No início deste ano, na sua Comunicação acerca do Mecanismo para promover os talentos na Europa a Comissão Europeia refere que 82 regiões da União Europeia (UE), ou seja, 30% da população, sofre o efeito de uma rápida redução da mão-de-obra, baixos níveis de educação e saída de jovens. Reconhece ainda que, se nada for feito, esta situação ameaçará, não só a existência destas comunidades, como também a prosperidade da UE como um todo. E, acrescentamos nós, a capacidade de produção de alimentos e o equilíbrio socioeconómico, numa altura em que, cumpridos 14 meses sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, é preciso continuar a falar de segurança alimentar e do papel da Europa na cadeia de abastecimento global, na certeza de que, no pós-Guerra, nada será como antes.
Os Estados-membros da UE enfrentam um declínio acentuado da sua população em idade ativa. Esta população diminuiu em 3,5 milhões de pessoas entre 2015 e 2020, prevendo-se que venha a perder mais 35 milhões de pessoas até 2050. As regiões mais afetadas são, naturalmente, as zonas rurais. Se juntarmos o envelhecimento da população e a crise demográfica, a par da escassez de mão-obra, temos um problema gravíssimo, a que urge dar resposta.
No caso de Portugal, dados de 2019, divulgados pelo Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território, apontavam para o facto de as zonas rurais terem perdido 40% ou mais da sua população nos últimos 30 anos e os dados mais recentes do INE revelam que em 2020, dos 10 milhões de habitantes residentes em território nacional pouco mais de 1 milhão vivia em zonas rurais.
De facto, há muito que os vários agentes de um dos setores que mais dinamiza as áreas rurais da Europa – a Agricultura – têm vindo a manifestar-se, sobretudo em fóruns setoriais, acerca da inação das autoridades europeias no que respeita à proteção das comunidades rurais e do seu modo de vida. Os Governos nacionais são, também, alvo de várias críticas. Contudo, nenhum destes movimentos tem sido consequente e frutífero. A defesa das regiões rurais, das atividades que nelas são exercidas e dos valores que lhes estão subjacentes tem sido encarada como o contravapor de uma sociedade avançada e sustentável.
Esta não é a realidade e parece que os decisores políticos vivem cada vez mais num mundo paralelo, indiferentes aos verdadeiros problemas destas pessoas. Talvez porque faltem governantes ou deputados, nos Parlamentos nacionais ou no Parlamento Europeu mais sensíveis a estas causas que têm impacto em toda a Sociedade.
As comunidades rurais têm vindo a modernizar-se, a adaptar os seus modos de produção, com respeito pelo bem-estar animal e pelo ambiente, a integrar a ciência e as diversas possibilidades que a digitalização da sociedade permite, mas isto não significa que o campo se queira transformar em cidade. Contudo, parece ser isso que os decisores da UE e dos governos nacionais preconizam, maioritariamente compostos por indivíduos urbanos e com pouca sensibilidade para o mundo rural.
Faltam governantes ou deputados, nos Parlamentos nacionais ou no Parlamento Europeu mais sensíveis a estas causas que têm impacto em toda a Sociedade.
Falta mais exercício de cidadania, mais debate e reflexão, sermos ativistas das causas em que acreditamos!
A inclusão da Ciência na atividade agrícola é algo que já não é novo e que muito tem contribuído para o seu desenvolvimento, enquanto atividade económica, mas também para que produtos seguros e de qualidade cheguem à mesa dos cidadãos a preços competitivos, “democratizando” a alimentação. Não defendemos, por isso, a manutenção de todas as tradições a todo o custo – a ruralidade no seu sentido pejorativo, de entrave à modernidade – mas a visão dos que vivem e trabalham nas zonas rurais, tem de ser incluída na definição das políticas públicas que os afetam e, cada vez mais, os condicionam.
A resolução de alguns problemas não se pode basear numa visão externa e urbana da Sociedade, como aparentemente tem vindo a ser feito, nomeadamente com a iniciativa “Uma visão a longo prazo para as zonas rurais da UE” que parece ter nascido no pensamento coletivo da urbanidade, em que a maioria dos decisores políticos e dos atuais grupos de pressão cresceram e, não raramente, apresentam visões redutoras e deformadas.
Os setores rurais europeus e aqueles que neles trabalham enfrentam pressões crescentes e incentivos pouco atrativos para continuar, o que, se não for resolvido, levará à extinção de algumas das comunidades que hoje preservam determinadas regiões, as tornam únicas e que produzem alguns dos nossos melhores e mais saborosos alimentos.
Urge modernizar os compromissos e estratégias como por exemplo a “Do Prado ao Prato” com as comunidades rurais, tendo em consideração a necessidade de maior segurança alimentar, abastecimento de produtos agrícolas e agroalimentares, e a proteção do modo de vida rural. Temos de conjugar o equilíbrio entre a produção de alimentos, a segurança alimentar e a sustentabilidade, nas suas vertentes social, económica e ambiental.
As iniciativas que a Comissão está a desenvolver acerca do mundo rural têm de ser integradas.
Para o território da União Europeia, mas, antes de mais, para todas as regiões rurais de Portugal, precisamos de medidas que invertam o declínio acelerado da sua população em idade ativa e que proporcionem formação, prosperidade e bem-estar, preservando, em simultâneo, o seu modo de vida característico e as heranças culturais que nos podem legar.
Será que temos talentos suficientes que nos ajudem a lá chegar?
Secretário-Geral da IACA – Associação Portuguesa dos Industriais dos Alimentos Compostos para Animais.