A reforma da zona Euro, o Brexit e a crise das migrações dão às próximas eleições europeias “uma relevância” que outras no passado não tiveram, defende o cabeça de lista do PSD.
Crítico da forma como o Governo tem defendido os interesses portugueses no futuro quadro orçamental da União Europeia, Paulo Rangel diz que o Executivo “não foi capaz de cumprir linha vermelha” e que o PSD “não [aceita] nenhum corte para o próximo quadro comunitário de apoio”. De Bruxelas, o cabeça de lista do PSD fala ainda da saída do Reino Unido da União Europeia, censurando o facto do Executivo não ter apoiado os portugueses residentes no Reino Unido e de as empresas que dependem do mercado britânico estarem “completamente à deriva sem qualquer apoio do Estado”. Paulo Rangel vai mais longe e diz que “Portugal será um dos grandes perdedores” do Brexit, defendendo por isso uma maior proximidade aos britânicos: “o Governo português devia ter promovido ao longo destes dois anos uma parceria, uma espécie de Clube Atlântico para quando o Reino Unido sair”.
Que avaliação faz do atual momento político na União Europeia?
É um momento muito importante, decisivo. É um momento de crise que convoca os europeus a participarem muito nas eleições. Eu diria que há três crises que se intercetam. Uma para a qual há compromissos possíveis é a reforma da zona euro. Outra que se tem revelado mais difícil é a crise das migrações. Não apenas pelas diferenças entre alguns estados de leste e alguns estados ocidentais. Mas também porque governos de leste como o romeno, o húngaro ou o polaco aproveitaram a crise das migrações para pôr em causa, ou pelo menos criarem dificuldades, a valores essenciais do estado de direito e da democracia liberal. Penso na questão da corrupção, da independência dos tribunais, da liberdade de imprensa e da autonomia da sociedade civil.
Isto é assim em países como a Roménia ou a Eslováquia que são países com governos socialistas, na Hungria que tem um governo PPE, ou na Polónia que tem um governo conservador, ou em Malta que não pertence a este bloco, mas que tem um grave problema de corrupção e tem um governo socialista. Há aqui uma diferença não só quanto às migrações mas também em relação ao que nós entendemos ser a democracia.
Admito uma maior fragmentação partidária provocada por uma subida de forças populistas e nacionalistas à direita e à esquerda – embora à direita elas estejam mais vivas, haverá um aumento dos dois blocos.
E depois há uma terceira crise — a do Brexit — para a qual a solução agora encontrada continua a deixar tudo em aberto. A confluência destas três crises cria uma relevância para estas eleições europeias que porventura outras no passado não tiveram.
A crise das migrações tem como consequência o reforço das forças populistas e nacionalistas. Qual é a sua expectativa? Continuará a existir uma maioria de partidos europeístas suficiente para aprovar legislação e garantir o bom funcionamento do Parlamento Europeu?
Estou convicto que sim. Admito uma maior fragmentação partidária provocada por uma subida de forças populistas e nacionalistas à direita e à esquerda — embora à direita elas estejam mais vivas, haverá um aumento dos dois blocos. Mas acho que se manterá — embora com visões diferentes sobre a Europa – uma maioria ampla no sentido de reforçar e dar consistência ao projeto europeu.
As projeções indicam que o PPE deverá continuar a ser a primeira força. Há por isso a possibilidade de o candidato do PPE, o alemão Manfred Weber, se tornar presidente da Comissão. Seria bom para Portugal?
Penso que para Portugal e para a União Europeia é bom o processo de Spitzenkandidat — o processo pelo qual a pessoa indicada por cada partido para presidente da Comissão Europeia possa vir a ser efetivamente presidente. Isso legitima os processos democráticos. É um pouco o que acontece em cada país. Também em Portugal, há eleições para o parlamento, não para o governo nem para o cargo de primeiro-ministro, mas normalmente cada partido apresenta um candidato a primeiro-ministro. Depois pode ser ou não ser. O normal é que seja.
Penso que se o resultado apontar para uma maioria ampla das forças pró-europeias, este processo poderá decorrer tranquilamente. Se isso não acontecesse, ou se houvesse muitas divergências, iríamos para a solução que acontece em muitos países europeus: encontrar um consenso no Parlamento, entre o Conselho e o Parlamento, que pode levar a que seja escolhido esse candidato ou outro. Não excluo que essa solução não esteja garantida à partida. Pode acontecer que não esteja. O desejável é que esteja para dar mais força democrática à União Europeia. A principal vantagem é ter um protagonista que teve uma validação também nas urnas.
Não me referia tanto ao processo de Spitzenkandidat, mas ao perfil de Manfred Weber visto que parece ser partidário de uma linha mais dura e estrita, por exemplo em relação aos países incumpridores das regras europeias?
Em rigor isso não é verdade. É evidente que isso convém a alguma propaganda dos partidos que concorrem connosco. Weber não falava em Portugal e Espanha, mas em todos os países — por causa do que se passava com Itália e França. Isso até nas notícias da altura está bem explicado, por exemplo na notícia do Expresso fica claro que se pretende que todos os países sejam tratados com o mesmo rigor. Nessa altura, o candidato explicou que havia o risco de ter um critério para os países ibéricos e outro para a França e Itália, porque tinham governação socialista.
O comissário Moscovici preparava-se para aplicar sanções a Portugal e Espanha mas não a França ou à Itália, que estavam na orla socialista do próprio Moscovici. O que Manfred Weber disse é que tinham que ser aplicadas com rigor a todos, sem distinção. Foi para evitar que um comissário socialista fizesse um favor a dois governos socialistas — em Itália e em França –, por questões que tinham que ver com contas de 2015, e fosse punir os governos do PSD e do PP de Rajoy. Foi para tratar todos por igual. Tanto que ele ficou muito satisfeito com a circunstância de todos terem sido tratados igualmente. Este é o contexto.
Mas também lhe digo o seguinte: se há partido que claramente se opôs às sanções, e isso está documentado, foi o PSD. Não só pelo que dissemos publicamente e dentro do PPE. O ministro Mário Centeno e a então responsável dos Assuntos Europeus, Margarida Marques — hoje candidata na lista do PS –, à frente de todos os deputados e do embaixador da Reper [Representação Permanente de Portugal junto da UE], numa reunião no Parlamento Europeu, elogiaram os esforços dos deputados portugueses e o seu trabalho no PPE para evitar sanções. Foi elogiado mesmo o esforço que eu tive para deixar claro que não se iam aplicar as sanções. Foi um esforço de todos os quadrantes, mas também no PPE, como ainda recentemente disse Carlos Moedas.
Penso que é uma não questão. E julgo que a intervenção de Weber, embora nem sempre bem percebida, foi muito importante para evitar que acontecesse uma coisa que por vezes acontece na União: que os países grandes, a Itália e a França por exemplo, ou a Alemanha no caso do superávit comercial, acabam por ter uma condescendência que Portugal, a Grécia ou até a Irlanda por vezes não tiveram. Ao pôr as coisas como pôs, ele garantiu que Moscovici não fazia, como socialista, um favor aos socialistas.
Falou de uma terceira crise na Europa relacionada com o Brexit. Portugal está preparado para enfrentar este processo?
Acho que Portugal se preparou mal para este processo, em duas dimensões. Uma dimensão mais de curto prazo que é a questão da contingência. A única coisa que Portugal fez até agora foi a declaração de direitos [dos cidadãos]. Aquilo a que Portugal chama plano de contingência não o é. Aquilo a que Portugal chama plano de contingência é uma declaração de direitos recíprocos — sob condição de ambos países estarem de acordo –, que são para durar para o futuro. Não são portanto de contingência. Não está no terreno nenhuma missão para reforçar os consulados de maneira a que os portugueses no Reino Unido tenham uma grande assistência. Passou-se de 31 para 35 permanências consulares, mas os tempos de espera são cada vez maiores.
Depois, [há a questão das] empresas portuguesas seja na área dos serviços de turismo, seja na área da pequena e média exportação. Reuni com empresas de turismo no Algarve e com pequenas e médias empresas de entre Douro e Minho que tem quotas de exportação importantes para o Reino Unido e que estão completamente à deriva sem qualquer apoio do estado.
O esforço que se devia fazer para trazer empresas sedeadas no Reino Unido para Portugal – o Portugal IN –, não deu nenhum resultado. Portanto a situação hoje é de grande insegurança, fragilidade e instabilidade.
Mas Portugal está articulado com os outros Estados-membros.
Certo. Mas como digo é para a relação futura. Ou seja, para o caso de não haver acordo, saber se as pessoas vão poder conduzir, ir ao serviço nacional de saúde, como tratam com a segurança social. Mas isso não é contingência, isso até é permanência, é o que vai acontecer durante os próximos anos. Portanto, no terreno as coisas falharam.
Depois há uma segunda dimensão que para mim é tão importante como esta: a dimensão geopolítica. Portugal será um dos grandes perdedores do Brexit – agora não me estou a referir à liberdade de circulação nem à economia, estou a referir-me ao fator geopolítico. O Reino Unido representa a visão atlântica, marítima, a visão extrovertida da União Europeia e Portugal deixará de ter aqui uma voz forte que o Reino Unido representava desta mesma visão. Portugal também é uma potência marítima, extrovertida, cujos interesses no centro e leste da Europa são diminutos e que sempre olha para o Atlântico, as Américas, África, Índia, China.
Não compreendo estarmos apenas e só a privilegiar o Clube Med – os países do Sul da Europa – quando Portugal é um país Atlântico. Na questão do Brexit, os seus interesses comuns não são os da Espanha nem os da Grécia. São os da Suécia, Dinamarca, Holanda, Irlanda e Bélgica.
O Governo português devia ter promovido ao longo destes dois anos uma parceria, uma espécie de Clube Atlântico para quando o Reino Unido sair, ou para enquanto decorrem as negociações [do Brexit], ter uma posição comum com os países que têm uma posição geoestratégica e geopolítica parecida com a portuguesa: pequenas e médias potências marítimas da fachada atlântica que têm grande parte dos seus interesses internacionais fora do continente europeu. É um erro grave do governo português.
A única coisa que eu saúdo é que nesta fase final – só nesta fase final e depois de uma reunião em que eu foi extremamente duro com a secretária de Estado dos Assuntos Europeus –, o governo português mostrou-se muito mais flexível e tolerante com o Reino Unido do que outros Estados. Até aqui estávamos a atuar como se tivéssemos os interesses dos países do centro e leste da Europa.
Nas negociações sobre o próximo quadro orçamental plurianual da União Europeia qual deve ser a linha vermelha do Governo?
A linha vermelha do Governo está traçada há muito tempo. O Governo é que não foi capaz de a cumprir. Portugal não deve perder um cêntimo no próximo quadro comunitário de apoio. O que acontece é que o Governo aceitou — ou conformou-se chegando mesmo a dizer que era aceitável –, com a proposta da Comissão. Proposta em que Portugal perde 7% dos fundos de coesão e, com a questão da agricultura, perde mesmo 10% no total – só no segundo pilar perde 25% dos fundos. E repare, isto é assim, está certificado pelo Tribunal de Contas Europeu. Isto não são números, como pretende o candidato Pedro Marques, disputáveis. O Tribunal de Contas Europeu no seu relatório de 27 de março estabelece que Portugal perde 7% nos fundos de coesão, e até quantifica 1.600 milhões de euros.
Nós não aceitamos nenhum corte para o próximo quadro comunitário de apoio. Se há países ricos que ganham, Portugal que é mais pobre não pode perder.
É fundamental explicar que o grave não é apenas Portugal perder porque isto não é um efeito do Brexit. Portugal perde mas a Espanha ganha 5%, a Itália ganha 6%, a Finlândia 5%. A proposta da Comissão com que se conforma o PS prejudica Portugal. Na coesão há quem ganhe 5% e 6% com um PIB bem superior ao português — como é o caso da Espanha, da Itália e da Finlândia –, e Portugal pode perder 7%. Como digo, já não estou a contar com a agricultura – aqui a situação é extremamente penosa porque só no segundo pilar perde 25%.
A nossa linha vermelha deve ser a seguinte: nós não aceitamos nenhum corte para o próximo quadro comunitário de apoio. Se há países ricos que ganham, Portugal que é mais pobre não pode perder. Infelizmente o Governo português até com falácias e manipulações de números anda a tentar dizer uma coisa que foi desmentida pelo Tribunal de Contas Europeu. Aliás, os jornalistas todos podem ver as declarações quer do ministro Pedro Marques em junho, quer até do primeiro-ministro num debate quinzenal, eles próprios assumem que tinha havido aí uma perda. Antes assumiam que havia uma perda mas não era má para Portugal. Agora, alegam que há ganhos, veja lá. Portanto, a nossa divisa é: não vamos perder aí um cêntimo nos fundos para a convergência.
Mas as negociações ainda não acabaram.
Certo, estou totalmente de acordo. As negociações não acabaram. O que digo é que o Parlamento Europeu – muito por obra do PSD e até, se me permite individualizar, do deputado José Manuel Fernandes -, formulou uma proposta em que Portugal perde zero euros.
O Governo veio já várias vezes dizer que esta proposta é aceitável, que a quer melhorar. Mas ele está disposto a conformar-se. E nós estamos inconformados. Essa é a diferença. Agora, tem toda a razão quando diz que as negociações não acabaram. É por elas não terem acabado que nós temos esta posição tão dura e tão inflexível. Para mostrar claramente que se nós não tivermos esta linha vermelha, o que vai acontecer é que vamos acabar por ceder e aceitar cortes que, do nosso ponto de vista, são inaceitáveis. Especialmente tendo em conta que países mais ricos na área da coesão e da convergência conseguem subir o seu nível, enquanto nós estamos a descer.
Tem havido muita confusão na campanha quando se fala sobre os chamados impostos europeus. Qual é a posição do PSD?
A posição do PSD é totalmente contra qualquer imposto europeu. Somos contra esta ideia. Esta é uma questão, num certo sentido, falaciosa porque neste momento, de acordo com os tratados, nenhum órgão europeu pode criar impostos diretos sobre os cidadãos. Portanto, nem o Parlamento nem o Conselho podem criar qualquer imposto. Acho que esta questão está arrumada.
Depois, outra questão é se deve ou não haver receitas próprias. E como sabe a respeito das transações financeiras ou até das plataformas digitais tem havido a ideia de criar uma contribuição. Mas seria criada estado a estado. Seria consensualizada por unanimidade – o PSD sempre exigiu isso. Depois, cada estado, cada parlamento criaria essa contribuição e, eventualmente, uma parte dessa receita seria afetada à União Europeia. E essa parte serviria para uma receita própria da União Europeia.
Esta é a solução que temos para o IVA e ninguém diz que o IVA é um imposto europeu. Portanto, não é uma questão de impostos europeus. Somos completamente contra um imposto europeu que é aliás proibido pelos tratados, não existe. Somos totalmente a favor da soberania fiscal e portanto da unanimidade dos Estados-membros. Isto não impede que os estados, por unanimidade, se concertem para criarem em cada país uma contribuição, e uma parte dessa receita arrecadada ser destinada ao orçamento europeu. Isso pode perfeitamente acontecer. Mas tanto que não há impostos europeus é que o Parlamento Europeu quando aprova o orçamento não aprova receitas, só despesas. Porque não tem a possibilidade de criar impostos. É confundir as pessoas falar em impostos europeus.