O próximo Conselho Agrícola, de 26 de março, representará, no caso de Portugal, o fim de um ciclo, com a última participação da, ainda, Ministra Maria do Céu Antunes. Veremos quem vai ser o “senhor que se segue”, mas este não será um Conselho qualquer, sobretudo no momento em que vivemos e ainda com o “ruido” das manifestações de agricultores. Elas ainda persistem um pouco por toda a Europa, ainda que por razões diferentes, tendo como pano de fundo as alterações recentemente sugeridas nas relações entre a União Europeia e a Ucrânia ao nível das importações.
Existem questões a que urge dar resposta, ou sinais claros disso, no muito curto prazo, preparando um ambiente de moderação que evite, ou contenha, a crispação, já que as eleições europeias se aproximam rapidamente e há que travar os extremismos e radicalismos, de forma a assegurar o “cordão sanitário” para o próximo Mandato.
De facto, ao analisarmos a agenda do Conselho, destacam-se, em nossa opinião, três pontos essenciais, para os quais esperamos, naturalmente, todo o empenho da Ministra de Portugal: as propostas de simplificação, que irão permitir reduzir os custos e encargos dos agricultores, na sequência das discussões de 26 de fevereiro; a atual situação do mercado, tendo em vista os novos desenvolvimentos e medidas relativas às importações da Ucrânia; o pedido da Áustria sobre o dossiê relativo à desflorestação e o pedido de Espanha relativo às novas técnicas genómicas.
Quanto à simplificação, a Comissão está pressionada pelos Estados-membros (e respetivos agricultores), enquanto pressiona o Parlamento Europeu porque sente a urgência, o “tempo que nos foge”, e as expetativas criadas aos agricultores, mas também à opinião publica que, talvez pela primeira vez, se deu conta das contradições que encerra a própria Política Agrícola Comum e a burocracia que, nesse âmbito, é exigida. Custos e exigências, que retiram competitividade, implicam recursos dispendiosos e controlos muitas vezes duplicados, ineficientes e que, no limite, contribuem para o abandono da atividade agrícola e pecuária e colocam também em causa a soberania alimentar.
No entanto, se tivermos em linha de conta a amplitude das propostas da Comissão, e as que foram avançadas pelas principais organizações agrícolas, é fácil constatar que se vai ficar aquém do desejável, pese embora já sejam muito positivos estes avanços. Depois, importa compatibilizar as flexibilizações ou derrogações com as regras nacionais, o que significa que estamos confrontados com um processo moroso e complexo. Por exemplo, a consulta pública sobre a Diretiva nitratos esteve aberta até 8 de março. Decorre atualmente uma outra, sobre a simplificação, que vai terminar apenas em maio, esperando-se os resultados para o verão deste ano. Provavelmente, apenas no outono de 2024 teremos as principais conclusões de todo este processo. Já com um novo Parlamento Europeu.
Tudo isto tinha de ser feito, no sentido de recolocar o papel da agricultura, da pecuária, do agroalimentar, do mundo rural no lugar e dimensão política que merecem. Não podemos permitir, tal como no passado, que as tentativas de simplificação se traduzam em mais complicações. Pensamos que essa é uma lição que os decisores em Bruxelas já terão interiorizado e veremos os avanços que vão sair do Conselho. A Comissão e os Ministros da Agricultura vão ter de apresentar alguns resultados concretos. Assim o exige a proximidade das eleições para o Parlamento Europeu, sem esquecer que a PAC não é só Agricultura, como tantas vezes aqui temos escrito.
A discussão sobre a situação dos mercados, que será antecedida de uma intervenção do Ministro da Agricultura da Ucrânia, Mykola Solsky, não deixará certamente de se centrar nas consequências do projeto de medidas relativas às importações da Ucrânia. Recorde-se que o Parlamento Europeu, que votou no passado dia 13 (347 votos a favor, 117 contra e 99 abstenções) aprovou medidas para manter o estatuto de isenção de direitos para as importações ucranianas até junho de 2025. No entanto, foram adotadas restrições adicionais a certos produtos agrícolas, incluindo açúcar, aves de capoeira, ovos, cereais e mel. Na proposta inicial, os cereais incluíam apenas o milho, mas existem pressões para que seja alargado ao trigo e cevada. A legislação confere à Comissão o poder de agir rapidamente e impor quaisquer medidas necessárias em caso de perturbações significativas no mercado da UE ou nos mercados de um ou mais países da UE devido às importações ucranianas, incluindo um travão de emergência.
Teremos aqui mais um foco de tensão, longe de estar resolvido e que não facilitará a ajuda europeia à Ucrânia, no sentido de conter os avanços da Rússia na frente militar e no quadro geopolítico. A poucos meses da presidência húngara, estas não são seguramente boas notícias.
Para o nosso setor tudo o que pressuponha limitações ou imposição de tarifas nas importações de matérias-primas contribuirá para maior incerteza, volatilidade e aumentos de custos na alimentação animal e, consequentemente, na atividade pecuária.
O que podemos esperar do Conselho é uma maior clarificação, análise das consequências do novo acordo para toda a cadeia alimentar – animal e humana – e coerência no discurso europeu relativamente à invasão da Rússia e ao apoio à Ucrânia. Tendo em vista as eleições de junho para o Parlamento Europeu, era bom que não existissem quaisquer dúvidas quanto a isto. Por ora, bastam os riscos que sopram dos EUA.
Finalmente, as NTG (Novas Técnicas Genómicas) e Desflorestação, que vão estar nos pontos diversos (AOB). A respeito das NTG, a Espanha (e todos nós) vai querer saber como está a evoluir o dossiê, “parado” na tríloga, com divisões entre os Estados-membros, que não têm maioria qualificada, como sempre acontece. A Polónia aparenta ser o caso mais complicado (a França terá colocado novas questões à EFSA), com a presidência belga a ter como objetivo finalizar a proposta até junho. É sabido que o transitar para a Hungria é adiar…e segue-se a Polónia no primeiro semestre de 2025.
No dossiê da desflorestação, a Áustria, com o apoio de Finlândia, Itália, Polónia, Eslovénia e Suécia, vai falar das pastagens e solicitar esclarecimentos sobre a implementação da legislação e, solicitando mais tempo, vai adiando o período de aplicação. Não é colocar em causa os objetivos, mas acautelar o impacto no mercado, para evitar disrupções nas importações de matérias-primas, incerteza e mais custos. O objetivo será tornar a proposta mais simples e flexível. Pensamos que em relação a este tema Portugal deveria posicionar-se ao lado destes países ou intervir no sentido de pedir à Comissão Europeia um período mais amplo na implementação, à luz do que foi o projeto-piloto.
São, pois, estas as nossas expectativas quanto à reunião do Conselho, com um desempenho de Portugal, à altura, em cada um destes dossiês, certamente colocando-se do lado dos agricultores ou da Indústria, na simplificação, nas relações com a Ucrânia, nas NTG ou na Desflorestação.
Aliás, nestes dois últimos dossiês sempre contámos com o apoio da Ministra Maria do Céu Antunes e do Ministério da Agricultura.
Numa altura em que se encerra este ciclo de governação, agradecemos todo o apoio e participação da Ministra da Agricultura e Alimentação em vários momentos da IACA e da FEFAC, sobretudo durante a pandemia, na Presidência de Portugal da UE e no início da invasão da Ucrânia pela Rússia. Apresentamos aqui os nossos cumprimentos.
Nem sempre estivemos de acordo, como é normal. Aqui deixámos, em muitas destas Notas e em outras exposições, o nosso descontentamento, os nossos pontos de vista, mas sempre mantivemos um diálogo cordial e transparente, no sentido de contribuirmos para soluções, na defesa dos legítimos interesses da Indústria que representamos.
É o que esperamos do próximo Governo e do futuro responsável pelo Ministério da Agricultura e Alimentação, que poderá ter, ou não, as florestas. Com peso político na estrutura governativa, que requalifique e dignifique o papel da agricultura, do agroalimentar e do mundo rural, assumindo o Setor como estratégico para Portugal. É o que desejamos.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Fonte: IACA