Alexandra Correia 1,2
Clara Pinto 1,2
Carla Nogueira 2
Pedro Barcik 2
David Lafuente 1
1 Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P./CNCACSA
2 CEF – Centro de Estudos Florestais, Instituto Superior de Agronomia
O pinheiro-manso tem sido uma das espécies mais usadas em novas arborizações em Portugal. A capacidade de adaptação a condições de clima e solo muito restritivas, associada à perspetiva de rentabilização antecipada devido ao valor do pinhão, originaram uma expansão significativa da área de pinheiro-manso nos últimos 30 anos (Figura 1). Mas, o que esperar num contexto de clima em mudança?
Os 55 mil hectares de pinhal-manso plantados há 30 anos junto à bacia do rio Guadiana, numa das regiões mais áridas do país, revelam a facilidade de instalação desta espécie e a sua capacidade para resistir em regiões com precipitação anual inferior a 500 mm (Figura 2). No entanto, nestas condições, inóspitas para a instalação de muitas espécies lenhosas, o crescimento do pinheiro-manso é muito lento e a produção de pinha é praticamente inexistente, cumprindo as funções para as quais foi instalado ao abrigo dos antigos quadros comunitários de apoio e programas de arborização de terras agrícolas: a proteção do solo contra a desertificação. Efetivamente, a estabilização do solo e combate à erosão são funções reconhecidas ao pinheiro-manso há séculos. São disso exemplo, a representação da espécie em maciços dunares, como na região da Comporta, em Alcácer do Sal, ou no Parque Nacional de Doñana, na Andaluzia. Atendendo a que 58% do território português é considerado suscetível à desertificação (Barrio et al. 2010) e que a manutenção da cobertura arbórea, essencial às funções de proteção do solo, é já um desafio em certas áreas, o pinheiro-manso é um importante aliado na contenção das áreas desertificadas.
No entanto, em Portugal, é a pinha que sustenta a gestão ativa das áreas de pinheiro-manso, com as charnecas do Tejo e do Sado a terem produções economicamente rentáveis, especialmente na região de Alcácer do Sal, historicamente o “solar do pinhão”. Todavia, os últimos anos mostram uma alteração dos padrões de produção, com as áreas potencialmente mais produtivas localizadas a norte. As séries temporais de colheita de pinha não têm ainda representatividade estatística em Portugal, mas a consistente redução do número de operadores industriais de colheita e transformação de pinha a sul do Tejo é um bom indicador da escassez de matéria-prima. A principal explicação para esta tendência é o padrão de redução da precipitação observado nas últimas décadas (Figura 3-A), principalmente durante a primavera, uma época particularmente exigente em recursos para a árvore.
É durante a primavera que ocorre a emergência das inflorescências femininas e masculinas, a fecundação e o abrolhamento dos gomos vegetativos anuais, e se inicia o crescimento radial e a expansão foliar, que se irão prolongar por todo o Verão. Ocorre também a expansão, em volume e em peso, das pinhas que irão ser colhidas nesse ano. A coincidência destes processos no tempo requer uma excelente condição fisiológica, só verificada se a árvore crescer em circunstâncias adequadas de disponibilidade hídrica e nutritiva.
Importa perceber como cresce a pinha na árvore, já que o ciclo de reprodução do pinheiro-manso é dos mais longos entre os pinheiros das regiões temperadas, decorrendo aproximadamente 4 anos desde a indução floral à plena maturação. Como consequência, durante o seu longo período de desenvolvimento, o fruto fica vulnerável à ocorrência de eventos meteorológicos extremos e de pragas e doenças, como a lagarta da pinha e o sugador da pinha (Farinha et al. 2018, Naves et al. 2023).
As séries temporais meteorológicas do Instituto Português do Mar e da Atmosfera mostram uma maior frequência de anos com precipitação abaixo da média nas últimas décadas. Esta tendência reflete sobretudo primaveras e outonos cada vez mais quentes e secos (Figura 3), prolongando e intensificando as secas sazonais características dos verões mediterrânicos. Este é um cenário particularmente preocupante para uma espécie que tem a sua distribuição em solos pobres e de textura arenosa (que ampliam os efeitos da redução de precipitação) com a particularidade de coincidirem, simultaneamente na árvore, frutos em três estádios de desenvolvimento.
Figura 3 – Anomalias da precipitação total (A) e variabilidade da temperatura máxima e mínima (B) na primavera em relação aos valores médios para o período de 1971-2000 em Portugal continental (IPMA 2024)
Estudos realizados em pinheiro-manso na Península Ibérica (Calama et al. 2016, Correia A. C. et al. 2024, Mutke et al. 2005) apontam para a precipitação como a variável meteorológica mais limitante para a produção de pinha. A disponibilidade de água no solo durante a primavera, sobretudo de março a junho, é determinante para manter uma boa condição fisiológica das árvores e garantir a sobrevivência das inflorescências e um bom calibre das pinhas maduras. Em Portugal, dias de elevada demanda evaporativa e com temperaturas máximas acima dos 35°C no final da primavera/início do verão após a floração, parecem aumentar a mortalidade das pinhas recém-formadas. No entanto, em algumas regiões mais áridas de Espanha, a sobrevivência destas jovens pinhas parece depender do número de dias com temperatura mínima diária inferior a -5°C no Inverno a seguir à floração. Estas condições estão representadas em certas regiões do interior de Portugal, com influência muito continental ou de maior altitude, onde atualmente não existe pinheiro-manso.
No entanto, a produção de pinha não depende apenas das condições meteorológicas, estando também dependente da existência de reservas internas de fotoassimilados (ex.: sacarose e amido). Estas reservas, temporariamente alocadas a vários órgãos, são translocáveis internamente em resposta a sinalização hormonal específica, quando e para onde forem necessárias. Compreende-se, assim, que os anos de safra estejam também dependentes da existência de reservas de fotoassimilados em quantidade suficiente para garantir um crescimento das pinhas superior a 900%, em volume e peso, entre março e junho. O armazenamento de reservas só é possível em períodos de maior produtividade fotossintética, com condições ambientais favoráveis, isto é, em anos com temperaturas amenas, baixa demanda evaporativa e disponibilidades hídricas favoráveis. No entanto, os registos climáticos mostram que as condições ambientais favoráveis à acumulação de reservas têm ocorrido com menor frequência. Paralelamente, os gastos associados à sobrevivência da árvore em condições ambientais adversas aumentam, especialmente considerando os quase 4 anos de duração dos ciclos de produção. Esta conjugação de fatores poderá explicar a inexistência de valores de produção de pinha elevados, como na campanha recorde de 2010/2011.
Assim, é expectável que a área de distribuição do pinheiro-manso com aptidão para produção, passe invariavelmente por uma progressão para regiões com maior disponibilidade hídrica. A Figura 4 representa a distribuição do pinheiro-manso no país de acordo com os valores médios anuais de temperatura do ar e de precipitação anual acumulada em anos civis (pontos a preto). A espécie encontra-se em áreas com precipitação anual entre os 400 e 1800 mm e temperaturas médias anuais entre os 12 e os 18°C, em regiões de proveniência (RP) com diferentes características. As RP atualmente conhecidas como produtoras de pinha, bacias a sul do Tejo e Sado (RP5, área a laranja), com precipitação anual entre os 600 e os 800 mm, demarcam-se das denominadas áreas restritas de Barrancos e Mértola/Alcoutim (áreas a vermelho e verde, respetivamente) com valores de precipitação abaixo dos 500 mm e temperaturas médias acima dos 17°C (Figura 4). Aqui a espécie desempenha importantes funções de proteção do solo, como a prevenção da erosão e aumento do teor de matéria orgânica, fundamental na infiltração e capacidade de retenção de água e no funcionamento do ciclo de nutrientes. Apesar das limitações referidas, as séries temporais de registos de produção em Portugal sugerem uma tendência de maior regularidade da produção nas zonas de maior disponibilidade hídrica enquanto que a sul, se têm verificado anos de contrassafra consecutivos. Em regiões com menos tradição da espécie, como Tábua e Carregal do Sal, os proprietários referem produções regulares e muito interessantes em povoamentos enxertados, embora ainda sem dados estatísticos que o comprovem.
Assim, com precipitações anuais superiores a 800 mm, a RP4, Estremadura Ribatejana, e RP3, Dão e Alto Mondego, podem ter potencial para futuras arborizações com pinheiro-manso, devendo concentrar os esforços de enxertia, pelo seu potencial para maiores produções num cenário de alteração climática.
Figura 4 – Preferências bioclimáticas do pinheiro-manso com base no registo de presença e ausência do 6º IFN (ICNF 2015) e em dados climáticos extraídos de IBERIA01 (Herrera et al. 2019). À direita, delimitação das regiões de proveniência (RP) para o pinheiro-manso em Portugal continental. As RP correspondem a uma área ou grupo de áreas, com características ecológicas homogéneas, onde as árvores tendem a manifestar características fenotípicas ou genéticas semelhantes. Gráfico desenvolvido por David Lloberas.
Perspetivas Futuras
Apesar das evidências dos registos históricos nacionais, de aumento de temperatura média e redução de precipitação (Figura 3-A), e da incerteza e pessimismo dos cenários de alteração climática, é importante desenvolver ferramentas de apoio ao gestor florestal para o pinheiro-manso e implementar medidas de gestão adaptativa efetivas.
Uma floresta sem rendimento é facilmente vetada ao abandono, ficando suscetível à ocorrência de incêndios. É urgente encontrar alternativas para que o sector seja economicamente rentável, e o pinheiro-manso surge como uma espécie a considerar em novas arborizações, por permitir uma rentabilização antecipada que mais nenhuma espécie florestal em Portugal, à exceção do eucalipto, consegue assegurar.
No médio prazo, os anos com precipitação inferior a 500 mm serão cada vez mais frequentes. Esta situação, a que o gestor florestal terá de se adaptar, acontece já em algumas regiões do Alentejo, e resultará num aumento das áreas com fraca ou nenhuma aptidão para produção de pinha, nomeadamente as que estão a Sul, no limite de distribuição da espécie. Neste cenário, o papel do Estado tem uma importância chave. Primeiro, é necessária mais liberdade ao proprietário de tomar decisões sobre o seu património. À sua função de forte regulador, enraizado em legislação, por vezes excessiva, e assente em modelos pouco flexíveis e procedimentos burocráticos, deve equacionar incentivos para mitigar o abandono das terras, promovendo a floresta. Esta função é particularmente relevante, por exemplo, no caso das florestas não produtivas que asseguram a proteção do solo contra erosão, mitigando a desertificação. O que fazer, então, para rentabilizar as extensas áreas de pinhal, outrora muito produtivo, existentes em praticamente todo o litoral alentejano?
Promover a inovação tecnológica de colheita mecânica da pinha deve ser uma prioridade, devido à falta de mão de obra rural, e aos custos e problemas de segurança da apanha manual (ver projeto em desenvolvimento Correia A.C. (2022)). Na campanha de 2022/23, o custo da apanha atingiu os valores mais altos de sempre, representando 66% do preço médio de comercialização da pinha. Em Portugal, apenas 10% dos proprietários recorrem à mecanização (UNAC 2014). É urgente encontrar alternativas e consolidar esta atividade como uma mais-valia para o sector.
A descida abrupta do preço da pinha, verificada nos últimos 3 anos, revela a fragilidade do sector às flutuações do mercado. De uma perspetiva económica, a aposta numa única espécie constitui, presentemente, um risco para o proprietário e, por isso, a multifuncionalidade e a diversificação de produções, com sobreiro (ver projeto em desenvolvimento Correia A.C. (2021) (Figura 4) ou medronheiro, podem contribuir para a viabilidade e biodiversidade dos sistemas.
A resinagem, atividade que quase desapareceu na década de 80 do século passado, tem vindo a ganhar expressão em Portugal e poderá ser uma alternativa a explorar sobretudo em pinhais com baixa produção ou em que a apanha deixou de ser possível (por exemplo, idade avançada, altura das árvores e dimensão das copas). É uma oportunidade de explorar um produto de alto valor acrescentado, com procura crescente nos mercados mundiais, mas simultaneamente sujeito a agressiva concorrência internacional.
A enxertia, técnica muito bem descrita e implementada em Portugal, fruto de um trabalho de forte dinamização e disseminação da técnica na década de 80 do século passado (Carneiro et al. 2007), deverá continuar a aumentar. No entanto, os garfos a usar nas enxertias devem ter origem diversificada, evitando a erosão genética e a acumulação de genes recessivos, garantindo a manutenção da variabilidade genética e a capacidade de resposta da espécie a perturbações, não só abióticas (secas e ondas de calor), como de natureza biótica (pragas e doenças).
Em conclusão
Apesar de já terem sido identificadas lacunas de conhecimento e necessidades de investigação, nomeadamente na área da sanidade florestal, ecologia e fisiologia, e conservação e melhoramento genético (CCPMP 2016), e do trabalho realizado no âmbito de diversos Grupos Operacionais (ex.: GO Fertipinea, GO +Pinhão), o investimento em projetos de I+D multidisciplinares de longo-prazo tem sido insuficiente para promover a sustentabilidade das áreas de pinheiro-manso em Portugal e o conhecimento necessário para fundamentar opções de gestão.
Referir, por último, a necessidade de conhecer as realidades de outros países, porventura com carências hídricas mais severas, de modo a adaptar os exemplos ao contexto nacional. Colaborar em redes de conhecimento com investigadores é muito importante, pois é das sinergias criadas que resultam os trabalhos experimentais e se produz o conhecimento essencial para uma gestão consciente e fundamentada. A ligação gestor-investigador é fundamental para a criação de linhas de trabalho futuras.
Referências bibliográficas
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Calama R, Gordo J, Madrigal G, Mutke S, Conde M, Montero G, Pardos M. 2016. Enhanced tools for predicting annual stone pine (Pinus pinea L.) cone production at tree and forest scale in Inner Spain. Forest Systems 25:e079.
Carneiro A, d´Alpuim M, Carvalho MV. 2007. Manual Enxertia do Pinheiro manso. EFN. Report no.
CCPMP. 2016. Agenda Portuguesa de Investigação no Pinheiro-manso e pinhão. Report no.
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Correia AC, Farinha A, Silva J, Nunes A, Conceição N, Marcelo ME, Sarmento A, Tomé M, Soares J, Fontes L. 2024. Fertirrigation in grafted Pinus pinea L. trees: denser crowns but no effect on cone production or masting cycles. Forest Ecology and Management 569:122164.
Farinha ACO, Silva JEP, Correia AC, Sousa EMR, Roques A, Branco M. 2018. Is Leptoglossus occidentalis entirely responsible for the high damage observed on cones and seeds of Pinus pinea? Results from a fertirrigation trial in Portugal. Forest Ecology and Management 429:198-206.
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Fonte: ANPROMIS