O futuro trará tecnologia de ponta, inovação, dados mais precisos. No copo, ganharão força castas resilientes, incluindo as minoritárias, das vinhas velhas. Este sábado há Fugas Especial Vinhos.
Imagens de satélite, drones para pulverizar a vinha com poupança de água, ETAR sobre rodas, vinhos feitos de castas de nome esquisito, como Mourisco, Jampal ou Doçal. O futuro da indústria vitivinícola em Portugal depende de uma revolução silenciosa, já em curso.
Tecnologia de ponta, muita inovação e dados cada vez mais precisos apoiarão melhores decisões na vinha, sobretudo, mas também na adega. Por convicção e/ou necessidade, teremos uma viticultura mais sustentável. E, os vinhos, esses, se a indústria souber ler os sinais, continuarão a ser bons – melhorarão até, mais não seja porque serão diferentes, reflectindo a tipicidade de um mosaico de terroirs onde estão identificadas cerca de 300 castas autóctones – e trarão valorização económica.
Comecemos pelo problema. A bacia do Mediterrâneo já está a ser e continuará a ser uma das zonas mais afectadas no globo pelas alterações climáticas. E em Portugal podemos esperar maior variabilidade climática (um clima ioiô), maior frequência e intensidade de eventos extremos, como as ondas de calor que caracterizaram o ano vitícola de 2022, e muito menos precipitação em algumas regiões do país.
Isso é sabido. “É preciso saber [também] o que vai acontecer às plantas”, atalha o climatologista João Santos. E o que é inovador, explica o director do Centro de Investigação e Tecnologias Agroambientais e Biológicas (CITAB) da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), é que hoje é possível “pegar nos cenários de alterações climáticas e simular como as plantas vão responder a essas condições no futuro”. É isso que fazem os investigadores do CITAB e de outros centros de investigação, para em função dessas previsões avaliarem impactos e sugerirem medidas de adaptação.
Pedro Rodrigues, do Instituto Politécnico de Viseu, publicou em 2022 um estudo sobre os impactos na fenologia e na maturação da Touriga Nacional no Dão. Em conjunto com outros investigadores, incluindo João Santos, projectou as datas dos principais estados fenológicos, abrolhamento, floração e pintor, e de diferentes estados de maturação, para os períodos 2041-2070 e 2071-2100 em dois cenários e comparou esses resultados com o período de referência 1991-2020.
As conclusões, a que a Fugas teve acesso, apontam para uma antecipação do ciclo vegetativo da videira, que será também mais curto. Isso “fará a maturação [das uvas] deslocar-se para altura mais quente do ano”, afectando “o equilíbrio entre açúcar e acidez natural, assim como a cor do mosto”. Algo que já vimos este ano durante as vindimas em algumas regiões. No futuro, sugere o investigador no mesmo paper, “devem ser feitos estudos na região do Dão para avaliar o impacto das alterações climáticas no risco de geadas tardias, no zoneamento vitivinícola e na quantidade e qualidade dos bagos na vindima”.
E acrescenta: “a transição dos viticultores do Dão para abordagens climate-smart e apostadas em conseguir uma maior resiliência climática terá um papel fundamental na futura sustentabilidade ambiental e económica da região”. Pode aplicar-se à viticultura nacional em geral.
Soluções para adaptar “local a local”
Apesar de as “medidas de adaptação às alterações climáticas terem de ser definidas não só sectorialmente, mas também local a local”, como sublinha João Santos, há pistas gerais muito valiosas. O investigador da UTAD coordenou um projecto europeu chamado Clim4Vitis, que reuniu e publicou, também este ano, um conjunto de estratégias a curto e longo prazo.
No futuro mais próximo, serão benéficos para a vinha uma desfolhagem eficiente (a planta “bebe” menos água e é atrasada a maturação), a aplicação de “protector solar” (caulino, por exemplo), o uso de redes protectoras, a rega inteligente, uma gestão de solos que olhe para todo o ecossistema e um controlo de pragas e doenças permanente. Estratégias de adaptação a longo prazo já têm que ver com mudanças estruturais: sistemas de condução, escolha de outros enxertos e porta-enxertos e, em casos mais extremos, deslocalização de vinhas para zonas mais amenas.
“Temos de definir medidas ad hoc, site-specific, que tenham em conta os terroirs. Depois, tudo vai depender do local em que estamos e das projecções climáticas. E essas, para Portugal, vão ser muito diferentes de local para local”, comenta o investigador do CITAB.
Castas adaptadas à escassez de recursos
Mas os princípios gerais são conhecidos. E no que respeita à selecção de castas, por exemplo, temos felizmente assistido ao estudo e à plantação […]