Um bombeiro da corporação de Pedrógão Grande disse hoje, no julgamento para apurar eventuais responsabilidades criminais nos incêndios no concelho em junho de 2017, que era um fogo normal, mas que “as condições alteraram-se”.
“Vimos um incêndio que ao início parecia normal, com acessos difíceis. Tentámos logo combater (..) e as condições alteraram-se”, afirmou no Tribunal Judicial de Leiria Bruno Carvalho, que integrou a primeira viatura a chegar a Escalos Fundeiros, onde deflagrou o primeiro foco de incêndio.
Este bombeiro referiu que se tratou de um fogo com “uma progressão muto rápida”, insistindo que “parecia normal”, mas “rodou completamente, tornando-se muito violento”.
“Rodou 180 graus, para o lado oposto, quando tivemos de proteger a população de Escalos”, adiantou a testemunha, assinalando que nunca ouviu ou viu meios aéreos.
Bruno Carvalho sublinhou ainda que houve pedidos de reforços de meios, várias vezes, desde o início do fogo.
“Sim, foram pedidos meios para o local. Nós ouvíamos a comunicação via SIRESP [Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal]”, declarou, quando questionado pela procuradora da República Ana Mexia.
À pergunta sobre o que era respondido, Bruno Carvalho explicou: “Muitas vezes silêncio, porque havia problemas de comunicação nessa altura e, muitas vezes, não havia resposta”.
Já quando confrontado por advogados, o bombeiro declarou desconhecer se o comandante da corporação de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, um dos 11 arguidos em julgamento, deu ordem para evacuar povoações.
“Essa não seria a nossa missão. Não tínhamos meios para o fazer, pelo menos a minha viatura não”, acrescentou, esclarecendo que o “aumento do vento” foi a causa da rotação do incêndio, o que foi uma surpresa, “completamente”.
Por outro lado, Bruno Carvalho assegurou ao coletivo de juízes que “até ao momento em que o vento mudou” o combate feito com os meios que dispunham era adequado.
“Quando ele fez a rotação foi quando nós nos apercebemos de que o incêndio tomou proporções anormais. Foi aí, para mim, que era um incêndio de grandes dimensões”, salientou a testemunha.
Um outro bombeiro de Pedrógão Grande, David Simões, que também integrava a primeira viatura, descreveu um incêndio que “ao início era calmo” e “do nada ganhou uma velocidade muito forte”, que atribuiu à alteração de ventos e ao aumento da sua intensidade.
Na sessão da manhã de hoje, quatros bombeiros da corporação de Figueiró dos Vinhos também testemunharam, com um deles a dizer que esteve no “incêndio cerca de 29 horas”.
Outra testemunha, um inspetor da Polícia Judiciária, relacionou o início dos incêndios – em Escalos Fundeiros e Regadas – com descargas elétricas na linha de média tensão, junto à qual existiam árvores e vegetação, admitindo que aquelas possam ter sido originadas por descargas atmosféricas.
Em causa neste julgamento estão crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) e três da Ascendi (que tem a subconcessão rodoviária Pinhal Interior), e os ex-presidentes da Câmara de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente.
O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, também foi acusado, assim como o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves.
Aos funcionários das empresas, autarcas e ex-autarcas, assim como à responsável pelo Gabinete Técnico Florestal, são atribuídas responsabilidades pela omissão dos “procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível”, quer na linha de média tensão Lousã-Pedrógão, onde ocorreram duas descargas elétricas que desencadearam os incêndios, quer em estradas, de acordo com o Ministério Público.
No despacho de acusação, o Ministério Público explica que em 17 de junho de 2017, às 14:38, deflagrou um incêndio no Vale da Ribeira de Frades (Escalos Fundeiros), desencadeado por uma descarga elétrica de causa não apurada com origem na linha elétrica de média tensão Lousã-Pedrógão, da responsabilidade da então EDP Distribuição.
A existência de árvores e vegetação por baixo da linha elétrica “propiciou a ignição do incêndio” na manta morta, “produzida pela mencionada descarga elétrica”, facilitando a sua propagação.
Ainda nesse dia, cerca das 16:00, “deflagrou um incêndio em Regadas [Pedrógão Grande]”, desencadeado igualmente “por uma descarga elétrica de causa não apurada” com origem na mesma linha de média tensão, sendo que a zona inicial deste fogo apresentava semelhanças com a primeira.