Na região afetada pelo incêndio de Pedrógão Grande, há quem tente lutar contra uma floresta dominada pela monocultura do eucalipto. Mas, passados quatro anos, faltam ferramentas, apoios e mudança de postura.
Depois do incêndio de 17 de junho de 2017, a zona envolvente da casa de Miguel Humblet, no Gravito, Pedrógão Grande, parecia uma pequena ilha verde, com o resto do vale e montes completamente negros dos eucaliptais ardidos.
“Foi uma chamada de atenção. Percebi como a nossa relação com a paisagem ficou tão má que a monocultura não estava só no exterior, mas também na forma como pensamos, como cultivamos o capitalismo e como nos relacionamos com a natureza, como dominadores, como extratores, sem qualquer respeito pelo ambiente”, contou.
Miguel Humblet, de 51 anos, natural da Bélgica, vivia em Londres com a sua mulher, portuguesa, mas que viveu toda a vida em Inglaterra, quando o casal decidiu trocar, há dez anos, a capital inglesa pela casa da família da sua esposa, abandonada há 70 anos, situada da Ribeira de Pêra.
“Quando o incêndio aconteceu, a nossa vida mudou de direção. Para nós, foi um acordar”, disse à agência Lusa Miguel Humblet.
Aquilo que tinha feito antes – a aposta nas espécies autóctones – tinha-lhe salvado a casa, mas Miguel percebeu que não tinha feito “o suficiente”.
“Estava só a fazer a minha coisinha, o meu pequeno jardim. Senti-me mal pela paisagem e queria comprometer-me e queria envolver-me na mudança do paradigma”, contou.
Durante estes últimos quatro anos, estudou “muito”, nomeadamente botânica, permacultura e agrofloresta, juntou-se a outras organizações e decidiu começar a aplicar os conhecimentos.
Perto da casa, fez uma espécie de barragem, várias poças e socalcos com o objetivo de reter água num dos montes que alimenta a ribeira.
Nesse mesmo monte, ocupa-se a fazer uma floresta diferente, onde várias espécies estão presentes, dependendo da sua necessidade de luz, da sua capacidade de resistência ao fogo e da complementaridade que podem oferecer a outras espécies.
No sopé, junta vegetais e árvores, num projeto de agrofloresta onde mostra como as espécies se complementam, apontando para o caso de dois cedros plantados no mesmo dia – um isolado está mais pequeno e outro, junto de outras plantas, cresce de forma exuberante.
“Eu não tenho medo do futuro, mas sinto que, depois daquele grande fogo, era uma oportunidade real para acordar e mudar e dar um passo, mas as pessoas estão a dormir. Não estão a reagir”, salientou, considerando que falta mais proatividade e dinâmica por parte das entidades locais e centrais para mudar um sistema dominado por eucaliptos.
“Precisamos de muito mais apoio para avançar”, realçou.
Já na Ferraria de São João, aldeia de xisto no concelho de Penela que arregaçou logo as mangas após o incêndio e avançou com o arranque de todos os eucaliptos nos 100 metros à volta da localidade, os problemas não se centram no apoio financeiro, mas com o enquadramento legal da zona de proteção que implementaram nos últimos quatro anos.
“O problema agora é a formalização disto. Não existe um enquadramento legal para uma questão destas e andamos aqui a partir pedra e ninguém quer que isto volte para trás, porque era uma insegurança muito grande”, contou à Lusa a presidente da Associação de Moradores, Maria Rodrigues.
Pedro Pedrosa, que liderou a associação aquando da implementação da zona de proteção, não percebe como “num prédio em Lisboa um condomínio tem um contrato ou uma escritura de condomínio” e não existe essa figura para uma espécie de condóminos da zona de proteção da aldeia.
“Falta trabalho para aquilo que estamos a fazer e para outros que queiram fazer o mesmo e isso pode ser a base de algumas confusões e indefinições”, notou.
Passados quatro anos, o cenário envolvente da Ferraria de São João “é muito diferente”, recorda Maria Rodrigues, apontando para terrenos onde antes existiam eucaliptos e que hoje são zonas de pasto ou onde crescem medronheiros, cerejeiras, castanheiros ou sobreiros plantados nos últimos anos.
Apesar de alguma satisfação em fazer a comparação, Maria reconhece que ao mesmo tempo pensa ainda no que está por fazer, nomeadamente a reconversão de terrenos que a associação adquiriu perto da localidade recentemente.
“Percebemos que já há qualquer coisa feita, mas a natureza leva o seu tempo”, explica Maria.
Pedro Pedrosa refere que, tirando a aldeia vizinha de Casal de São Simão, não conhece mais casos na região que tenham seguido o exemplo da Ferraria de São João e aponta também para o pouco que foi feito no restante do território no que toca à floresta.
“As câmaras, a maioria, têm uma voz passiva e pensava que a atitude dos gestores políticos tivessem mudado, mas não mudou. A floresta seria muito difícil mudar, mas o que poderia mudar é a não passividade perante a não gestão. A atitude não mudou”, lamentou Pedro Pedrosa.
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