“o amigo e seus compinchas não vêm que só com herbívoria em abundância é que isto lá vai? Neste momento, o agricultor recebe 20 euros/ fêmea de pequenos ruminantes ano a partir de um efetivo de 10 fêmeas adultas. Este valor por animal é muito baixo para que a atividade seja atrativa, mas também, e sobretudo, porque não tem em conta os serviços de ecossistema e sustentabilidade florestal que esta atividade oferece. Está na hora de mudar isto, é preciso fomentar a pastorícia, para isso é preciso propor que este valor passe para os 80-100 EUR/ fêmea adulta. Fazer esta mudança é muito importante, a herbívora é fundamental na preservação do nosso território”.
Eu tenho uns admiradores cuja actividade mais relevante, no que me diz respeito, é demonstrar que sou um estropício moral e uma fraude intelectual e o parágrafo acima é de um desses admiradores que, até quando concordam comigo, fazem um grande esforço para demonstrar que eu só digo disparates.
No caso do primeiro parágrafo deste texto, trata-se de uma crítica à minha ideia de que é preciso pagar a gestão de combustíveis finos a quem a faz.
É público que o que procuro é uma maneira simples, operacionalmente simples, de concretizar esta ideia que, em si, é bastante consensual, o problema é que mal se começa a passar da ideia geral de pagamento do serviço de gestão de combustíveis finos para a concretização da ideia, as divergências explodem (eu próprio divirjo de muitas das coisas que já defendi no passado, por isso mudei de ideias, de maneira geral sempre no sentido de pensar em soluções mais simples e mais exequíveis).
A crítica acima é uma das mais habituais, e consiste no vício de raciocínio mais abundante nesta discussão.
Primeiro imagina-se uma situação ideal (o que é preciso é inundar isto de herbivoria, a forma mais eficiente é com rebanhos, vamos tornar a actividade de produção tão atractiva que toda a gente vai querer ter rebanhos) e depois desenha-se um mecanismo para atingir essa situação ideal, que é independente da realidade existente.
O resultado da adopção da proposta enunciada acima é que o incentivo à produção tem de ser tão alto que, para além das distorções de mercado, abre possibilidades interessantes ao seu uso para fins diferentes daqueles que justificam que os contribuintes paguem o incentivo.
No caso concreto, é muito fácil que a adopção da proposta faça aumentar o efectivo pecuário, sem qualquer efeito na gestão de combustíveis, por estarem todos estabulados.
A resposta a isso é condicionar o incentivo à criação em extensivo, com pastoreio. O resultado, para dar eficácia a esse condicionamento, é criar um sistema de fiscalização que, evidentemente, não consegue controlar se os animais estão uma hora no pasto do lameiro próximo ou se fazem uma volta no monte para comer mato e abre portas a acordos entre os fiscais e os fiscalizados para dividir a meio o incentivo, mantendo os animais em estabulação.
É exactamente o mesmo problema das centrais de biomassa (de resto, se eu tivesse um rebanho de cabras apresentava uma candidatura ao apoio das centrais de biomassa e gostaria de ver os avaliadores a demonstrar que as cabras não são centrais de biomassa), em que o incentivo à produção, esquecendo que a dieta das centrais (materiais densos com elevada intensidade energética) é incompatível com a dieta dos fogos (materiais finos, essencialmente ar e água, com baixa intensidade energética), o que vai ter como resultado que as centrais ou vão à falência, ou consomem materiais que pouco influenciam na progressão do fogo.
É por isso que nos últimos tempos me tenho focado numa só proposta, com um resultado bem definido, fácil de verificar e directamente relacionado com a progressão do fogo (a quantidade de combustíveis finos que existe num terreno) e orientada para a realidade económica e social existente, em que diferentes pessoas e entidades, em diferentes contextos, fazem opções económicas diferentes que podem ter como resultado a gestão de combustíveis finos, sendo o apoio para todos os que obtém esse resultado, seja de que maneira for.
E, já agora, com um incentivo que apoia o que existe, mas é insuficiente para gerar uma actividade cujo objectivo essencial é captar o financiamento (essa é a outra crítica mais frequente, que o valor de incentivo proposto não dá para limpar mato sem objectivo, o que é verdade e é uma das características essenciais da proposta, exactamente para não incentivar actividades que não têm sentido económico).
O que tem bloqueado este tipo de propostas (não, não sou o único, a fazer propostas), quer sejam sobre gestão de combustíveis, quer sejam sobre a separação de funções de protecção civil e gestão do fogo florestal, é uma coisa terrível, bem visível na globalidade do sistema de protecção contra o fogo: a aliança entre a ignorância e o poder, bem ilustrada pela coligação informal autárquico-bombeiral, apoiada pela corporação dos jornalistas (estou a fazer uma generalização injusta para com os excelentes comandantes de bombeiros, que os há, e os autarcas mais sensatos, que também os há).
Sem resolver esse nó górdio da mesma maneira que Alexandre o resolveu no seu tempo, talvez com a actualização tecnológica que nos permite usar motosserras em vez de espadas, não vamos lá.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.