Terminou no dia 12 de janeiro a consulta pública relativa à proposta de Orçamentos de Carbono a vigorar em Portugal para os períodos de 2023-2025 e 2026-2030, para a qual a ZERO deu o seu contributo. Os orçamentos de carbono são um instrumento fundamental na política climática, na medida em que estabelecem tetos limite claros para as emissões de gases de efeito de estufa nas diferentes etapas do percurso para a neutralidade climática. Desta forma, os orçamentos (1) permitem ao país avaliar a consistência do caminho rumo a emissões líquidas zero à medida que ele é trilhado, (2) orientam o desenvolvimento de políticas públicas nos sectores mais prioritários, e (3) servem como ferramenta de responsabilidade e transparência na prestação de contas à sociedade e à comunidade internacional. Sem a sua existência e sem a sua gestão eficaz, torna-se mais desafiante alcançar as metas nacionais estabelecidas.
Os Orçamentos de Carbono são obrigatórios por lei, constando no Artigo 20.º da Lei de Bases do Clima, e já deveriam estar em vigor desde o dia 1 de fevereiro de 2023, estando portanto quase dois anos atrasados. Embora seja positiva a iniciativa da Agência Portuguesa do Ambiente em propô-los agora a consulta, a ZERO lamenta o seu enorme atraso, tendo em conta as exigências legais e a emergência climática vivida.
Recomendações da ZERO para os Orçamentos de Carbono
A ZERO apresentou um conjunto de reparos, propostas e recomendações que visam melhorar aquela que venha a ser a versão final da proposta de orçamentos de carbono agora levada à consulta pública:
- Orçamentos estão em desconformidade com o Acordo de Paris: a ZERO entende como fundamental a elaboração de orçamentos de carbono alinhados com a meta de 1,5°C do Acordo de Paris, algo que não acontece com os orçamentos em consulta. Em Portugal, cumprir o Acordo corresponde a atingir a neutralidade climática em 2040 e a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 60% até 2030 em relação a 2005. Para tal, as emissões em 2030 não devem ultrapassar as 34,4 Mt CO2eq (dióxido de carbono equivalente), sendo que os orçamentos em consulta apontam para 38,6 Mt CO2eq, um valor em excesso de 4,2 MtCO2eq, o equivalente a mais de dois anos de todas a emissões do sistema elétrico nacional.
- Desagregação dos orçamentos por subsetores: os orçamentos de carbono apresentados na consulta pública são feitos por sector, carecendo de uma desagregação mais fina. No entender da ZERO, cada sector engloba subsectores com naturezas e maturidades tecnológicas muito diferentes, que precisam de ser analisados separadamente, e cujas políticas e apoios, por exemplo a nível dos Orçamentos do Estado, do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) ou dos Planos Setoriais de Mitigação, também deverão ser diferentes. Por isso, a ZERO recomenda a apresentação de dotações de emissões de dióxido de carbono equivalente para os diferentes subsectores, e.g. produção de eletricidade, indústria, modos de transporte rodoviário e transporte marítimo, aviação, ferrovia. Desta forma, é facilitada a leitura do estado da descarbonização nestas diferentes categorias para as diferentes partes interessadas, incluindo os cidadãos, e evita-se que a evoluções positivas de uns possam encobrir as negativas de outros, sendo possível aplicar políticas públicas mais finamente adaptadas.
- Revisão da Metodologia de Cálculo: a adoção de uma trajetória linear na redução de emissões, como acontece na versão dos orçamentos colocada a consulta, não reflete adequadamente a realidade do processo de descarbonização. No entender da ZERO, a aplicação de uma metodologia baseada em curvas em S (curva logística), que reflete uma descarbonização mais lenta no início, mais rápida no meio e por fim novamente mais lenta, permitiria uma representação mais realista e eficaz dos percursos de descarbonização. Esta metodologia deve ser aplicada individualmente para cada subsector, resultando num orçamento global por combinação das várias curvas.
- Sistema de Monitorização Rápida: o sistema de monitorização dos Orçamentos de Carbono é inadequado para detetar e corrigir atempadamente desvios na trajetória, pois está dependente da elaboração dos inventários anuais de emissões nacionais, apresentados sempre com cerca de dois anos de atraso (neste momento, por exemplo, são conhecidas as emissões totais do país apenas até ao ano de 2022). A ausência de planos setoriais de mitigação, exigidos por lei desde 1 fevereiro de 2023, agrava a situação. A ZERO propõe a divulgação anual de um inventário provisório de emissões até março de cada ano referente ao ano anterior, permitindo, deste modo, que os instrumentos de política pública, incluindo o Orçamento do Estado do ano seguinte, contenha medidas que respondam aos desvios observados de forma atempada. Tal mecanismo iria impedir a sistemática acumulação de emissões acima das trajetórias de redução previstas e evitar a adoção de medidas mais violentas nos períodos seguintes.
A ZERO sublinha ainda que o documento deveria apresentar o orçamento global de que o país dispõe para atingir a neutralidade climática em 2045, data definida no PNEC 2030, para que se possa conhecer qual a parte do orçamento global que foi já consumida até 2025 e até 2030.
Por último, a ZERO reforça, uma vez mais, a importância de fazer cumprir a Lei de Bases do Clima e de evitar novos adiamentos e incumprimentos. A apresentação tardia dos Orçamentos de Carbono e a procrastinação na apresentação dos planos setoriais de mitigação e adaptação têm sido um obstáculo à implementação de políticas eficazes e à garantia do cumprimento das já de si insuficientes metas a que o país está obrigado. A ZERO espera que a recentemente criada Agência para o Clima, que tem como missão propor e desenvolver políticas e medidas em matéria de mitigação e adaptação às alterações climáticas, venha contribuir para a melhoria da governança climática em Portugal, e que consiga inverter os atrasos e falhas, de forma a colocar o país no caminho certo para alcançar a neutralidade climática até 2045.
Fonte: ZERO