A Política Agrícola Comum (PAC) foi criada em 1962. Desde aí, esta política sofreu revisões e adaptações mas os seus objectivos nucleares têm-se mantido. Sucintamente, a PAC pretende:
- Assegurar uma produção agro-alimentar em quantidade suficiente e de elevada segurança;
- Proporcionar preços razoáveis ao consumidor;
- Promover a vitalidade das zonas rurais, garantindo níveis de rendimento e de qualidade de vida bons para quem depende da agricultura;
- Preservar o meio ambiente e a paisagem;
- Fomentar o crescimento sustentável e a modernização das explorações agrícolas, tornando-as mais competitivas do ponto de vista económico e ambiental.
Em 2005 foi decidido que o caminho para atingir os propósitos acima descritos passava por desligar os apoios da produção. Os argumentos a favor prendiam-se com a necessidade de não atentar contra a OMC, por adultério de condições de competitividade, e de dar maior liberdade de decisão aos agricultores sobre o que produzir, apelando-se a uma maior racionalidade económica. Criou-se assim, inicialmente, o RPU; hoje vigora o RPB.
O RPB e a sua aplicação neste quadro comunitário assentam em alguns pressupostos que gostaríamos de destacar:
- Os direitos ao apoio RPB foram definidos, em número e valor, para cada beneficiário, em 2015;
- Os direitos têm um valor unitário variável, estando os mais baixos normalmente associados a situações de menor produção agrícola;
- Os direitos são móveis e transaccionáveis, não estando individualmente associados a nenhuma região, empresa ou ocupação cultural específica;
- Os direitos conduzem a um recebimento de apoio a qualquer beneficiário que os detenha, tendo para tal, como únicas condições, de possuir terra e mantê-la em condições agricultáveis.
Decidimos realçar estas características porque são elas as principais responsáveis para o problema que identificámos e que escolhemos como tema para este artigo:
O pagamento desligado RPB não está a contribuir, em certos locais e condições, para que os objectivos a que a PAC se propõe sejam atingidos!
Existem várias situações flagrantes que sustentam o referido.
Um exemplo relevante é o que tem ocorrido nas zonas mais desfavorecidas e agricolamente pobres do interior do nosso país. Estes locais têm associados direitos de RPB de baixo valor. Se juntarmos a este facto a inexistência de qualquer exigência produtiva para que o apoio seja entregue, cria-se um incentivo para que o agricultor não realize qualquer actividade, pois o risco de tentar produzir é demasiado elevado face ao baixo retorno expectável. As consequências directas são a redução do investimento e da actividade agrícola e, com eles, a tendência para o abandono. O problema assume proporções ainda mais graves quando estes locais se tornam, devido à mobilidade dos direitos, zonas de alojamento de direitos de RPB de valor superior aos que existem na região – esta situação atingiu a sua maior expressão durante este ano em que os jovens agricultores, sem que lhes fosse exigido qualquer comprometimento em realizar investimento, tinham acesso a direitos, com valor acima da média, da Reserva Nacional. Há casos em que os beneficiários nem se deslocam aos terrenos; o foco é apenas alojar o direito e receber o apoio. O RPB, nestes cenários, de “apoio desligado da produção” torna-se um “apoio desligado da actividade e da presença no território”. Algo deve ser feito. Um maior suporte aos agricultores destas zonas naturalmente menos competitivas aliado a uma definição clara, por exemplo através do Pedido Único anual, do que é o agricultor activo (ou genuíno) são posições que contribuiriam para evitar situações como as descritas que de nenhuma maneira contribuem para os propósitos da PAC discriminados no 1º parágrafo deste texto.
O mercado de arrendamento é outro exemplo que tem sido afectado negativamente por esta aplicação de políticas. Como a única exigência para se receberem os apoios é a titularidade de terra, os senhorios são tentados a subir o preço do arrendamento na expectativa de ficarem com parte do apoio desligado entregue ao agricultor. Com isto não pretendemos atacar os senhorios; é absolutamente compreensível que tentem melhorar a sua situação. Contudo, uma distribuição de apoios deste tipo não vai de encontro às metas que a PAC pretende alcançar. A situação é ainda mais complicada para novos arrendamentos em que os proprietários detêm eles próprios direitos de RPB. Serão muito raros os arrendamentos deste tipo em que o rendeiro não fica obrigado a alojar os direitos do senhorio e a entregar as verbas correspondentes. Assim, nestes casos, o RPB em vez de ser uma medida de apoio ao rendimento do agricultor torna-se um complemento de renda para o proprietário. Novamente, situações destas, em nada contribuem para os fins a que a PAC se destina. Para sermos mais eficientes na aplicação dos apoios, algo tem de mudar. Medidas como calcular o valor dos pagamentos desligados anualmente, e não para o quadro todo, e através de indicadores que meçam os contributos que cada agricultor fornece para o cumprimento dos desígnios da PAC minimizariam este problema.
Parece-nos claro, não só para os exemplos apresentados, mas para a aplicação geral da política, que quanto mais dirigirmos os apoios para a agricultura e para os agricultores, mais próximos estaremos de atingir os objectivos a que a PAC se propõe.
Paralelamente, mas de enorme relevância, se afastarmos a PAC da actividade agrícola propriamente dita estaremos a contribuir para que esta política continue a não ser compreendida nem bem aceite pela sociedade em geral. A médio prazo, em vez de caminharmos para a sua aceitação, dirigiremo-nos para a sua redução até ao desmantelamento total.
Um novo quadro comunitário aproxima-se. Com a maior responsabilidade conferida a cada Estado Membro cria-se a ocasião e a oportunidade para definirmos políticas que se dirijam aos agricultores e aos objectivos a que a PAC sempre se propôs. Este será o caminho para aumentar a eficiência da distribuição de apoios que, ao mesmo tempo, contribuirá para legitimar a PAC na sociedade.
Têm a palavra os nossos decisores políticos!
Afonso Bulhão Martins, Engenheiro Agrónomo
António Quadros e Costa, Engenheiro Agrónomo