A última reunião do Grupo de Acompanhamento da Cadeia de Abastecimento ficou marcada por um conjunto de preocupações como a falta de mão-de-obra e um elevado nível de absentismo nas empresas que decorre da pandemia e do período de isolamento, mas também pela manutenção de uma conjuntura de preços de matérias-primas em alta, bem como os custos dos fretes, transportes, embalagens, energia e combustíveis, ou seja, de todos os fatores de produção que permitem que os consumidores nacionais disponham de alimentos seguros e de acordo com as suas necessidades.
De facto, as cadeias de abastecimento, com maior ou menor dificuldade, instabilidade ou eventuais atrasos, têm funcionado porque os empresários se desdobram, inventam e reinventam, para ultrapassar os constrangimentos logísticos, de recursos humanos e financeiros, para que a economia funcione normalmente.
São os verdadeiros heróis desta nova fase da COVID-19.
Na sequência da pressão das diferentes organizações, o Governo já reduziu o período de isolamento de infetados para 7 dias e, com os atuais níveis de vacinação, estas medidas são, seguramente, mais adequadas a esta nova fase. Mitigado este problema, continuam todos os outros, sem solução à vista no curto prazo.
Do ponto de vista alimentação animal e tendo em conta o ponto de situação que se pode fazer ao nível da União Europeia, os preços das principais matérias-primas continuam em alta, bem como as vitaminas e aminoácidos, existem atrasos de fornecimento, muita incerteza e instabilidade, baixos preços pagos aos principais clientes da nossa atividade, a produção de produtos animais, e uma grande pressão sobre a Comissão Europeia e o Conselho, agora sob a presidência da França, para que implemente medidas à escala da União Europeia ou do G20, e os corredores verdes funcionem.
Uma conjuntura insustentável, que necessita muito mais do que acompanhamento e monitorização.
Ao nível global, a pandemia continua a provocar encerramentos temporários de empresas, como temos visto na China e noutras geografias, o que tem impacto na oferta de produtos, mas também na disponibilização de contentores e navios para o seu transporte. Esta situação, por si só, cria disrupções na cadeia global de abastecimento. A inflação é uma realidade e países como a Argentina ou a Rússia impõem taxas à exportação e privilegiam os mercados internos, impondo planos de contingência. Espera-se um recuo na ordem dos 2,5% no comércio global de matérias-primas para esta campanha.
Curiosamente, na mesma altura em que a União Europeia apresentava o seu Plano de Contingência para fazer face às crises como a que enfrentamos desde há 2 anos, a China reafirmava o objetivo de, a longo prazo, ser quase inteiramente autossuficiente na produção de carne de porco. O país, que consome metade da carne de porco do mundo, vai manter a meta de produzir 95% da proteína até 2025. Por outro lado, quer ser autossuficiente nos ovos e aves de capoeira e ovos, com níveis de 85% na carne de bovino e 70% nos laticínios.
Esta estratégia de reforço da segurança alimentar na China, não deixará de ter um impacto significativo, no mais longo prazo, nas exportações agroalimentares europeias. Nestas, a carne de porco e o leite em pó têm um peso significativo.
Com a estratégia referida, a China cria as condições para que seja possível um equilíbrio do seu mercado interno. E a União Europeia? É fundamental que os Estados-membros, desde logo Portugal, tenham estas questões em linha de conta na discussão que se vai seguir sobre a implementação do Plano de Contingência, mas, igualmente, na estratégia “Do Prado ao Prato”.
No entanto, as consequências da estratégia chinesa serão, certamente, mais visíveis no curto prazo do que a da união Europeia. Muito provavelmente vamos assistir à compra de matérias-primas no mercado mundial, criando-se assim as condições para travar as desejáveis reduções dos custos dos cereais ou oleaginosas, e por arrastamento, da competitividade da alimentação animal e da pecuária. Ainda recentemente, dados do USDA (Departamento de Agricultura dos EUA) apontavam para que em meados de 2022, a China possa ter 69% das reservas mundiais de milho, 60% das de arroz e 51% das de trigo.
Por outro lado, se tivermos em linha de conta que os produtores agrícolas irão colocar no mercado as matérias-primas, com maiores custos ao nível das sementes, fertilizantes ou fitofármacos, vai ser muito difícil dispormos de preços tendencialmente em baixa, sobretudo será muito mais difícil o regresso aos níveis de pré-pandemia ou em 2020.
Finalmente, os preços dos produtos de origem animal.
Na conjuntura que acabámos de descrever, os preços dos produtos de origem animal só podem subir para fazer face aos custos de produção. Essa situação já se verifica, embora timidamente em alguns produtos, como é o caso do leite. Contudo, mesmo com os aumentos que já vigoram neste produto em particular, receamos que não permitam viabilizar uma parte importante da produção leiteira. Noutro setor, a suinicultura, as perdas são impressionantes, na ordem dos 50 a 60 € por animal. Nas aves, vamos assistindo a reduções na oferta para travar mais descida de preços, tendo este setor sido confrontado, nos últimos dias, com eventuais restrições à exportação de aves e ovos, na sequência da ocorrência de casos de gripe aviária.
É urgente, como temos referido, repercutir os custos ao longo da cadeia alimentar, pese embora saibamos que com o fim das moratórias as consequências da crise pandémica ao nível das finanças das famílias serão mais expostas, ou seja, os aumentos de preços no consumidor podem conduzir a quebras de consumo.
Para já, caminhamos sobre “gelo fino”, as dificuldades estão à vista e precisamos de medidas à escala da União Europeia para manter uma produção viável e sustentável e para financiar os custos decorrentes do “Prado ao Prato” e da adaptação a uma produção cada vez mais amiga do ambiente.
Para Portugal, estas perspetivas podem conduzir à diminuição de efetivos, a menos oferta de produção nacional, a menos Mundo Rural e à desertificação, mais dependência e vulnerabilidade, empobrecimento.
Aqui deixamos estas reflexões, partilhadas noutros fóruns, eventualmente, para que a poucos dias das eleições, os Partidos Políticos reflitam sobre as reais preocupações e constrangimentos. Temos de criar riqueza e apostar no Mundo Rural, na atividade pecuária, fundamentais para o nosso País.
Não podemos e não vamos desistir.
Infelizmente, parece que estamos a caminhar para uma tempestade mais que perfeita!
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA