Nos últimos 3 anos, durante a pandemia e no contexto do conflito na Ucrânia, falámos muito da resiliência dos setores, da agricultura, da indústria alimentar, da cadeia de abastecimento, valorizando (e bem) as empresas e os empresários, mas pouco se falou das suas organizações setoriais, ou dos seus representantes. Também eles mostraram um enorme voluntarismo, boa-vontade, empenho e resistência. É verdade que, infelizmente, falta, apesar das inúmeras Associações, movimento associativo, participação cívica de intervenção na Sociedade. Essa é uma dimensão do problema, a par da sucessiva desqualificação política (pelo menos é essa a perceção que temos) da Agricultura e do Mundo Rural, e, por arrasto, da Agroindústria.
Ganha assim particular relevância o papel de alguns dirigentes associativos e destacamos hoje o Presidente da FIPA, Jorge Henriques, há 20 anos na liderança da organização que representa, em Portugal e em Bruxelas, a indústria agroalimentar. Não só teve a visão, naturalmente com os seus colegas de Direção e das diferentes Associações que a integram, de colocar a FIPA no seio da CIP, projetando o agronegócio para a agenda daquele parceiro social, como lançou recentemente, com o apoio do Presidente Armindo Monteiro, o Conselho Agroalimentar, que constitui um dos órgãos de consulta da Confederação.
Trata-se de uma estrutura que, pela qualidade dos seus intervenientes, muitos dos quais personalidades de reconhecido prestígio no Setor e na Sociedade, pode, pelo debate de ideias, propostas concretas, algumas disruptivas, relançar uma profunda reflexão sobre a importância do agroalimentar e dar-lhe uma dimensão política consentânea com o seu peso económico, social, de alavanca da agricultura e igualmente de cumplicidade com as suas “dores”. O Conselho também tem elementos ligados à distribuição alimentar, pelo que certamente teremos propostas equilibradas para a cadeia alimentar, em que as preocupações com as novas dinâmicas e exigências dos consumidores estarão certamente plasmadas.
Saudamos, assim, a criação deste Conselho, em que o principal desafio será o de procurar soluções para um desenvolvimento mais sustentável, mais inclusivo, diminuindo o peso das importações e promovendo as exportações para a ambição dos 10 000 milhões de euros, reduzindo a nossa (crónica) dependência externa.
Uma das primeiras conclusões que retirámos ao analisar um estudo do GPP, e sobretudo nas séries longas, foi a de que o crescimento do setor tem sido relativamente anémico. Existe um déficit ainda elevado, na ordem dos 5 mil milhões de euros.
Nada disto é novidade, apesar da excelência de algumas empresas agrícolas e agroalimentares, da melhoria nos sistemas de controlo de qualidade, na eficiência, e a implementação das mais modernas tecnologias. Ainda é curto, parece que não descolamos. Mesmo quando aumentamos o VAB (Valor Acrescentado Bruto) o que aconteceu na sequência da guerra, é devido aos aumentos de preços via mercado (e custos) e não a produtos de maior valor acrescentado, diferenciadores ou inovadores. Só quando incluímos a componente florestal é que o déficit diminui significativamente, mas subsiste o problema na indústria alimentar.
É este o contexto em que trabalhamos e sabemos que os próximos anos não vão ser fáceis, pelo contrário. Nem do lado da oferta – com tantas restrições em termos de regulação e de natureza ambiental, com mais custos-, nem do lado da procura – com consumidores claramente com menor poder de compra, juros em alta e a lidarem com uma inflação que se pode prolongar até 2025, mantendo-se a instabilidade (e volatilidade) que resulta da guerra e das crescentes tensões internacionais.
No caso específico da Alimentação Animal, é sabido que uma componente relevante das importações são os cereais e as oleaginosas, tal como acontece na alimentação humana, mas a solução para conter o déficit não passa pela redução da pecuária, ou do consumo de pão e derivados, pelos consumidores. Passa sim por criar condições para aumentar a produção agrícola e aproximar a agricultura da indústria.
Temos ainda problemas estruturais que se arrastam há décadas, em sucessivos Governos: o licenciamento, os custos de contexto, milhares de taxas e taxinhas, a água, a mão de obra e a respetiva qualificação, a SILOPOR e as infraestruturas portuárias, o financiamento e o investimento…
E, finalmente, a política fiscal, que se deve refletir no âmbito da discussão do próximo Orçamento de Estado. Relativamente a ela, temos duas questões: a baixa do IVA ou a sua harmonização relativamente à média europeia, e a manutenção das isenções de que o setor beneficia e que, tendo em conta as perspetivas para o próximo ano, é essencial que se mantenham em 2024.
No que respeita ao IVA, não é aceitável que tenhamos uma taxa de 23% para produtos transformados que são adquiridos nos supermercados, mas que passam a ser taxados a 13% quando disponibilizados pela restauração. Também não é aceitável que, por exemplo, os alimentos para animais de companhia sejam taxados a 23%. Uma vez mais, defendemos que sejam tributados a 13% já em 2024, promovendo a saúde e bem-estar animal e sendo um elemento dissuasor do abandono, uma realidade que não parece dar tréguas e que só nos envergonha enquanto Sociedade.
No entanto, no essencial, o que é necessário é manter para o próximo ano as ajudas e isenções de IVA de que a indústria de alimentos compostos dispõe até final de 2023. Também é necessário iniciar um debate sério e construtivo, para que o IVA seja alinhado com a média europeia em todos os produtos alimentares. Atenção, igualmente, aos produtos inovadores que, apenas porque inovam, são taxados de imediato a 23%, o que não se compreende.
A CIP apresentou, como é sabido, uma série de propostas no seu Pacto Social, consideradas disruptivas e “descabidas” por algumas forças políticas. Ainda em discussão, pelo menos tiveram o mérito de nos colocar a pensar, debater, discutir, sair da habitual zona de conforto.
Essa é, na minha opinião, uma das valias deste Conselho Agroalimentar, mas a principal será, penso, a possibilidade de “requalificar” a Indústria Agroalimentar e dar-lhe dimensão política equivalente à que é apregoada quando se fala de Alimentação.
O Governo, no geral, e o Ministério da Agricultura e Alimentação, em particular, têm uma excelente oportunidade para o demonstrar. Já no próximo Orçamento de Estado.
Porque é a disponibilidade de alimentos, a tão valorizada segurança alimentar, que pode estar em causa. Têm a palavra os deputados.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Fonte: IACA
As infraestruturas portuárias não podem ser forças de bloqueio – Jaime Piçarra