No passado quadro comunitário de apoio, que abrangeu o período entre 2014 e 2020, foi delimitada, através de um Acordo de Parceria, uma “fronteira” que definia a que tipo de apoios poderia concorrer um projeto de transformação e comercialização de produtos agrícolas incluídos no Anexo I do tratado da EU (no qual se inclui a larga maioria das primeiras transformações de produtos agrícolas produzidos em Portugal). Essa “fronteira” delimitava os projetos que poderiam beneficiar dos apoios ao PDR 2020 (medida 3.3.1 de investimentos na transformação e comercialização de produtos agrícolas) ou ao Portugal 2020 (medida de inovação produtiva).
Em termos simplistas, os investimentos superiores a 4 milhões de euros ficavam na esfera do Portugal 2020 e investimentos iguais ou inferiores a este montante, na esfera do PDR2020. Exceção a esta regra eram os projetos desenvolvidos por Organizações de produtores (OP) e projetos “desenvolvidos em explorações agrícolas, quando a matéria-prima provinha maioritariamente (mais de 50%) da própria exploração”, os quais ficavam sempre na esfera do PDR2020, qualquer que fosse o valor do investimento.
Importa referir que este conceito de “projetos desenvolvidos em explorações agrícolas, quando a matéria-prima provinha maioritariamente da própria exploração” teve várias interpretações, por norma distintas entre o PDR2020 e o Portugal 2020.
Para o PDR, por “breves momentos”, esta produção própria era apenas a produção do próprio promotor. Depois este conceito foi alargado e passou a considerar toda a produção proveniente da própria empresa e dos seus sócios.
Já o Portugal 2020 remeteu inicialmente esta questão para a localização da unidade industrial, ou seja, a indústria estar ou não localizada numa exploração agrícola de onde provinha mais de 50% da matéria-prima, mas já no final do quadro comunitário, alterou a interpretação aproximando-a da do PDR, passando a considerar que seria a matéria-prima proveniente do grupo, sem nunca dar um esclarecimento cabal do que era considerado “própria exploração”.
Esta indefinição e ambiguidade criou uma enorme dificuldade de enquadramento dos projetos, para além de potencialmente criar zonas vazias de apoios, em que os projetos nem são elegíveis numa medida nem na outra.
Acresce a este facto que, como fará sentido para todos, o mais normal quando se fala de um investimento superior a 4 milhões de euros numa unidade de transformação/comercialização de produtos agrícolas, de alguma forma o promotor tenha uma parte considerável de matéria-prima assegurada, existindo, na larga maioria das vezes alguma forma de ligação de grupo entre os produtores da matéria-prima e os promotores do projeto de transformação da mesma.
No início do quadro comunitário de apoio, e numa perspetiva de impulsionar as OP (estruturas privilegiadas para melhorar a posição dos agricultores na cadeia agroalimentar), e os projetos de investimento cujo abastecimento de matéria-prima está maioritariamente assegurado, esta fronteira fez todo o sentido, pois os apoios no PDR2020 eram, de forma geral, mais interessantes.
Nos três primeiros avisos do PDR (até 31-12-2015), a taxa de apoio para este projeto poderia variar entre 25% e 45%, não havendo qualquer limitação do valor total elegível. Assim, um projeto de 5M€ teria um apoio não reembolsável compreendido entre 1,250M€ e 2,250M€.
Já no Portugal 2020, no início do quadro comunitário, o apoio previsto era totalmente reembolsável, podendo em função do cumprimento dos resultados do projeto ser convertido no máximo em 50% de apoio não reembolsável, com uma taxa de apoio que poderia variar entre 35% e 75%. Assim um projeto de 5M€, teria um apoio reembolsável compreendido entre 1,750M€ e 3,750M€ e, após 2 anos de conclusão do investimento, parte do apoio poderia ser convertido em apoio não reembolsável, sendo que tal só era possível se os indicadores previstos fossem, no mínimo, atingidos a 100%.
Esta era assim uma fronteira que discriminava positivamente estes promotores.
No entanto, a legislação do PDR foi sofrendo alterações, e foi-se tornando cada vez menos interessante para grandes investimentos.
Em novembro de 2016, a legislação foi revista, impondo um limite de 1M€ de investimento com apoio não reembolsável, valor a partir do qual o apoio passava a ser reembolsável e com uma redução de 15% na taxa. E, em abril de 2021, o apoio passou a estar limitado a 1M€ de investimento elegível com uma taxa de apoio a variar entre 20% e 45%. Assim, nos últimos avisos do PDR2020, um projeto de investimento de 5M€, tinha um apoio máximo de 450.000€ (menos de 10% de taxa de apoio).
Por outro lado, também a legislação do Portugal 2020 foi revista e tornou-se mais atrativa: em dezembro de 2018, o apoio passou a ser de 50% não reembolsável, com taxas de apoio entre 35% e 75% (sendo frequente os promotores atingirem a taxa máximo de apoio). Um projeto de 5M€ passou a ter um apoio potencial, não reembolsável, de 1,875M€.
No meio de todas estas alterações parece que ficou esquecido o objetivo inicial da discriminação criada para as OP e promotores com matéria-prima própria e, de um momento para o outro, a discriminação que era positiva passa a ser negativa sem que seja tomada qualquer medida para voltar a alinhar a fronteira com o objetivo inicial.
Chegámos a 2023 e, finalmente, o novo quadro comunitário inicia-se. Embora sem grandes ilusões, existia esperança de que esta injusta fronteira fosse revista e alterada de forma ir de encontro aos objetivos com que tinha sido criada. No entanto, a 12 de abril é publicado o regulamento específico da medida de Inovação Produtiva, do Portugal 2030, e constata-se que a fronteira se mantém a mesma, com uma pequena alteração na sua redação (cujas consequências ainda estão para ser percebidas uma vez que não é emitido qualquer esclarecimento sobre a temática). Segundo o que foi publicado, projetos com investimento inferior ou igual a 4M€ são apoiados pelo PEPAC (Plano Estratégico da PAC 2023-2027) e projetos com investimento superior a 4M€ são apoiados pelo Portugal 2030, com exceção das OP e dos projetos “desenvolvidos em explorações agrícolas em que a matéria-prima provém maioritariamente da exploração a agrícola”, que, qualquer que seja o valor de investimento, permanecem sempre no PEPAC.
No aviso do Portugal 2030 em curso até 15-12-2023, o apoio é unicamente não reembolsável com uma taxa compreendida entre 30% e 40%.
Resta agora aguardar a legislação que irá regulamentar esta medida do PEPAC. As primeiras informações divulgadas apontavam para que o limite à elegibilidade, de 1M€ de investimento, se mantenha e que a taxa de apoio passa a ser regressiva (quando maior o investimento menor a taxa de apoio).
Caso se confirme, as OP e os promotores com matéria-prima própria que necessitam de fazer investimentos com alguma dimensão, ficam limitados a um apoio que não deverá ultrapassar os 288.000 €.
Neste momento, a única esperança é que o PEPAC permita acomodar uma correção a esta injustiça e que possa excluir estes promotores da limitação do valor elegível de investimento.
Parece-nos altamente improvável, mas a esperança é a última a morrer…
Iris Salgueiro
Departamento Técnico da CONSULAI
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