por se esgotar o acesso à água em qualidade e em quantidade. É necessário também salvaguardar outros usos da água, como o abastecimento urbano. De realçar que o Projecto Tejo, se enquadrar a construção da barragem do Alvito, no rio Ocreza, possibilita criar uma reserva estratégica que proteja a reserva do Castelo do Bode, que abastece a grande Lisboa. É fundamental haver um plano B até em termos de segurança de abastecimento.
Que outras mais valias e mudanças pode trazer esse projecto?
Não se sabe ainda que modelo o Projecto Tejo vai ter, mas é fundamental que exista. Há uma ideia em cima da mesa que tem que ser estudada tecnicamente, para depois, politicamente, se tomarem decisões. Vem possibilitar outras valências, como o desenvolvimento turístico do Tejo, a possibilidade de criar a exploração da pesca e facilitar o acesso da água aos agricultores.
A CAP tem sensibilizado o Governo para a importância desse projecto?
A CAP tem estado fortemente empenhada em demonstrar ao Governo que aquele projecto é muito importante para a região do Ribatejo.
Como vê que movimentos ambientalistas já se tenham começado a pronunciar contra a construção de novas represas no Tejo?
A minha opinião pessoal é que, infelizmente, o movimento ambientalista em Portugal movimenta-se muito mais através da ideologia do que da objectividade. Se há hoje quem tenha noções do valor ambiental associado à sua vida é o agricultor. Os agricultores têm, através da PAC, regulamentos apertadíssimos para poderem fazer agricultura e terem acesso às ajudas. São os primeiros a saber que o principal recurso é o solo. E o segundo grande activo é o acesso à água. Se não tratarem bem da água, se não pouparem, não têm rentabilidade.
“Há que proteger o solo agrícola”
Uma das culturas que parece estar na moda é a da plantação de canábis para fins medicinais, com projectos que vão de Mação a Benavente. O que pensa disso?
Os projectos para a canábis medicinal são interessantes. Têm um valor acrescentado brutal. E se esse valor acrescentado ficar no nosso país tanto melhor. Mas a canábis não é apenas medicinal. Como cultura que pode ocupar áreas com significado, existe também a canábis industrial, que é a cultura do cânhamo.
Surgem regularmente notícias sobre as condições em que trabalha e em que vive a mão-de-obra imigrante na nossa agricultura. Sendo empresário agrícola e líder da CAP como vê a situação?
A mão-de-obra nacional escasseia. Principalmente a mão-de-obra associada às tarefas mais básicas, a colheita, a plantação, etc… Por isso o país viu-se obrigado a recorrer à imigração e tem de dar condições às pessoas para estarem condignamente instaladas. A maioria dos agricultores que recorre a esse tipo de mão-de-obra sazonal tem instalações condignas. Mas em todos os rebanhos há ovelhas ronhosas. São fenómenos de polícia, que têm de ser identificados e punidos. São casos pontuais, condenáveis e a CAP incentiva à fiscalização.
O que pensa da utilização de solos aráveis para instalação de projectos de energia fotovoltaica, como está previsto para a Quinta da Torre Bela, em Azambuja?
Não conheço esse projecto. A nossa opinião é a de que as centrais fotovoltaicas associadas ao próprio projecto agrícola ou ao desenvolvimento da agricultura numa determinada zona são bem-vindas. Muitas vezes podem aproveitar-se pequenas áreas não agricultáveis para instalação desses painéis; outra coisa é dedicar uma propriedade agrícola a uma grande central fotovoltaica que não visa produzir energia para aquela exploração ou para explorações próximas. Esse assunto ultrapassa as questões agrícolas e passa a ser uma questão de protecção do território, que deve ser devidamente estudada, à semelhança do que acontece com o desenvolvimento industrial ou até com a construção. Porque há que proteger o solo agrícola.
Nota positiva (mas não muito elevada) para a ministra da Agricultura
Já é possível fazer um balanço do desempenho da actual ministra da Agricultura, há cerca de um ano no cargo?
O balanço que fazemos não é completamente conclusivo, porque está no cargo há cerca de um ano e algumas das matérias que consideramos prioritárias, como o problema do PDR (Programa de Desenvolvimento Rural), ainda não estão resolvidas. Aproxima-se uma época dificílima de discussões a nível comunitário e há alguns assuntos que ficaram por resolver. É evidente que a senhora ministra foi prejudicada pelo facto de termos sido todos apanhados pela crise da Covid. Mas há alguns assuntos que entregámos num caderno reivindicativo, com medidas que deviam ter sido objecto de decisão ministerial e não foram.
É difícil negociar com a ministra Maria do Céu Antunes?
Não, pelo contrário. As relações de proximidade são estreitas e não temos razões de queixa. Em termos de objectivos, os da senhora ministra é que podem ser um pouco desfasados dos nossos. Por isso, se me perguntassem que nota é que lhe dava, daria uma positiva, mas não muito elevada.
O artigo foi publicado originalmente em O Mirante.