Por volta 2030, mais ano, menos ano, o país terá um problema muito sério de fogos, se entretanto não mudar de vida.
A questão central é a acumulação de materiais finos, em quantidade e estrutura favorável à progressão do fogo.
Esquecendo a questão das ignições, que não interessa grandemente (sobre as famosas ignições nocturnas vale a pena transcrever que o Paulo Fernandes escreveu um dia destes: “O grave problema dos incendiários noctívagos – % dos fogos nocturnos causados por incendiarismo imputável = 23% (16% durante o dia) – % da área ardida total correspondente aos fogos com início nocturno (todas as causas) = 9,7% – % da área ardida nocturna total que tem origem em incendiarismo (incluindo inimputável) = 3,8%”), sobra a questão chave que é a acumulação de combustíveis finos.
Antes de começar, duas fotografias recentes (penso que de Rui Ventura), destes fogos em São Macário, onde são visíveis duas parcelas, uma em cada fotografia, que tinham sido tratadas com fogo prescrito, para deixar bem claro que o fogo não é todo igual, nem todo o mesmo efeito.
Uma abordagem acredita que a actividade económica pode garantir a gestão de combustíveis. É uma abordagem que tem a seu favor o exemplo da produção comercial de eucalipto, em que as propriedades das celuloses terão uma prevalência de fogo de cerca de um quarto da média nacional, e a seu desfavor meio milhão de hectares de sucata florestal de eucalipto que arde como o resto.
O que isto indicia é que o limiar de sustentabilidade económica, mesmo na fileira florestal mais adaptada ao regime de fogo existente e ao contexto social e económico prevalecente, é tão baixo que não consegue, sequer, ter metade da sua área gerida com propósito e resultados.
Noutras fileiras a situação é pior (o montado é um sistema agro-silvo-pastoril e, consequentemente, ocupa um lugar particular na discussão da gestão florestal porque não é produzido pela gestão florestal, mas pela produção pecuária e, eventualmente, agrícola), com o pinheiro a garantir áreas muito menos significativas de gestão, nas zonas que lhe são especialmente favoráveis.
Os usos alternativos à produção de pau ou resina, têm alguma expressão local em algumas regiões (como o castanheiro no Nordeste, e o pastoreio em algumas áreas do país), mas estão longe de ter a expressão que seria necessária para que consigamos ganhar controlo sobre o fogo.
Muitas das propostas que têm virtudes, sobre alteração da estrutura de propriedade, fiscalidade e coisas que tais (excluindo aldrabices como a biomassa), mesmo que fossem facilmente aplicáveis, nunca teriam qualquer efeito de diminuição da carga de combustível até ao próximo episódio meteorológico que seja especialmente favorável à progressão do fogo (simplificando, tempo extremamente seco com ventos fortes, durante mais de dois dias).
Um plano de emergência para o fogo, que não deve ser confundido com um plano para acudir às emergências resultantes do último fogo, deveria ter um, e apenas um, objectivo: aumentar a área de gestão de materiais finos.
Tudo o resto até pode ser muito importante (eu não acho, mas é uma mera opinião de um gajo de Alfama), mas não é urgente.
E é aqui que entra a proposta de pagar directamente a gestão, sem complicações, em função de um resultado a atingir: ter menos de 50cm de altura de materiais finos no terreno.
Não paga o corte ou queima de todos os materiais em todos os terrenos?
Não, não paga, nem é esse o objectivo, é apenas reduzir de forma extensiva a carga de combustível, criando pirodiversidade e aumentando as oportunidades de combate, alavancando as actividades que já existem.
Com esta proposta tornamos as actividades que gerem combustíveis mais competitivas – pagando-lhes um serviço de interesse geral, não é nenhum subsídio, é o pagamento de um serviço – e ganhamos controlo sobre o fogo.
O resto é só o resto, no sentido que lhe deu aqui Reinaldo Ferreira: “Mínimo sou, Mas quando ao Nada empresto. A minha elementar realidade, O Nada é só o resto”.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.