Um queijo DOP é parte do património alimentar da humanidade, mas nem sempre sabemos tratar esta riqueza. E, nos queijos mas não só, há uma chuva de razões que explicam esse problema.
João Dias é professor no Instituto Politécnico de Beja na área das tecnologias agrícolas, autor de diferentes estudos académicos e, nas horas vagas, vasculha documentos em inúmeras bibliotecas do país, sempre à procura de vestígios dos queijos alentejanos. Como, há muitos séculos, não havia a preocupação de produzir bibliografia direccionada para o queijo, o investigador tem de consultar milhares de documentos genéricos para descobrir detalhes sobre a área dos lacticínios.
A sua cronologia da história dos queijos do Alentejo começa com um cincho (molde de queijo) datado de 3000 a.C, passa para um foral de D. Manuel, em 1513, que isentava de portagem os queijos, vai aos relatos do alemão Heinrich Link que, entre 1797 e 1979, comenta o uso de cardo nos queijos de Serpa e Mértola, destaca a performance dos queijos de Serpa nas feiras universais de 1862 e 1872 e termina com um Congresso de Leitaria e Olivicultura em 1905. Pelo meio ainda realça à Fugas “uma discussão que ocorreu nas Cortes de Lisboa, em 1758, sobre o problema da falsificação dos queijos de Montemor-o-Novo. Ora, como bem sabemos, só se falsifica aquilo que é bom. E, no século XVIII, os queijos de Montemor já tinham fama.”
Além da importância dos factos para a História do país, os mesmos são o suporte para o reconhecimento das actuais Denominações de Origem Protegida (DOP). Um queijo DOP é um produto com história, inimitável, protegido com direitos autorais e património de uma região e de um povo. Não se trata de um selo inventado ao sabor das modas, é algo que tem uma história muito longa. E as questões que se colocam são as seguintes. Enquanto consumidores, damos a devida importância ao conceito? Conhecemos as DOP portuguesas? Percebemos a sua importância para preservação dos ecossistemas e da nossa identidade alimentar? Estamos dispostos a pagar mais por um produto DOP face a outro indiferenciado? A resposta a todas as questões, e atendendo ao registo das vendas, é a mesma e simples: não, com excepção do vinho, as DOP não nos interessam por aí além.
As razões que explicam esse desinteresse dariam para encher várias folhas A4, mas vamos às principais. Primeiro, não existem estratégias para a promoção e divulgação dos queijos DOP (São Jorge e Serra da Estrela à parte); segundo, não temos, ao contrário de Espanha ou França, instituições dedicadas ao estudo dos produtos lácteos; terceiro, os responsáveis políticos de diferentes hierarquias interessam-se pouco pelo assunto (a não ser, ao nível autárquico, em molde de feiras com programas de televisão pelo meio); quarto, os agrupamentos de produtores são fantasmas; quinto, a generalidade dos consumidores não reconhece a diferença entre um queijo de leite cru e outro de leite pasteurizado; sexto, o poder de compra dos portugueses é aquele que se sabe; sétimo, para a maioria dos restaurantes, ser ou não ser DOP dá no mesmo; oitavo, o processo de certificação dos queijos DOP torna o produto final mais caro; nono, a comunicação social só se lembra dos queijos quando há feiras dedicadas e; décimo, quando os produtores entram no circuito de venda da moderna distribuição a descaracterização dos queijos DOP é inevitável, quer pelo tratamento que têm em loja (as temperaturas de frio são idênticas para um queijo São Jorge ou para um pequeno queijo de Azeitão), quer pelo embalamento dos queijos a vácuo (algum francês aceitaria tal coisa?) ou pela imposição de substâncias antibolores na crosta dos queijos, o que torna essa mesma casca incomestível e não conforme o caderno de especificações das DOP. Se o responsável de uma loja vê um fungo que seja na crosta de um queijo manda logo devolver o lote à queijaria.
Por causa de tudo isso, os produtores de queijo DOP foram obrigados, com excepção dos casos Serra da Estrela, Terrincho e Cabra Transmontano, a recorrer a leites de animais de raças exóticas, porque, mais […]
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