«O mirtilo português tem muita qualidade»
Carlos Adão, presidente da ANPM-Associação Nacional de Produtores de Mirtilo, enumera três desafios atuais desta fileira: combater a Drosophila suzukii, facilitar a contratação de trabalhadores à jorna e concentrar a venda da fruta em menor número de operadores para ganhar escala.
A área de produção de mirtilo é a que mais cresce em Portugal no segmento dos pequenos frutos?
Nos últimos dois anos abrandou a tendência de crescimento a que assistíamos desde 2010, nessa altura existiam 43 hectares de mirtilo em Portugal, e em 2023, estaríamos acima dos 2627 hectares, atualmente serão cerca de 3000 hectares. Atualmente, a curva de crescimento é mais reduzida, mas a área, o volume produzido e número de produtores continua a aumentar. Em geral, no Centro e Norte há muitos produtores com áreas pequenas e no Sul há poucos produtores com áreas grandes. Porém, temos assistido a uma reconfiguração das áreas de mirtilo, com tendência de aumento da área por produtor.
Como se posiciona o mirtilo português no contexto internacional?
O mirtilo português tem muita qualidade e segurança alimentar. Os nossos produtores são pessoas jovens, muitos formados na área agrícola e têm uma sensibilidade muito grande para produzir com qualidade, procuram apoio técnico e têm explorações profissionais. O mirtilo produzido em Portugal é vendido sobretudo para o Norte da Europa, via Países Baixos e Espanha. Temos uma janela de oportunidade em junho e julho, mas esta tende a esbater-se com as novas variedades e formas de condução aplicadas em toda a geografia mundial, portanto, é pela qualidade que o mirtilo português tem de se afirmar no mercado europeu.
A renovação das plantações com novas variedades está a acontecer?
Os obtentores estimulam os produtores a renovar as plantações com variedades melhoradas do ponto de vista organolético e com maior tempo de prateleira. Porém, existe alguma dificuldade em encontrar novas variedades ajustadas ao Centro e Norte de Portugal. Na ANPM queremos agilizar a experimentação de novas variedades, das quais não conhecemos o comportamento em Portugal, e por isso, celebrámos recentemente um protocolo com o Município do Fundão para instalar um campo experimental de novas variedades de mirtilo. A informação que daí resultar ficará acessível a todos os produtores.
A disponibilidade de água e de mão-de-obra são os principais desafios para os produtores de mirtilo?
O tema da água é transversal a toda a agricultura, sendo consensual que não há falta de água em Portugal, o que há é dificuldade em geri-la. Precisamos de políticas para ter água onde ela é necessária. A contratação de mão-de-obra local é muito relevante para os pequenos produtores de mirtilo, mas as questões burocráticas são demasiado complexas e criam grandes constrangimentos. Nós defendemos a criação de um instrumento simples que facilite a contratação à jorna numa plataforma nacional que registe e articule com o Estado os impostos e os descontos de cada trabalhador. Isso permitiria a contratação de desempregados, estudantes e reformados, entre outros, que estivessem disponíveis para trabalhar na colheita do mirtilo.
A Drosophila suzukii é outro enorme desafio, tem causado prejuízos crescentes aos produtores de mirtilo, framboesa, cereja e morango. É uma praga que, pela sua relevância, justifica a definição de uma estratégia nacional das várias fileiras para a monitorizar, combater e mitigar. E a investigação é muito importante.
Deverá ser o Estado a criar essa estratégia nacional de combate à Drosofila Suzuki?
O Estado, através das CCDRs, deverá funcionar como uma plataforma de agregação das várias fileiras e de definição desta estratégia nacional. É muito importante que haja uma estratégia de combate integrada, abrangente e universal para todos os produtores. Atualmente, a Drosofila Suzuki está mais resistente e permanece todo o ano nas culturas, exigindo um investimento maior de todos os produtores no seu combate.
A concentração da oferta de mirtilo num menor número de operadores de maior dimensão é uma tendência que veio para ficar?
Existe uma tendência de agregação em organizações de produtores e cooperativas que é positiva para a afirmação do mirtilo português no contexto europeu e mundial. Ela é fundamental para o aumento do poder negocial e para o alargamento da janela de oferta do mirtilo português na Europa. A ANPM tem contribuído para esta agregação ao organizar os Encontros Nacionais de Produtores de Mirtilo, onde desenvolvemos ações de networking para estimular a união entre produtores.
O artigo foi publicado originalmente em APH.