A pecuária ilegal tem causado devastação em territórios de pequenos agricultores e povos indígenas no estado brasileiro do Pará, que sediará a conferência da ONU para o clima em menos de um mês, denunciou hoje a Human Rights Watch.
De acordo com a organização não-governamental a empresa multinacional brasileira JBS, maior produtora de carne do mundo, terá adquirido e exportado gado proveniente de fazendas ilegais situadas nas áreas protegidas Terra Nossa e Terra Indígena Cachoeira Seca, contribuindo para a desflorestação e violações de direitos humanos.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), órgão federal encarregado da reforma agrária no Brasil, criou em 2006 o assentamento Terra Nossa com o objetivo de beneficiar pequenos agricultores que deveriam dedicar-se ao cultivo sustentável, recolhendo frutos e castanhas da floresta.
Contudo, grandes fazendeiros invadiram ilegalmente a área, recorrendo à violência contra os moradores que resistiram à ocupação. Em 2023, quase metade do assentamento (45,3%) já tinha sido transformada em pastagens para criação de gado.
No relatório intitulado “Gado sujo: a exposição da JBS e da UE a violações de direitos humanos e desmatamento ilegal no Pará, Brasil”, a Human Rights Watch “mostra que fazendas ilegais nessas áreas venderam gado para vários fornecedores diretos da JBS”.
“A JBS ainda não possui um sistema para rastrear seus fornecedores indiretos de gado, apesar de se ter comprometido a implementar em 2011”, disse a pesquisadora sénior de meio ambiente da Human Rights Watch, Luciana Téllez Chávez, acrescentando que sem esse sistema a empresa não pode cumprir o “compromisso de eliminar o desmatamento de sua cadeia de abastecimento até o final de 2025” como tinha prometido.
Entre 2020 e 2025, países como Bélgica, França, Alemanha, Espanha e Itália importaram carne e couro dos frigoríficos da JBS nessas regiões afetadas pela pecuária ilegal.
De forma a mitigar a situação, a ONG reclama que o governo brasileiro reivindique as áreas ocupadas ilegalmente pelas fazendas de gado dessa região.
O Governo do Pará prometeu criar um sistema de rastreabilidade individual do gado até 2026, enquanto o governo federal prevê um sistema nacional apenas para 2032, ritmo considerado lento pela organização não-governamental.
Por outro lado, a União Europeia prevê aplicar a partir de 2026 o Regulamento de Produtos Livres de Desmatamento, mas já admitiu adiar a entrada em vigor, numa ação que segundo a Human Rights Watch, “minaria os esforços globais contra o desmatamento”.
“O Brasil e a UE deveriam trabalhar juntos para proteger a floresta e defender os direitos das comunidades que dependem dela”, sublinhou Luciana Téllez Chávez, no relatório divulgado quando o estado do Pará se prepara para acolher a 30.ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP30), que ocorrerá em Belém, entre 10 e 21 de novembro.
Um levantamento divulgado a 15 de setembro pelo MapBiomas, coletivo de organizações não-governamentais, universidades e empresas de tecnologia que analisam dados sobre os biomas, mostra que a Amazónia brasileira perdeu, em 40 anos, 52 milhões de hectares de vegetação nativa, uma área 5,6 vezes maior que Portugal continental.
Ao longo dos últimos 40 anos, a pastagem foi a forma de uso do solo que mais cresceu na Amazónia: a área destinada ao gado saltou de 12,3 milhões de hectares em 1985 para 56,1 milhões em 2024.
A silvicultura foi a que mais se expandiu em termos percentuais. Em quatro décadas, passou de apenas 3,2 mil hectares para 352 mil hectares.
Já a área agrícola aumentou de 180 mil para 7,9 milhões de hectares, um crescimento equivalente a 4.321%.
Dentro da agricultura, três em cada quatro hectares convertidos para lavoura na Amazónia destinam-se a soja, que em 2024 já ocupava 5,9 milhões de hectares.
Nos últimos anos, a mineração também ganhou terreno, crescendo de 26 mil hectares em 1985 para 444 mil hectares em 2024.