Após um exaustivo trabalho que contou com a participação de equipas das administrações públicas, cientistas e pessoas voluntárias do setor cinegético e de conservação da natureza, projeto o LIFE Iberconejo apresenta o primeiro censo ibérico do coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus). O trabalho inclui um mapa que mostra a densidade destes animais a uma escala sem precedentes, oferecendo informações fundamentais para a tomada de decisões sobre esta espécie-chave nas paisagens mediterrânicas. Além disso, os resultados mostram uma diminuição de 17,9% do coelho-bravo desde 2009 nas regiões abrangidas pelo projeto, de acordo com os dados de capturas cinegéticas, com uma tendência de aumento em zonas agrícolas, mas um declínio muito preocupante em zonas de mato ou florestais.
Quantos coelhos existem na Península Ibérica, onde estão e como estão a mudar as suas populações?
Responder a esta pergunta era um dos principais objetivos do LIFE Iberconejo, um projeto cofinanciado pela União Europeia que termina em junho de 2025, após três anos de trabalho, e que representou um marco no conhecimento do coelho-bravo.
Este pequeno animal tem uma enorme relevância ecológica e socioeconómica: considerado um “engenheiro do ecossistema” pela sua capacidade de modelar o ambiente e por ser presa de mais de 40 espécies de mamíferos e aves no montado mediterrânico, é também a principal espécie de caça menor e o vertebrado silvestre que mais danos agrícolas provoca em Espanha.
O mapa elaborado pelo LIFE Iberconejo mostra as duas faces do coelho-bravo: a sua densidade é alta principalmente em quatro grandes zonas espanholas associadas a meios agrícolas – as mesetas sul e norte, e os vales do Ebro e do Guadalquivir –, onde se concentra o conflito com a agricultura, enquanto existem outros grandes espaços ibéricos onde o coelho escasseia, nomeadamente em zonas com predomínio do montado mediterrânico, como a Serra Morena ou as serras da Extremadura, em Espanha ou grande parte de Portugal, onde deveria estar a cumprir o seu papel ecológico como espécie presa e onde a sua caça gera benefícios socioeconómicos. O mapa mostra a abundância a uma resolução de 2×2 quilómetros em toda a Península Ibérica, alcançando um nível de detalhe sem precedentes a nível nacional.
“Dispor de dados atualizados e comparáveis em grande escala sobre a fauna selvagem, com um acompanhamento a longo prazo, é a base fundamental para uma adequada tomada de decisões”, aponta o diretor do projeto LIFE Iberconejo, Ramón Pérez de Ayala. “Com o projeto LIFE Iberconejo, lançámos as bases para entender a situação atual desta espécie-chave das paisagens ibéricas, e assim tomar medidas para fomentar as suas populações onde este está a desaparecer e, ao mesmo tempo, prevenir os danos que provoca na agricultura”, concluiu.
Para elaborar este mapa pioneiro de distribuição da espécie, investigadores do Instituto de Investigación en Recursos Cinegéticos (IREC – CSIC, UCLM, JCCM), que colaboram no LIFE Iberconejo, desenvolveram um modelo matemático que integra diversas fontes de dados: sobre a situação populacional em grande escala – as estatísticas cinegéticas de animais caçados – dados em escala regional e local – contagens de coelhos ou indícios da sua presença no terreno, respetivamente – e informações sobre as características do habitat.
“Elaborar um censo dos coelhos à escala peninsular, que implicaria a contagem de cada um dos exemplares da Península Ibérica, é logicamente impossível. Mas utilizando um modelo matemático que integra diferentes fontes de dados podemos conhecer a distribuição e a abundância do coelho- bravo a uma escala sem precedentes, uma base sólida para a tomada de decisões informadas”, explica o investigador do IREC Javier Fernández López, que liderou o desenvolvimento do modelo.
Este trabalho científico partiu de um acordo entre todos os agentes envolvidos na gestão da espécie, incluindo as autoridades nacionais de Espanha – Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação (MAPA) – e de Portugal – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Esta colaboração entre administrações e entidades científicas, de conservação da natureza, cinegéticas e agrícolas permitiu estandardizar as metodologias de monitorização do coelho-bravo e coordenar a recolha de dados no território, para permitir a análise da informação e a obtenção de resultados fiáveis e comparáveis à escala ibérica. Tudo isto é realizado de forma automatizada graças a uma plataforma digital desenvolvida no âmbito do projeto LIFE Iberconejo.
Em Espanha, estes avanços estão alinhados com a Estratégia Nacional de Gestão Cinegética, aprovada em 2022 pelo MAPA e pelas Comunidades Autónomas, que tem entre os seus objetivos a “implementação de sistemas de informação e monitorização da caça interoperáveis e baseados no melhor conhecimento científico disponível”.
Tendências do coelho-bravo
Nas regiões participantes no LIFE Iberconejo (Andaluzia, Castela-Mancha, Extremadura e todo o território de Portugal), segundo a análise das estatísticas cinegéticas elaborada pelo projeto, as populações de coelho-bravo diminuíram 17,6% desde o ano de 2009 até 2022.
Mas a análise revela diferenças notáveis na situação do coelho em paisagens agrícolas ou de mato: as estatísticas cinegéticas mostram uma redução de 10,17% de coelhos capturados em zonas agrícolas no mesmo período, com uma tendência de aumento nos últimos anos, enquanto a espécie continua em queda livre em zonas de mato, com um declínio de 57,75%. As alterações nos usos do solo, com o desaparecimento da paisagem tradicional em mosaico, e as doenças, são os fatores que têm sido associados ao declínio das populações do coelho-bravo.
“Ainda que as estatísticas cinegéticas tenham limitações, permitem obter uma visão global sobre a situação da espécie, e as tendências que mostram correlacionam-se com as dos levantamentos de coelhos realizados no terreno”, explica o investigador do IREC, Javier Fernández López.
Graças à estreita colaboração estabelecida no âmbito do LIFE Iberconejo, as administrações competentes vão manter este acompanhamento à escala ibérica das populações de coelho para
além do fim do projeto, incorporando também outros aspetos fundamentais, como as doenças e os danos agrícolas.
“O que nos mostram estes resultados é que está em perigo o papel ecológico vital do coelho-bravo devido ao seu desaparecimento dos habitats mais naturais, e também a sua função social ligada a uma atividade cinegética sustentável”, explica o diretor do projeto LIFE Iberconejo, Ramón Pérez de Ayala. “Por outro lado, vemos que existem muitos coelhos em zonas agrícolas menos favoráveis à biodiversidade. Zonas onde provocam importantíssimos danos à agricultura e, apesar do enorme esforço das sociedades de caça, em algumas ocasiões estas não conseguem controlar as suas populações no grau desejado”, acrescenta.
Acesso ao mapa e materiais gráficos: ver aqui
Mais informações no site do projeto: https://www.iberconejo.eu/
Fonte: LIFE IBERCONEJO